História da Revolução Russa

Léon Trotsky


A tomada da capital


Tudo tinha mudado e tudo tinha ficado na mesma. A revolução tinha feito tremer o país, aprofundado a decomposição, assustando uns, exasperando os outros, mas até então ela não tinha ousado levar o que quer que fosse até ao fim, ela não tinha nada substituído. São Petersburgo imperial parecia mergulhado num sono letárgico antes da morte. Sobre as estátuas de ferro fundido da monarquia, a revolução tinha colocado bandeiras vermelhas. As grandes telas carmesim flutuavam nas fachadas dos edifícios governamentais. Mas os palácios, os ministérios, os Estados-maiores viviam completamente independente das suas bandeiras vermelhas que, aliás, sob as chuvas de outono, tinham perdido as cores. As águias bicéfalas com o ceptro e o globo foram arrancadas onde isso era possível, mas na maior parte das vezes cobertas de um véu ou à pressa cobertas de cor. Elas pareciam estar escondidas. Toda a velha Rússia dissimulou-se, rangendo os dentes de cólera.

As personagens grotescos dos milicianos nas encruzilhadas lembram muitas vezes a insurreição que varreu os «faraós». Iguais a monumentos vivos. Além disso, a Rússia, há já dois meses, chama-se «República». A família imperial encontra-se em Tobolsk. Não, o turbilhão de Fevereiro não passou sem deixar marcas. Mas os generais do czar continuam a ser generais, os senadores senadorizam, os conselheiros secretos conservam sua alta dignidade, a escala hierárquica burocrática e os botões amarelos com a marca da águia designam os estudantes. Mas o essencial é que os proprietários continuam proprietários, que, para a guerra, não se vê o fim, que os diplomatas aliados, mais insolentemente que nunca, puxam os fios da Rússia oficial.

Tudo fica como no passado e, todavia, ninguém se reconhece aí. Os bairros aristocráticos sentem-se empurrados para segundo plano. Os bairros da burguesia liberal aproximam-se estreitamente da aristocracia. De mito patriótico, o povo tornou-se uma terrível realidade. Sob os pés tudo treme e desagrega-se. O misticismo rebenta com uma força muito viva nos meios que, há pouco tempo ainda, juntava as superstições da monarquia.

Os bolseiros, os advogados, as bailarinas amaldiçoam o novo entenebrecer dos costumes. A fé na Assembleia constituinte se volatiliza dia após dia. Gorki, no seu jornal, profetiza o afundamento da civilização. Reforçada desde das Jornadas de Julho, a deserção de Petrogrado enraivecida e esfomeada para ganhar a província mais pacífica e bem alimentada se generaliza agora. Famílias de boa condição, que não conseguiram abandonar a capital, esforçam-se em vão de se proteger da realidade por paredes de pedra e tectos de folha. Os ecos da tempestade penetram por todo o lado: pelo mercado, onde tudo se torna mais caro e onde há falta de tudo; pela imprensa bem pensante que não passa de um gemido de ódio e de terror; pela rua efervescente onde falam por vezes o tiros sob as janelas; enfim, pela escada de serviço, pelos criados que não querem mais obedecer com resignação. Aqui, a revolução bate talvez no lugar mais sensível: a resistência dos escravos da casa destrói definitivamente a estabilidade do lar familiar.

E todavia, a rotina diária se defende com todas as suas forças. Os estudantes estudam nos estabelecimentos segundo os velhos manuais, os funcionários escrevem papéis que ninguém precisa, os poetas destilam versos que ninguém lê, as amas contam lendas de Ivan Tsarevitch, as raparigas da nobreza e da classe dos comerciantes que chegam da província aprendem a música ou então procuram namorados. O velho canhão, sobre o muro da fortaleza Pedro e Paulo, anuncia o meio-dia, no teatro Maria dão um novo ballet, e o ministro dos Assuntos externos Terechtchenko, mais forte em coreografia que em diplomacia, encontra, deveria pensar-se, o tempo para admirar as pontas de uma bailarina e demonstrar assim a solidez do regime.

Os relevos dos antigos festins são ainda muito abundantes e, por elevadas somas, pode-se encontrar tudo. Os oficiais da Guarda fazem soar as suas esporas ao juntar os tacões e procuram aventuras nos gabinetes particulares dos restaurantes de luxo, é o deboche sem limites. A iluminação eléctrica termina à meia noite, mas isso não impede a prosperidade das casas mal afamadas onde, à luz de velas, borbulha o champanhe, onde sereníssimos concussionários despojam às cartas as não menos sereníssimos espiões alemãs, onde os conspiradores monárquicos dizem «passo» diante dos contrabandistas semitas, onde as cifras astronómicas das apostas marcam ao mesmo tempo a extensão da pouca-vergonha e da inflação.

É possível que um simples «eléctrico», mal mantido, sórdido, lento, ao qual estão suspensos cachos de homens, ir desse Santo-Petersburgo agonizante até aos bairros populares que vivem da paixão intensa de uma nova esperança? As cúpulas azuis e doiradas do Instituto Smolny indicam de longe o Estado-maior da insurreição: no limite da cidade velha, aí onde para a linha do “eléctrico» e onde o rio Neva descreve uma brusca curva para o sul, separando os arredores do centro da capital. Um grande edifício acinzentado de três andares, a caserna da educação das filhas da nobreza - eis agora a fortaleza dos sovietes. Intermináveis e sonoros corredores parecem feitos para o ensino das leis da perspectiva. Sobre as portas de um grande número de salas subsistem ainda as inscrições sobre o esmalte: «Sala dos professores», «IIIª Classe», «Senhoras de classe». Mas, ao lado dos velhos letreiros, ou cobrindo-os, aqui e acolá folhas de papel que têm os hieróglifos misteriosos da revolução: TKS, PSR, SD, mencheviques, SD bolcheviques, SR de esquerda, anarco-comunistas, expedição do Tsik (Comité executivo central), etc.. O olho atento de John Reed notou nessas paredes as inscrições: «Camaradas, no interesse da vossa saúde, sejam asseados!» Infelizmente, ninguém manteve o asseio, a começar pela própria natureza. Petrogrado de Outubro vive sobe uma abóbada de chuva. As ruas, que não são limpas há muito tempo, estão sujas. No pátio de Smolny, poças imensas. Nas solas dos soldados, a lama é transportada nos corredores e salas. Mas ninguém não olha nesse momento para baixo, debaixo dos pés: todos os olhares aponta para a frente.

Smolny comanda cada vez mais firmemente e autoritariamente, a simpatia apaixonada das massas no levantamento. A direcção central não se estende directamente aos sectores superiores do sistema revolucionário que, no seu conjunto, deve acabar a insurreição. A tarefa mais importante realiza-se na base e por ela própria. As fábricas e os quartéis - eis os focos da história nesses dias, nessas noites. Os arredores de Vyborg, tal como em Fevereiro, tem agora uma potente organização, abertamente declarada e reconhecida por todos. Bairros, refeitórios de fábricas, clubes, quartéis, os fios estão todos estendidos para o 33 da Perspectiva Sarnpsonievsky, onde estão instalados o Comité de bairro dos bolcheviques, o Soviete de Viborg e o Estado-maior de combate. A milícia do distrito funde-se com a Guarda vermelha. Os arredores está inteiramente sob o poder dos operários. Se o governo esmagasse Smolny, o distrito de Vyborg, por si só, poderia restabelecer o centro e assegurar a continuação da ofensiva.

O desfeche estava próximo, mas o dirigentes consideravam ou então faziam de contas em acreditar que eles não tinham motivos particulares para se preocuparem. A embaixada da Grande Bretanha, que tinha razões de seguir com atenção os acontecimentos de Petrogrado, recebeu, segundo o que conta o embaixador da Rússia, que se encontrava então em Londres, certas informações sobre a insurreição prevista. As questões preocupantes de Buchanan, Terchtchenko, no decurso de um inevitável pequeno almoço diplomático, respondeu por vivas certezas: «nada de igual» pode se produzir; o governo tem firmemente as rédeas nas mãos. O embaixador da Rússia em Londres foi informado da insurreição por um despacho da agência de notícias britânica. Um industrial das minas, Auerbach, que tinha visitado, um desses dias, o secretário de Estado Paltchinsky, perguntou-lhe como nada fosse, após uma entrevista sobre assunto mais sérios, o que ele pensava: mais uma trovoada, que passará, e a luz voltará: «Durma bem.» O próprio Paltchinsky só tinha que passar mais uma ou duas noites de insónia antes de ser preso.

Menos Kerensky se mostrava cerimonioso na sua maneira de tratar os líderes conciliadores, menos ele duvidava que no momento de perigo, estes apareciam em tempo útil para o tirar do sarilho. Mais os conciliadores enfraqueciam, mais eles mantinham à volta deles uma atmosfera de ilusões! Trocando do alto dos seus postos de Petrogrado, encorajamentos recíprocos com as organizações superiores da província e da frente, os mencheviques e os socialistas-revolucionários criavam uma falsidade de opinião pública e, mascaravam a sua impotência, enganando não o inimigo mas eles próprios. O aparelho de Estado, estorvando e ineficaz, combinação do socialismo de Março com o funcionalismo do czar, era o melhor adaptado para se iludir a ele próprio. O socialismo promovido de fresco temia mostrar-se muito pouco respeitador de ideias novas. Assim se criou um tecido de mentiras oficiais, no qual os generais, os procuradores, os jornalistas, os comissários e os seus ajudantes de campo mentiam tanto mais que eles estavam próximos da fonte do poder. O comandante da região militar de Petrogrado fazia relatórios encorajantes porque Kerensky tinha grande necessidade diante das realidades pouco encorajantes.

As tradições da dualidade de poderes agiam no mesmo sentido. Com efeito, as ordens correntes do Estado-maior regional, contra-ordenadas pelo Comité militar revolucionário, eram executadas sem réplica. Os postos da guarda na cidade eram ocupados, como habitualmente, pelos efectivos da guarnição, e é preciso dizer que, há já muito tempo, os regimentos não tinham preenchido o serviço de guarda com tanto zelo até então. O descontentamento das massas? «Escravos revoltados» estão sempre descontentes. Às tentativas de motim não pode tomar parte senão o banditismo da população da capital. A secção dos soldados contra o Estado-maior? Mas, em contrapartida, a secção militar do Comité executivo central é por Kerensky. Toda a democracia organizada, excepção feita dos bolcheviques, apoia o governo. É assim que a auréola rosa de Março se transforma num vapor azulado que cobre os contornos reais das coisas.

É somente quando se produziu a ruptura de Smonly com o Estado-maior que o governo tentou abordar o conflito de forma séria: não há perigo imediato, mas é preciso desta vez aproveitar a ocasião para acabar com os bolcheviques. Além disso, os aliados burgueses faziam pressão com todas as suas forças sobre o palácio de Inverno. Na noite do 23 para o 24, o governo, juntando toda a sua coragem, decidiu o seguinte: proibir os jornais bolcheviques que apelam à insurreição; chamar os contingentes seguros das redondezas e da frente. A proposição de prender todo o Comité militar revolucionário, adoptada em princípio, foi adiada na sua execução: por uma grande empresa, é preciso é preciso previamente assegurar-se do apoio do pré-parlamento.

O boato das decisões tomadas pelo governo propagou-se imediatamente na cidade. Nas sedes do Estado-maior general, ao lado do palácio de Inverno, durante a noite do 23 para o 24, o corpo da guarda estava ocupado pelos soldados do regimento Pavlovsky, um dos contingentes mais fiéis ao Comité militar revolucionário. Na presença dos soldados, tratava-se de apelar aos junkers, de cortar as pontes, de proceder a prisões. Tudo o que os soldados do regimento podiam ouvir e lembrar, eles transmitiam imediatamente nos distritos e em Smolny. No centro revolucionário, não sabiam sempre tiram partido das informações dessa contra-espionagem espontânea. Mas não deixava de se cumprir uma acção inadiável. Os operários e os soldados de toda a cidade estavam informados das intenções do inimigo e se fortificavam na sua disposição à resistência.

Pela manhã, cedo, as autoridades começavam os preparativos das hostilidades. As escolas de junkers da capital recebiam a ordem de tomar seus dispositivos de batalha. O cruzador Aurora que se mantém no rio Neva, tendo uma tripulação bolchevique, deverá sair para o mar para se juntar às operações da frota. Contingentes são chamados dos arredores: um batalhão de choque de Tsarkoie, junkers de Oranienbaum, da artilharia de Pavlovsk. O Estado-maior da frente Norte foi convidada a marchar imediatamente para a capital com tropas de confiança. Como medida imediata de precaução militar, esta ordem: reforçar os corpos da guarda do palácio de Inverno; cortar as pontes do rio Neva; os junkers vigiarão os automóveis; as comunicações telefónicas de Smolny serão cortadas. O ministro da Justiça, Maliantovitch, prescreveu a prisão dos bolcheviques, libertos sob caução, que tinham dado prova de nova actividade antigovernamental; o golpe era dirigido antes de tudo contra Trotsky. As vicissitudes dos tempos são bastante bem ilustradas pelo facto que Maliantovitch, tal como o seu predecessor Zaudny, tinha sido o advogado de Trotsky no processo de 1905: tratava-se já então da direcção do Soviete de Petrogrado. O carácter das acusações formulada era o mesmo num e noutro caso; tornados acusadores, os antigos defensores encareciam ainda acrescentado a acusação de ter recebido dinheiro alemão.

O Estado-maior da região militar manifestou uma actividade particularmente febril no domínio da tipografia. As ordens chegavam umas após outras: nenhuma manifestação não será tolerada; os delinquentes estão sujeitos a graves responsabilidade; os efectivos da guarnição, salvo ordem do Estado-maior, continuam consignados aos quartéis; «todos os comissários do Soviete de Petrogrado deve ser despedidos»; na base da ilegalidade dos seus actos, abrir um inquérito «para levá-los a conselho de guerra». Essas ordens ameaçadoras não indicam todavia por quem e como a execução será feita. Por sua conta e risco da responsabilidade pessoal, o comandante regional exigia dos proprietários de automóveis que eles colocassem suas viaturas, «para prevenir confiscações arbitrárias», à disposição do Estado-maior; mas ninguém deu ouvidos a isso.

O Comité executivo central, também ele, não deixou de fazer ameaças. Seguiam suas pegadas o comité executivo camponês, a Duma municipal, os Comités centrais mencheviques e dos socialistas-revolucionários. Toda as instituições eram bastante ricas em recursos literários. Nos manifestos que se colaram nas paredes e nas vedações, tratava-se invariavelmente de um certo bando de loucos, do perigo de batalhas sangrentas e de uma contra-revolução inevitável.

Às cinco e meia da manhã, apresenta-se na tipografia dos bolcheviques um comissário do governo com um destacamento de junkers, e, cercando as saídas, apresentou um mandato do Estado-maior ordenando o encerramento imediato do órgão central e do jornal O Soldado. O quê? Como? O Estado-maior? Ainda existe isso? Aqui, não se recebem ordens que não sejam sancionadas pelo Comité militar revolucionário. Mas isso não serviu de nada: os clichés são quebrados, o escritório é fechado. O governo pôde registar um primeiro sucesso.

Um operário e uma operária da tipografia bolchevique correram arquejando para Smolny e encontraram aí Podvoisky e Trotsky: se o comité lhes der um piquete de guarda contra os junkers, os operários publicarão o jornal. A maneira de responder, para começar, à ofensiva governamental foi encontrada. Redigiram uma ordem ao regimento lituano: expedir imediatamente uma companhia para proteger a tipografia operária. Os emissários da tipografia insistem para que se meta igualmente em acção o 6º batalhão de sapadores; são os vizinhos próximos e amigos fiéis. O telegrama é imediatamente transmitido às duas moradas. Os lituanos e os sapadores agem imediatamente. Os selos colocadas nas portas são arrancados, as matrizes fundidas, o trabalho arranca em grande. Com um atraso de algumas horas, o jornal proibido pelo governo surge sob a protecção das tropas do Comité, o qual é ele próprio objecto de um mandato de prisão. É já a insurreição. É assim que ela se desenvolve.

Entretanto, sobre o cruzador Aurora colocam esta questão em Smolny: é preciso sair para o mar ou ficar nas águas do Neva? Os mesmos marujos que, em Agosto, protegiam o palácio de Inverno contra Kornilov ardem agora de desejo de resolver o caso de Kerensky. O ordenança governamental é imediatamente invalidado pelo comité, e a tripulação recebe o Prikaz nº 1218: «No caso que a guarnição de Petrogrado fosse atacada pelas forças contra-revolucionárias, o cruzador Aurora assegurará o reboque de navios, e vedetas a vapor.» O cruzador preencheu entusiasmado uma missão que justamente esperava.

Esses dois actos de resistência sugeridos pelos operários e marinheiros, e realizados, graças ao consentimento da guarnição, imponentemente, tornaram-se os acontecimentos políticos de primeira importância. As últimas provas do fetichismo do poder caíam em pó. «Torna-se claro logo - diz um participante - que o assunto já estava resolvido.» Se ele não tivesse sido resolvido, ele surgiu de qualquer das formas mais simples do que parecia na véspera.

A tentativa de proibir os jornais, a inutilidade de levar a tribunal o Comité militar revolucionário, a ordem de despedir os comissários, a interrupção das comunicações telefónicas de Smolny - essas picadas de agulha são suficientes para que se acuse o governo de preparar um golpe de Estado contra-revolucionário. Ainda se a insurreição não possa vencer senão sob a forma de ofensiva, ela se desenvolve tanto mais com sucesso que ela se parece mais a uma ofensiva. Um pouco de cera de lacrar do governo sobre a porta da redacção bolchevista - como medida de guerra, não é grande coisa. Mas que excelente sinal para a batalha! Um telegrama a todos os distritos e aos efectivos da guarnição faz conhecer o que se passou. «Os inimigos do povo tomaram a ofensiva durante a noite … O comité militar revolucionário dirige a resistência contra o ataque dos conspiradores. » Os conspiradores, são os órgãos do poder oficial. Sob a pluma dos conspiradores revolucionários, esta definição tem uma ressonância inesperada. Mas ela responde plenamente às circunstâncias e ao estado de opinião das massas. Desmascarado de todas as suas posições, forçado de se manter na via de uma ofensiva atrasada, incapaz de mobilizar as forças indispensáveis para esse efeito, nem mesmo de verificar se elas estão disponíveis, o governo entrega-se a actos esporádicos, irreflectidos e não combinados que, aos olhos das massas, têm fatalmente ar de pérfidos atentados. O telegrama do comité prescrevia isto: «Meter o regimento em estado de combate e esperar instruções». É uma voz de autoridade. Os comissários do comité passíveis de eliminação continuam com ainda mais segurança a despedir os que são considerados indesejáveis.

O Aurora fundeado no Neva não era somente uma excelente unidade de combate ao serviço da insurreição, mas era uma estação de emissão de rádio pronta. Vantagem inapreciável. O marinheiro Korkov diz numa das suas lembranças: Trotsky nos informou que era preciso transmitir pela rádio ... Que a contra-revolução tinha tomado a ofensiva." Os termos da defensiva, ainda aqui, marcavam a chamada para a ofensiva, dirigida desta vez a todo o país. As guarnições que defendem os arredores de Petrogrado, é recomendado, pela rádio do Aurora, de parar o movimento dos escalões contra-revolucionários, e, no caso onde as exortações não são suficientes, de empregar a força. A todas as organizações revolucionárias é imposta a obrigação de "manter-se permanentemente, colectando todas as informações sobre os planos dos conspiradores". Os manifestos não faltavam, como se vê, mesmo do lado do Comité militar revolucionário. Mas, nele próprio, a palavra não se diferenciava dos actos, elas comentavam somente.

Não é sem atraso que se empreende a fortificação do próprio Smolny. Deixando o Instituto cerca das três horas, na noite do 23 para o 24, John Reed, a sua atenção foi atraída pelas metralhadores nas entradas e por fortes patrulhas que guardavam a grande porta e as encruzilhadas vizinhas: os postos da guarda tinham sido desde da véspera reforçados por uma companhia de metralhadores, com 24 metralhadoras. Durante o dia, a guarda não parou de aumentar. "No bairro de Smolny - escreve Chliapnikov - observavam-se cenas que eu reconhecia, que lembravam os primeiros dias da Revolução de Fevereiro à volta do palácio Tauride ": mesma multidão de soldados, de operários armados de todas as espécies.

Numerosos montes de lenha, no pátio, podem tanto que possível servir de protecção contra o tiroteio. Camiões, automóveis trazem abastecimentos e munições. "Smolny ao completo - conta Raskolnikov - foi transformado num campo de guerra. Lá fora, diante do grupo de canhões, canhões apontados. Perto deles, metralhadores ... Quase sobre cada degrau, os mesmos "Maxims", iguais a canhões brinquedos, e, em todos os corredores ... De gestos rápidos, barulhentos, alegres soldados e operários, marinheiros e agitadores". Sokhanov, que acusa não sem razão as organizações da insurreição de falta de organização militar, escreve: "Foi somente durante o dia e a noite do 24 que começaram a se reunir à volta de Smolny os destacamentos armados dos guardas vermelhos e dos soldados para a defesa do Estado-maior da insurreição... Pela noite do 24, a guarda de Smolny já tinha consistência".

Esta questão não deixa de ser importante. Em Smolny, de onde o Comité executivo conciliador se tinha mudado em segredo para ganhar as instalações do Estado-maior do governo, juntam-se agora as cabeças de todas as organizações revolucionárias dirigidas pelos bolcheviques. Aí também tem lugar, nesse dia, a sessão do Comité central do partido para tomar as últimas decisões antes de dar o assalto final. Onze membros estão presentes. Lénine ainda não saiu do seu esconderijo do bairro de Vyborg. Zinoviev está ausente; segundo a expressão um pouco viva de Dzerjinsky, "ele esconde-se e não participa no trabalho do partido". Em contrapartida, Kamenev, que partilha as ideias de Zinoviev, é muito activo no Estado-maior da insurreição. Estaline está ausente; em geral, ele não se mostra em Smolny, passando o seu tempo na redacção do órgão central. A sessão, como habitualmente, tem lugar sob a presidência de Sverdlov. O relatório oficial pouco fala; mas nota o essencial. Para caracterizar os dirigentes da insurreição e repartir entre eles as funções, ele é insubstituível.

Trata-se disto que em vinte e quatro horas deve-se definitivamente apoderar-se de Petrogrado. Isso significa: ocupar as instituições políticas e técnicas que continuam ainda nas mãos do governo. O Congresso dos sovietes deve tomar lugar sob um poder soviético. As medidas práticas do assalto nocturno foram elaboradas ou são elaboradas pelo Comité militar revolucionário e pela organização militar bolchevique. O Comité central deve dar o retoque final.

Adopta-se antes de tudo a proposição de Kamenev: "Hoje, sem decisão especial, por um membro do Comité central não pode ser autorizado a sair de Smolny." Decide-se além disso de reforçar, em Smolny, os serviços permanente dos membro do Comité de Petrogrado do partido. O relatório diz mais longe: "Trotsky propõe meter à disposição do Comité militar revolucionário dois membros do Comité central para estabelecer a ligação com os Correios e os ferroviários: um terceiro membro para vigiar o governo provisório. "Decisão tomada: delegar para os Correios Dzerjinsky, - para os Caminhos de ferro, Bobnov. Primeiro, provavelmente sob iniciativa de Sverdlov, havia o projecto de confiar a vigilância do governo provisório a Podvoisky. O relatório nota o seguinte: "objecções contra Podvoisky; o assunto  é confiado a Sverdlov". Miliotine, que é considerado como um economista, é encarregado do abastecimento. As conversações com os socialistas-revolucionários de esquerda são confiadas a Kamenev, que tem a reputação de um parlamentar hábil, ainda se demasiado conciliante: conciliante, isso compreende-se, à medida do bolchevismo." Trotsky propõe - lemos mais longe - de estabelecer um Estado-maior de reserva na fortaleza Pedro-e-Paulo e aí designar um com esse objectivo um membro do Comité central". Decisão: "Encarregar da vigilância geral Lachevitch e Blagonravov; o cuidado em manter uma constante ligação com a fortaleza foi confiada a Sverdlov. "Além disso: "Todos os membros do Comité central serão detentores de um livre acesso à fortaleza."

Na linha do partido, todos os fios estavam nas mãos de Sverdlov, que conhecia os quadros bolcheviques como ninguém. Ele ligava Smolny ao aparelho do partido, obtia os militantes indispensáveis ao Comité militar revolucionário e aí era chamado para conferenciar nos momentos críticos. Dado que a composição do Comité era demasiado grande, parcialmente mouvante, as medidas mais secretas eram aplicadas pela cimeira da Organização militar dos bolcheviques, ou pessoalmente por Sverdlov, que foi, não oficialmente, mas tanto mais efectivamente, o "secretário geral" da insurreição de Outubro.

Os delegados bolcheviques que tinham chegado ao Congresso dos sovietes caíam antes de mais entre as mãos de Sverdlov, e não ficavam mais de uma hora sem ocupação. No 24, em Petrogrado, já se contavam duas ou três centenas de provinciais, e uma maioria deles, de uma maneira ou outra, inseriu-se nos mecanismos da insurreição. Cerca  das duas horas da tarde, eles reuniram-se em Smolny, em sessão de fracção, para ouvir o relator do Comité central do partido. Entre eles, havia hesitantes que teriam preferido, como Zinoviev e Kamenev, uma política de expectativa: havia também, simplesmente, recrutas sobre os quais não se podia contar. Estava fora de questão expor diante da fracção o plano da insurreição: o que se diz diante de uma assembleia numerosa, mesmo à porta fechada, se propaga sempre para o exterior. Ainda não se pode rasgar o envelope da defensiva que se cobre a ofensiva sem riscar de provocar um certo sarilho na consciência de diversos efectivos da guarnição. Mas é indispensável, ao mesmo tempo, dar a entender que a luta decisiva já começou e que o Congresso só terá que a acabar.

Lembrando recentes artigos de Lénine, Trotsky demonstra que "a conspiração nada contradiz os princípios do marxismo" se as relações objectivas tornam possível e inevitável a insurreição. " A barreira material na via do poder deve ser ultrapassada por um golpe violento ..."

Todavia, até ao presente, a política do Comité militar revolucionário não ultrapassou os quadros da defensiva. Bem entendido, é preciso compreender esta defensiva de uma maneira bastante larga. Que a imprensa bolchevique tenha a segurança de aparecer com a ajuda das forças armadas, ou bem que o Aurora possa ficar no Neva - "é a defensiva, camaradas? É a defensiva!" Se o governo projectou em nos prender, desta vez, as metralhadoras são instaladas no teto  de Smolny." É também  uma defensiva, camaradas!" E que fazer então do governo provisório? diz um bilhete enviado ao orador. Se Kerensky tentou não se submeter ao Congresso dos sovietes - responde o relator - a resistência do governo criaria "uma questão de polícia e não política." No fundo, foi quase assim.

Nesse momento, Trotsky é chamado para se explicar com uma deputação da Duma municipal que acabou de chegar. Na capital, na verdade, tudo é calmo pelo momento, mas rumores alarmistas se propagam. O presidente da Câmara põe questões. O Soviete se dispõe em organizar uma insurreição? E como manter a ordem na cidade? E que aconteceria à Duma se ela não reconhece a insurreição? Estes honrosas personagens queriam saber muito. A questão do poder - diz a resposta - depende da decisão do Congresso dos sovietes. E chegar-se-ia por aí a uma luta armada, " isso depende não tanto dos sovietes mas daqueles que, apesar da vontade unanime do povo, guarda entre suas mãos o poder de Estado."

Se o Congresso recusa o poder, o Soviete de Petrogrado se submeterá. Mas o próprio governo procura evidentemente um conflito. A ordem foi dada para prender o Comité militar revolucionário. A isso, os operários e os soldados não podem responder senão pela resistência implacável. Os assaltos e as violências das bandas criminosas? Uma ordem do Comité, publicada hoje mesmo, diz o seguinte: "A primeira tentativa dos criminosos para provocar nas ruas de Petrogrado sarilhos, pilhagens, rixas com facas ou a tiro, os criminosos serão suprimidos". Em relação à Duma municipal, poder-se-á, em caso de conflito, aplicar o método constitucional: dissolução e novas eleições. A delegação partiu descontente. Mas sobre o que, na verdade, contava ela?

A visita oficial dos vereadores ao campo dos revoltados era uma manifestação demasiado fraca da impotência dos dirigentes." Não esqueçam, camaradas, dizia Trotsky, regressado à fracção dos bolcheviques - que, há algumas semanas, quando nós conquistamos a maioria, nós éramos somente uma empresa - sem tipografia, sem caixa, sem sucursal - e agora , um grupo de deputados da Duma municipal vem encontrar o Comité militar revolucionário, decretada a prisão, para questionar "sobre a sorte da cidade e do Estado".

A fortaleza Pedro-e-Paulo, conquistada na véspera somente do ponto de vista político, reforça-se hoje. A equipa dos metralhadores, que é o contingente o mais revolucionário, se mete em ordem de batalha. Puxar lustre com entusiasmo às metralhadoras Colt: há oitenta. Para vigiar os cais e o ponto da Trindade as metralhadoras são instaladas sobre as muralhas da fortaleza. Na grande porta, a guarda é reforçada. Patrulhas são enviadas para os bairros circundantes. Mas, na febre das horas matinais, descobre-se que no próprio interior da fortaleza, a situação ainda não pode ser considerada como completamente segura. A incerteza vem do batalhão dos motociclistas. Como os cavaleiros, os motociclistas, originários de famílias camponesas ricas, ou da pequena burguesia das cidades, constituem os elementos os mais conservadores do exército. Tema para os psicólogos idealistas: basta a um homem, diferentemente dos outros, de sentir-se montado sobre duas rodas a motor, pelo menos num país pobre como a Rússia, e a sua enfatuação começa a inchar como os seus pneus. Em América, para obter tal efeito, já é preciso um automóvel.

Chamado para esmagar o movimento de Julho, o batalhão apoderou-se com zelo, a um certo momento, do palácio Kczecinska, e tinha sido a seguir, como contigente particularmente seguro, instalado na fortaleza Pedro-e-Paulo. No comício da véspera que tinha decidido da sorte da fortaleza, os motociclistas, como se soube a seguir, não tinham tomado parte: a disciplina entre eles tinha-se mantido de tal forma que o corpo de oficiais tinha conseguido impedir os soldados de se mostrarem no pátio da cidadela contando com os motociclistas, o comandante da fortaleza levanta alto a cabeça, comunica frequentemente por telefone com o Estado-maior de Kerensky e, ao que parece, estava disposto a prender o comissário bolchevique. A situação indecisa não pode ser tolerada nem mais um minuto! Sob ordem de Smolny, Blagonravov veio cortar o caminho ao adversário: o comandante da fortaleza foi preso em casa, as comunicações telefónicas foram cortadas em todos as casas dos oficiais. O Estado-maior governamental perguntou num tom alarmado porque o comandante não responde e o que se passa em geral na fortaleza, doravante, só executa as ordens do Comité militar revolucionário, com o qual o governo terá que se manter em relação a seguir.

Todos os efectivos da guarnição da fortaleza admitem a prisão do comandante com inteira satisfação. Mas os motociclistas tem uma atitude evasiva. Que se esconde por detrás do seu silencio impertinente: uma hostilidade dissimulada ou a última das hesitações? "Nós decidimos organizar um comício especial para os motociclistas - escreveu Blagonravov - e de convidar os nossos melhores agitadores, em primeiro lugar Trotsky, que goza de uma imensa autoridade e influencia entre a massa dos soldados. " Cerca das quatro da tarde, todo o batalhão se reuniu nas instalações vizinhas do Circo Moderno. A título de defensor, da parte do governo, falou o general Parodelov, que era considerado como um socialista-revolucionário. As suas objecções eram de tal forma circunspectas que elas pareciam equívocos. Tanto mais intolerável era a ofensiva dos representantes do Comité. O que se seguiu, como batalha oratória, para a conquista da fortaleza Pedro-e-Paulo, se terminou assim que era preciso prever: unanimemente menos trinta votos, o batalhão aprovou a resolução de Trotsky. Ainda um dos conflitos armados possíveis foi resolvido antes da batalha e sem derrame de sangue. Tal foi a insurreição de Outubro. Tal foi o seu estilo. Podia-se doravante contar com a fortaleza tranquilamente. Armas do arsenal eram entregues sem dificuldade. Em Smolny, na sala dos Comités de fábrica e oficina, os delegados faziam bicha: agora, pela primeira vez, faziam-na para ter espingardas. De todos os distritos vieram por camião. "Não se podia reconhecer a fortaleza Pedro-e-Paulo - escreveu o operário Skorinko." Seu famoso silêncio foi rompido pelo ruído dos automóveis, pelo ranger dos carros, pela gritaria. Diante dos depósitos havia empurrões ... Aqui mesmo, diante de nós, trouxeram os primeiros prisioneiros - oficiais e junkers. " Nesse dia, o 180º regimento de infantaria recebeu espingardas, tinha sido desarmado por ter participado activamente no levantamento de Julho.

Os resultados do comício no Circo Moderno se manifestaram aliás ainda: os motociclistas que, desde Julho, foram promovidos no palácio de Inverno, abandonaram por sua própria vontade o serviço, declarando que eles não consentiam mais em proteger o governo. Foi um golpe sério. Foi preciso substituir  os motociclistas pelos junkers. O apoio militar do governo reduzia-se cada vez mais às escolas de oficiais, e assim não somente ele era limitado ao último grau, mas revelava definitivamente a sua composição social.

Os operários dos apontamentos de Potilov, e não somente eles, pediam a Smolny para que se desarme os junkers. Se esta medida, convenientemente preparada, de acordo com as equipas não combatentes das escolas, tinha sido aplicada na noite de 24 para o 25, a tomada do palácio de Inverno não teria apresentado nenhuma dificuldade. Se os junkers tivessem sido desarmados, mesmo na noite de 25 para 26, após a tomada do palácio de Inverno, não haveria tentativa  de contra-revolução no 29 de Novembro. Mas os dirigentes manifestavam em muitos aspectos "magnanimidade", na realidade um excesso de optimismo, e não prestavam sempre bastante atenção à voz razoável da base: a ausência de Lénine também foi sensível a esse ponto. As consequências das omissões cometidas tiveram que ser corrigidas pelas massas, houve vítimas inutilmente dos dois lados. Numa luta séria, não pior crueldade que uma "magnanimidade" inoportuna.

Na sessão do dia do pré-parlamento, Kerensky pronunciou o seu canto de cisne. Já algum tempo, a população da Rússia, particularmente da capital, foi alarmada: "apelos à insurreição são diariamente publicados nos jornais bolcheviques". O orador citava artigos de um criminoso rebelde procurado pelas autoridades do Estado, de um certo Vladimir Oulianov-Lénine. As citações eram estrondosas e demonstravam sem contestação que a personagem designada apelava à insurreição. E a qual momento? Enquanto que o governo discutia a questão da transmissão das terras aos comités camponeses e de tomar medidas para terminar a guerra. As autoridades, até a esse dia, não se tinham apresentado para bater nos conspiradores para lhes dar a possibilidade de se corrigirem eles próprios. "Eis que é mau", gritam do clã dirigido por Miliokov. Mas Kerensky não ficou desorientado: "Prefiro em geral que o poder aja mais lentamente mas em contrapartida mais seguramente, e, no momento útil, mais resolutamente." Tais palavras tem um som estranho na sua boca! De qualquer modo, "actualmente, todos os prazos estão ultrapassados", não somente os bolcheviques  não se arrependeram, mas chamaram  duas companhias de soldados e entregaram-se arbitrariamente a distribuir  armas  e munições. O governo tem a intenção, desta vez, de acabar com as desordens da população. "Falo de uma maneira  consciente: digo a população. " Da direita uma tempestade de aplausos acolhe esta injuria dirigida ao povo. Ele, Kerensky, já deu ordem de proceder às prisões indispensáveis. " É particularmente necessário notar os discursos pronunciados pelo presidente do Soviete de Petrogrado, Bronstein-Trotsky." Sim, que se saiba: o governo tem mais forças do que necessita; da frente reclamam constantemente medidas firmes contra os bolcheviques.

Nesse momento, Konovalov transmite ao orador um telefonema ao Comité militar revolucionário, dirigido aos efectivos da guarnição: "Kerensky concluiu solenemente: "Na linguagem da lei e do poder judiciário, isso chama-se um Estado de insurreição." Miliukov é testemunha: "Kerensky pronunciou essas palavras do tom satisfeito de um advogado que consegui enfim a surpreender seu adversário." Os grupos e os partidos que ousaram levantar a mão sobre o Estado" estão sujeitos a uma liquidação imediata, resoluta e definitiva". Toda a sala, com a excepção da esquerda, aplaudiu demonstrativamente. O discurso terminou por uma exigência: hoje, nesta mesma sessão que se diga se o governo "pode cumprir o seu dever com a certeza de ser apoiado por esta alta assembleia."

Sem esperar os resultados do escrutínio, Kerensky regressou ao Estado-maior, certo, admite ele próprio que antes de uma hora ele recebia a decisão reclamada por ele - não se sabe bem porque. Portanto, passou-se de outro modo. De 2 a 6 horas da noite, houve no palácio Maria conferências de fracções e entre fracções para elaborar formulas de transição: os partidários pareciam não compreender que se tratava para eles, como transição, de passar para o nada. Nenhum dos grupos de conciliadores não se decidia a se identificar ao governo. Dan dizia: "Nós, mencheviques, estamos prontos a defender até à última gota do nosso sangue o governo provisório; mas que este dê à democracia a possibilidade de se agrupar à volta dele." Cerca da noite, as fracções de esquerda, tendo-se extenuado na procura de uma saída, fusionaram sobre uma formula tomada por Dan a Martov, adiando a responsabilidade da insurreição não somente sobre os bolcheviques, mas também sobre o governo, exigindo a "disponibilidade imediata das terras para os Comités agrários, reclamando uma acção em relação aos Aliados a favor de conversações de paz, etc. Foi assim que os apóstolos da mediocridade se esforçavam, no último minuto, de se acomodar às palavras de ordem que eles tinham, ainda na véspera, injuriar como da demagogia aventureira. Um apoio sem reservas foi prometido ao governo pelos cooperantes, e, além disso, somente pelos cadetes e os cossacos, dois grupos que se dispunham a derrubar Kerensky logo na primeira oportunidade. Mas ficaram em minoria. O apoio do pré-parlamento não teria de forma nenhuma podido juntar às vantagens do governo. Mas Miliokov tem razão: a recusa e apoiar retirava  ao governo os últimos restos de autoridade. Porque, enfim, a composição, do pré-parlamento tinha determinado pelo próprio governo algumas semanas antes.

Enquanto que, no palácio Maria, procurava-se uma fórmula de salvação, o Soviete de Petrogrado parecia-se a Smolny para se informar dos acontecimentos. O relator considera indispensável lembrar, ainda aqui, que o Comité militar revolucionário formou-se, não como órgão de insurreição, mas no campo da defesa da Revolução". O comité não permite a Kerensky fazer sair de Petrogrado as tropas revolucionárias e tomou  a defesa da imprensa operárias. "Isso é uma insurreição? O Aurora está lá onde ela se encontrava na noite passada." É uma insurreição?" "Nós temos um meio poder no qual o próprio povo não acredita e que não acredita ele próprio, porque ele é morto por dentro. Esse meio poder espera uma vassourada histórica para preparar o lugar do autêntico poder do povo revolucionário". Amanhã abrirá o Congresso dos Sovietes. A obrigação da guarnição e dos operários é meter à disposição do Congresso todas as suas forças. " Esta ameaça declarada ao mesmo tempo  a camuflagem política do golpe que devia ser dado durante a noite. Trotsky comunica em conclusão que a fracção dos socialistas-revolucionários de esquerda do pré-parlamento após o discurso pronunciado hoje por Kerensky e a perturbação dos ratos das fracções conciliadoras, enviou a Smolny uma delegação e declarou-se pronta a entrar oficialmente no Comité militar revolucionário. Na reviravolta  dos socialistas-revolucionários de esquerda, o Soviete saudou alegremente o reflexo de processos mais profundos: a amplitude crescente da guerra camponesa e o avanço do levantamento de Petrogrado.

Como as relações do presidente do Soviete de Petrogrado, Miliokov escreveu: "Provavelmente, tal era o plano primeiro de Trotsky: tendo-se preparado para a luta, meter o governo face "à vontade unanime do povo", exprimida no Congresso dos sovietes, e dar, de tal maneira, ao novo poder um ar de legitimidade. Mas o governo encontrou-se mais fraco do que ele previa. E o próprio poder caiu nas suas mãos antes que o Congresso tivesse tempo de se reunir e de se pronunciar". Nesses termos é justo que a fraqueza do governo ultrapassasse todas as previsões. Mas o plano, desde do início, consistia a tomar o poder antes da abertura do Congresso. Miliokov, como ele próprio reconheceu isso a propósito de outra coisa. "As intenções efectivas dos dirigentes da insurreição - escreve ele - iam muito mais longe que essas declarações oficiais de Trotsky. O Congresso devia ser colocado diante do facto consumado.

Do ponto de vista estritamente militar, o plano consistia primitivamente assegurar a ligação dos marinheiros do Báltico com os operário armados de Vyborg: os marinheiros deviam chegar pelo caminho de ferro e descer na gare de Finlândia; esta está próxima do bairro de Vyborg. Já, desta praça de armas, a insurreição devia, juntando os destacamentos da Guarda vermelha e dos efectivos da guarnição, estender-se a outros distritos e, apoderando-se das pontes, penetrar no centro para dar o golpe definitivo. Esse ensejo, que provinha  naturalmente das circunstancias e que formulou, inverosimilmente Antonov, procedia da hipótese que o adversário poderia ainda opor uma resistência considerável. É precisamente esta premissa que foi rejeitada: não havia necessidade de se apoiar sobre uma praça de armas limitada: o governo encontrava-se nu para o ataque em toda a parte onde os insurrectos julgassem útil de o atacar. O plano estratégico sofreu modificações igualmente do ponto de vista das datas, e em dois sentidos diferentes: a insurreição começou mais cedo e se terminou mais tarde do que tinha sido fixado. Os atentados matinais do governo provocaram, a título de defensiva, uma resistência imediata do Comité militar revolucionário. A impotência dos poderes que se manifestou nesse caso levou Smolny, no decorrer do dia, a actos de ofensiva que conservavam, na verdade, um carácter inconstante, meio camuflado, preparatório. O golpe principal, como antes, foi preparado durante a noite: nesse relatório, o plano continuava em vigor.  A execução foi, no entanto, contrariada, mas já no sentido oposto. Pensava-se ocupar durante a noite todas as posições dominantes, e, antes de mais, o palácio  de Inverno onde se concentrava o poder central. Mas o cálculo do tempo, numa insurreição, é ainda mais difícil que numa guerra regular. Os dirigentes atrasaram-se por várias horas na concentração das forças, e as operações contra o palácio de Inverno, que nem mesmo tinha sido conseguido iniciar-se durante a noite, constituíram um capítulo particular da insurreição, que se terminou na noite do 26, isto é, com um atraso de 24 horas. As mais estrondosas vitórias não foram ganhas sem algumas falhas sérias!

Após as declarações de Kerensky no pré-parlamento as autoridades tentaram alargar a sua ofensiva. Destacamentos de junkers ocupam as gares. Nas esquinas das grandes artérias onde os piquetes tem ordem de requisitar os automóveis particulares não entregues ao Estado-maior. Cerca de 3 horas da tarde, as pontes giratórias são cortadas, salvo a ponte do palácio que continuava aberta à circulação sob guarda reforçada de junkers. Esta medida, que tinha sido aplicada pela monarquia em todos os momentos de insegurança e, pela última vez, durante as Jornadas de Fevereiro, era ditada pela apreensão que inspiravam os bairros operários. O levantamento dos tabuleiros das pontes, era aos olhos do povo, uma confirmação oficial do facto que a insurreição tinha começado. Os estados maiores dos interessados responderam à operação de guerra do governo de uma maneira que lhes era própria, enviando para as pontes destacamentos armados. Smolny só tinha a desenvolver esta iniciativa. A luta pela possessão das pontes tinha o carácter de uma prova de força dos dois lados. Os destacamentos de operários armados  e de soldados pressionavam os junkers e os cossacos, usando tanto a persuasão, ou as ameaças. Os guardiões da ordem acabavam por ceder, não ousando arriscar um conflito directo. Algumas pontes foram cortadas e restabelecidas várias vezes.

O Aurora recebeu directamente uma ordem do Comité militares revolucionário: "Restabeleçam  por todos os meios que disponham a circulação sobre a ponte Nicolas." O comandante do cruzador tentou ignorar esta ordem, mas após uma prisão simbólica atingindo ele e todos os oficiais, ele conduziu calmamente o vaso. Nas duas margens caminhavam filas de marinheiros. O Aurora não tinha tido tempo de lançar a ancora diante da ponte, conta Korbov que já não havia sombra de junkers. Os próprios marinheiros estabeleceram a passagem sobre a ponte e colocaram um só guarda, a ponte do palácio ficou ainda algumas horas entre as mãos dos corpos da guarda governamental

Apesar o evidente fiasco das primeiras tentativas, alguns órgãos do poder tentaram a seguir alguma acção. Um destacamento de milicianos apresentou-se à noite numa tipografia privada para proibir a publicação de um jornal de Petrogrado, O operário e soldado. Doze hora antes, operários da tipografia bolchevique tinham corrido num caso parecido, pedir ajuda a Smolny. Agora, isso já não era necessário. Os operários tipógrafos, com dois marinheiros que se encontravam lá, entregaram imediatamente o automóvel cheio de jornais; a eles se juntavam logo um certo número de milicianos; o inspector da milícia fugiu. O Comité militar revolucionário enviou para proteger as edições dois grupos do regimento Preobranjensky. A administração, assustada, transmitiu logo no momento a direcção da tipografia ao Soviete dos sindicatos operários.

As autoridades judiciárias nem pensaram em entrar em Smolny para efectuar prisões: era ainda muito claro fosse o sinal da guerra civil com a derrota garantida antecipadamente do governo. Em contrapartida, num espasmo administrativo, foi feita uma tentativa  no bairro de Vyborg onde as autoridades, mesmo nos melhores dias, evitavam aí procurar Lénine. Um coronel, com uma dezena de junkers, penetrou, tarde na noite, por erro, num clube operário, em vez de ir à redacção bolchevique que se encontrava no mesmo prédio: esses guerreiros supunham, não se sabe porque, que Lénine os esperava na redacção. Do clube avisaram imediatamente o Estado-maior da Guarda vermelha. Enquanto que o coronel se perdia nos diversos andares, caindo mesmo nos mencheviques, os guardas vermelhos chegaram a tempo para prender os junkers, que eles entregaram ao Estado-maior do distrito de Vyborg e, daí, para a fortaleza  Pedro e Paulo. Foi assim que a marcha ruidosamente anunciada contra os bolcheviques, deparando-se a cada passo a dificuldades intransponíveis, se transformava em incursões desordenadas e em pequenos factos anedóticos, se volatilizavam e se reduzia-se a nada.

O Comité militar revolucionário trabalhava entretanto em permanência. Junto dos contigentes, comissões continuavam em serviço. A população conhece pelos avisos especiais dos lugares onde se deve dirigir em caso de atentados contra-revolucionários e de progroms: "O socorro será dado imediatamente." Basta uma visita imponente do comissário do regimento Kekshholmsky à central telefónica para que as comunicações de Smolny fossem restabelecidas. A ligação por telefone, a mais rápida de todas, dava às operações que se desenvolviam a segurança e uma regularidade metodológica.

Continuando a inserir comissários nas instituições que ainda não tinham caído sob o seu controlo, o Comité militar revolucionário alargava e consolidava as posições de partida para a próxima ofensiva. Dzerjinsky remeteu no dia a Pestkovsky, velho revolucionário, um pedaço de papel que devia ter lugar como nomeação enquanto comissário da central dos telégrafos?" perguntou estupefacto o novo comissário. A central está guardada pelo regimento Keksholmsky que é dos nossos! "Pestkovsky não tinha nenhuma necessidade de grandes explicações. Basta que dois soldados do regimento, de espingarda nas mãos, junto de um comutador, para obter um compromisso provisório com os funcionários hostis do telégrafo entre os quais não havia um só bolchevique.

Às nove da noite, outro comissário do Comité militar revolucionário, Stark, com um pequeno destacamento de marinheiros, sob o comando do antigo emigrado Savine, também ele marinheiro, ocupa a agencia telegráfica governamental e, assim, pré determina não somente a sorte desta instituição, mas, em certa medida também, a sua própria: Stark foi o primeiro director da agencia antes de se ver como ministro dos sovietes em Afeganistão.

Essas duas modestas operações eram ataques insurreccionais ou então somente episódios da dualidade de poderes, na verdade desviadas dos caminhos da conciliação para passar para os do bolchevismo? A questão pode ser , não sem razão, ser casuísta. Mas, para mascarar a insurreição, ela guardava mesmo assim ainda a sua importância. O facto é que mesmo a invasão do local da agencia para os marinheiros armados havia ainda um carácter hesitante: formalmente, tratava-se não de se apoderar da instituição, mas de estabelecer uma censura sobre os telegramas. Foi assim que, até à noite do 24, o cordão umbilical da "legalidade" não estando ainda definitivamente cortada, o movimento continuava a se dissimular sob os restes da tradição da dualidade de poderes.

Na elaboração dos planos insurreccionais, Smolny colocava grandes esperanças sobre os marinheiros do mar Báltico, como destacamento de combate que combinavam a resolução proletária com uma forte instrução militar. A vinda dos marinheiros a Petrogrado tinha sido prevista para o Congresso dos sovietes. Chamar os homens do Báltico mais cedo, era comprometer-se abertamente na via da insurreição. Daí provinha um impedimento que se traduzia por um atraso.

Em Smolny, na jornada do 24, chegaram delegados do soviete de Cronstadt ao Congresso: o bolchevique Flerovsky e o anarquista Iartchuk que acompanhava os bolcheviques. Numa das salas de Smolny, eles encontraram-se com Tchudnovsky que acabava de regressar da frente e que, alegando o estado de espírito dos soldados, colocava objecções a um levantamento no próximo período. "Em plena discussão - conta Flerovsky - Trotsky entrou na sala ... Falando-me à parte, convidou-me a regressar imediatamente a Cronstadt: " Os acontecimentos amadureciam tão depressa que cada um deve estar no seu posto ... " Nessa instrução breve, eu senti logo a disciplina da insurreição que aí vinha. A discussão parou. " O impressionante e ardente Tchudnovsky diferiu as suas dúvidas para tomar parte à elaboração dos planos de guerra. Flerovsky e Iartchuk receberam um telegrama: "As forças armadas de Cronstadt devem marchar pela madrugada para defender o Congresso dos sovietes."

Por intermédio de Sverdlov, o Comité militar revolucionário enviou, pela noite, a Helsingfors, um telegrama para Smilga, presidente do Comité regional dos sovietes: "Envia estatutos." Isso significava: "Envia imediatamente mil quinhentos marinheiros seleccionados do Báltico, bem armados". Mesmo se os marinheiros do Báltico não podessem chegar senão no decorrer do dia depois, não havia razão para remeter para mais tarde as hostilidades: as forças interiores são suficientes, e não há possibilidade: as operações já começaram. Se, da frente, reforços chegam para o governo, os marinheiros chegarão bastante cedo para os bater, seja sobre o flanco, seja pela retaguarda.

A elaboração táctica do esquema da tomada de posse da capital foi principalmente obra da organização militar dos bolcheviques. Oficiais do Grande Estado Maior teriam descoberto um plano estabelecido por profanos. Mas os oficiais das altas academias de guerra não participam habitualmente à preparação de uma insurreição proletária. O mais indispensável tinha sido, de qualquer modo, previsto. A cidade está dividida em bairros de combate, subordinada aos Estados-maiores mais próximos. Nos pontos mais importantes estão concentradas as companhias da Guarda vermelha, ligadas aos contingentes armados vizinhos, onde estão em alerta, prontas, todas as companhias de serviço. Os objectivos de cada operação particular e os contingentes afectados são fixados previamente. Todos os participantes da insurreição de alto a baixo - aí está a sua potência, mas aí também, por momentos, o seu calcanhar de Aquiles - são convencidos que a vitória será adquirida sem vítimas.

As principais operações começaram cerca de duas horas da manhã. Por pequenos grupos militares, habitualmente com um núcleo de operários armados ou de marinheiros, sob a direcção de comissários, ocupam simultaneamente ou consecutivamente as gares, a central eléctrica, os arsenais e os armazéns de abastecimento, o serviço das águas, a ponte do Palácio, a central dos telefones, o banco do Estado, as grandes tipografias, e asseguram-se dos correios e telégrafos. Em todo o lado, é colocado uma guarda segura.

Os relatos no que diz respeito aos episódios da noite são magros e sem cor: eles parecem processos verbais da polícia. Todos os participante são toados por uma febre nervosa. Ninguém tem tempo de observar e de registar. As informações que chegam aos Estados-maiores não são de forma alguma consignadas em papel, ou então são redigidas distraídamente, e os papeis perdem-se. As lembranças imprimidas mais tarde são secos e nem sempre exacta, dão que provem, na maior parte, de testemunhos de ocasião. Os operários, marinheiros e soldados, que eram os inspiradores efectivos e dirigentes das operações, tomaram logo a cabeça dos primeiros destacamentos do Exército vermelho e, em maioria caíram nos diferentes campos de batalha da guerra civil. Para determinar o carácter e a ordem dos diversos episódios, o historiador enfrenta  uma grande confusão acentuada ainda pelos relatórios dos jornais. Por vezes parece que foi mais fácil apoderar-se de Petrogrado durante o outono de 1917que de repetir o mesmo golpe quinze anos mais tarde!

A primeira companhia, a mais sólida  e a mais revolucionária do batalhão de sapadores, foi encarregada de apoderar-se da gare vizinha, a gare Nicolas. Um quarto de hora depois, o lugar foi ocupado sem dar um tiro pelos destacamentos fortes: as forças governamentais desapareceram nas trevas. Há muitos rumores duvidosos e movimentos misteriosos, na noite fria e penetrante. Dominante uma ansiedade profunda, os soldados, conscientemente, parando os peões e as pessoas que passavam em carro, verificando com cuidado os papeis. Eles não sabem ainda como agir, hesitam, muitas vezes libertam gente. Mas a cada hora, eles sentem-se mais seguros. Cerca das seis horas da manhã, os sapadores param dois camiões carregados de junkers, cerca de sessenta homens, desarmam-nos e enviam-os para Smolny.

O mesmo batalhão recebe a ordem de enviar cinquenta homens para montar a guarda nos depósitos de abastecimento e vinte e um  homens para guardar a central eléctrica. Os destacamentos vem uns após outros, de Smolny, do distrito. Ninguém se objecta nem murmura. Segundo o relatório dum comissário, as ordens são executadas "imediatamente e exactamente". As deslocações dos soldados tornam-se nítidos como nunca foram desde há muito tempo. Mesmo se perturbada e desorganizada que tivesse sido a guarnição, boa para enviar para o lixo, nessa noite, a velha disciplina militar revelou-se e, pela última vez, estende cada músculo ao serviço de um novo objectivo.

O comissário Oralov recebeu dois mandatos: um para ocupar a tipografia do jornal reaccionário Russkaia Voli (A Liberdade russa), fundado por Protopopov pouco antes de se tornar ministro do Interior de Nicolau II; o outro para obter um contingente de soldados do regimento da Guarda Semenovsky que o governo, segundo velhas lembranças, continuava a considerar como seus. Os soldados do regimento Semenovsk eram indispensáveis para a ocupação da tipografia: a tipografia, tinham necessidade para a publicação do jornal bolchevista em grande formato e com grandes tiragens. Os soldados faziam já seus preparativos para se deitarem. O comissário expôs-lhes brevemente o objectivo da missão: "Nem tive tempo de acabar que os urras ouviam-se por todo o lado. Os soldados ergueram-se e rodearam-me de perto." Um camião sobrecarregado de homens do regimento Semenovsky chegou à tipografia. Na sala das rotativas juntou-se a equipa da noite. O comissário expôs porque ele tinha vindo. "Aqui ainda, como na caserna, os operários responderam com urras e gritos de: "Vivam os sovietes!" A tarefa foi cumprida. Foi pouco mais ou menos assim  que outras ocupações tiveram lugar em outros estabelecimentos. Não foi preciso utilizar a violência, porque não havia resistência. As massas insurrectas empurravam e rejeitavam para fora os donos da cidade.

O comandante da região militar comunicou, durante a noite ao Grande Quartel General e ao Estado-maior da frente Norte: "A situação de Petrogrado é espantosa. Não há manifestações nem desordens nas ruas. Mas apoderam-se metodicamente dos estabelecimentos, das gares, há gente presa ... Os junkers abandonam seus postos sem resistência ... Nada não garante que não haja uma tentativa para lançar mão sobre o governo provisório. "Polkovnikov tem razão: não há efectivamente nenhuma garantia.

Nas esferas militares, pretende-se que os agentes do Comité militar revolucionário teriam roubado ao comando de Petrogrado, sobre a sua mesa, as "palavras" e as  respostas dos sentinelas da guarnição. Não haveria  nada de inverosímil nisso: entre o pessoal de todas as instituições, a insurreição tinha amigos suficientemente. Todavia, a versão respeitante o roubo de "palavras" de consigna foi criada verosimilmente para explicar a passividade demasiado vergonhosa com a qual os postos da guarda bolchevista se apoderavam da cidade

Na guarnição foi distribuída, de Smolny, no decorrer da noite, uma ordem: os oficiais que não reconhecessem o poder do Comité militar revolucionário serão presos. Muitos chefes tinham já conseguido desaparecer de numerosos regimentos para esperar em lugar seguro o fim  desses  dias inquietantes. Noutros contingentes, os oficiais fora expulsos ou feitos prisioneiros. Em todo o lado formaram-se comités revolucionários ou Estados-maiores que agiam em completo acordo com os comissários. Que o comando improvisado não tenha estado completamente à altura da sua tarefa, é claro. Mas, em contrapartida, era seguro. E a questão decidiu-se antes de mais sobre o plano político.

Todavia, apesar de toda a sua inexperiência, os Estados-maiores de diversos efectivos manifestavam uma iniciativa considerável. O comité do regimento Pavlovsky enviou da sua parte batedores ao Estado-maior da região para saber o que se passava aí. O "batalhão químico" de reserva seguia atentivamente os seus vizinhos turbulentos: os junkers das escolas Pavlovsky e Vladimirovsky e os alunos do corpo dos Cadetes. Os químicos muitas vezes desarmavam na rua os junkers, e, assim, impunha-se lhes. Tendo-se ligado ao contingente dos soldados da escola Pavlovsky, o Estado-maior do batalhão dos químicos consegui que os chefes do armamento se encontrassem nas mãos desse contingente.

A quantidade das forças que participaram directamente na tomada da capital na noite é difícil de determinar: não somente porque ninguém não as conta e não as inscreveu, mas porque causa do carácter das próprias operações. As reservas de 2ª e de 3ª linha confundiam quase toda a guarnição. Mas não se podia recorrer aos reservistas senão episodicamente. Vários milhares de guardas vermelhos, dois a três milhares de marinheiros - no dia seguinte, com a chegada dos homens de Cronstadt e de Helsingfors, seu número será pouco mais ou menos triplicado - uma vintena de companhias e de destacamentos de infantaria, cedeu forças de 1ª e de 2ª linha, com a ajuda dos quais os insurrectos ocuparam a capital.

Às 3 h 20 da manhã, o director do departamento político do ministério da Guerra, o menchevique Scherr, transmitia por telefone directamente do Cáucaso: "Há sessão do Comité executivo dos sovietes e com uma esmagadora maioria de bolcheviques. Ovacionaram Trotsky. Ele declarou que esperava uma saída sem sangue da insurreição, dado que a força estava nas suas mãos. Os bolcheviques chegaram directamente à acção directa. Eles capturaram a ponte Nicolas, e aí colocaram carros blindados. O regimento Pavlovsky, na rua Millionnaia, perto do palácio de Inverno, colocou piquetes de sentinelas, barreiras, procede a prisões, envia pessoas presas a Smolny. Prenderam o ministro Kartachev e o secretário geral do governo provisório Halperine. A gare do Báltico está igualmente nas mãos dos bolcheviques. Se não há intervenção da frente, o governo não terá força para resistir com as tropas que dispõe."

A sessão unificada do Comité executivo que fala o comunicado do tenente Scherr abriu-se em Smolny depois da meia-noite. Os delegados do Congresso enchem a sala como convidados. Os corredores estavam ocupados por postos da guarda reforçados. Capotes cinzentos, espingardas, metralhadoras nas janelas. Os membros dos Comités executivos foram afogados numa massa de provinciais, com numerosas caras hostis. O órgão supremo da "democracia" parecia já prisioneiro da insurreição. Na tribuna, não se via a figura habitual do presidente Tchkheidze. O inevitável relator Tseretelli estava ausente. Um e outro, assustados pela desenrolar dos acontecimentos, tinham entregue, algumas semanas antes da batalha, os postos que eles eram os responsáveis e, faziam um gesto de desistência sobre Petrogrado, tinham partido para a sua Geórgia natal. Como líder do bloco conciliador ficara Dan. Ele não tinha a bonomia maliciosa de Tchkheidze; em contrapartida, ele ultrapassava todos os dois par uma miopia obstinada. Sozinho, no gabinete presidencial, o socialista-revolucionário Gotz abriu a sessão. Dan tomou a palavra num grande silencio que pareceu a Sokhanov  atónito, mas a John Reed "quase ameaçador." O argumento do relator era a recente resolução do pré-parlamento, que se esforçava em opor à insurreição o fraco eco das suas próprias palavras de ordem. "Será demasiado tarde se vocês não tomarem em consideração desta decisão, " dizia Dan, agitando a ameaça da inevitável fome e da desmoralização das massas. "Nunca a contraRevolução tinha sido tão forte que no momento presente", isto é na noite do 24 para o 25 de Outubro 1917! O pequeno burguês, assustado frente aos grandes acontecimentos, só se dá conta dos perigos e obstáculos. Seu único recurso é a linguagem patética do medo. "Nas fábricas  e nos quartéis, a imprensa dos Cem Negros a muito mais sucesso que a dos socialistas." Loucos levam avante a Revolução à sua perca , como em 1905," quando à cabeça do Soviete de Petrogrado, se  encontrava o mesmo Trotsky". Mas não. O Comité executivo central não tolerará que se vá até à insurreição: "É somente sobre o seu cadáver que se cruzarão as baionetas das partes beligerantes."  Soam gritos: "Mas é já um cadáver!" A justeza desta exclamação é ressentida em todo o auditório: sobre o cadáver dos conciliadores se cruzavam já as baionetas da burguesia e do proletariado. A voz do relator cai num barulho tumultuoso de vozes hostis. Os golpes dados sobre as mesas não agem, as exortações não toca ninguém, as ameaças não assustam nada. Demasiado tarde, demasiado tarde...

Sim, é a insurreição! Respondem em nome do Comité militar revolucionário, do partido bolchevique, dos operários e soldados de Petrogrado. Trotsky rejeita, enfim, as últimas formulas convencionais. Sim, as massas estão connosco e nós dirigimos o assalto! "Sem vocês não tremem - diz ele aos delegados do Congresso, passando por cima da cabeça do Comité executivo central - não haverá guerra civil, os inimigos capitularão imediatamente, e vocês ocuparão o lugar ao qual tem direito, a dos mestres da terra russa." Abalados, os membros o Comité executivo central nem tiveram força para protestar. Até ao presente a fraseologia defensiva de Smolny mantinha neles, apesar de todos os factos, uma pequena chama vacilante de esperança. E agora, esse fogo apagou-se. Nessas horas da noite sombria, a insurreição levanta muito alto a cabeça.

A sessão, rica em incidentes,  terminou cerca das quatro horas da manhã. Oradores bolchevistas subiam à tribuna para logo voltar ao Comité militar revolucionário, onde chegavam, de todos os pontos da cidade, informações inteiramente favoráveis: os posto de guarda nas ruas estão vigilantes; as instituições são ocupada uma após outra; o adversário não oferece resistência.

Tinha-se  suposto que a central telefónica estava fortificada muito seriamente. Mas, cerca das sete horas da manhã, foi ocupada sem um tiro por uma equipa do regimento Keksholmsky. Os insurrectos, desde então, não tinham razão para se preocuparem de sua ligação entre eles, mas além disso obtinham a possibilidade de controlar as chamadas telefónicas dos adversários. Os aparelhos de comunicação do palácio de Inverno e do grande Estado-maior foram aliás interrompidas.

Quase ao mesmo tempo, um destacamento de marinheiros das tripulações da Guarda, cerca de quarenta homens, apoderavam-se dos escritórios do Banco do Estado, no canal Catarina. Um dos empregados do Banco, Raltsevitch, diz nas suas Memórias que "o destacamento de marinheiros agiu impetuosamente", em colocando logo sentinelas nos postos telefónicos para  impedir todo socorro possível do exterior. A tomada do estabelecimento teve lugares "sem qualquer resistência, apesar a presença de uma patrulha do regimento Semenovsky." Atribuía-se, em certos casos, à tomada do Banco um sentido simbólico. Os quadros do partido tinham-se educado sobre a crítica marxista da Comuna de Paris de 1871, cujos dirigentes  não tinham ousado, como se sabe, levantar a mão sobre a Banca de França. "Não, nós não repetiremos tal erro", diziam muitos bolcheviques, muito antes do 25 de Outubro. A notícia da tomada do mais sagrado estabelecimento do Estado burguesia voou imediatamente pelos distritos, suscitando uma efervescência triunfal.

Muito cedo na manhã, ocupou-se a gare de Varsóvia, a tipografia dos Birjevye Vedomosti (Informações da Bolsa), a ponte do Palácio, sob as janelas de Kerensky. O comissário do Comité apresentou aos soldados do regimento de Volhynia, que estava de guarda, a ordem de libertar um certo número de detidos, segundo uma lista estabelecida pelo Soviete. Foi em vão que a administração penitenciária tentou obter instruções do ministro da Justiça: este tinha outras coisas para fazer. Os bolcheviques libertos, desse número o jovem líder de Cronstadt, Rochal, foram imediatamente, designados para postos de combate.

Na manhã, levara para Smolny um grupo de junkers presos pelos sapadores na gare Nicolas; esses junkers tinham partido de camião do palácio de Inverno para abastecimento. Podvoisky conta o seguinte: "Trotsky declarou-lhes que eles seriam libertados sob condição de prometerem que não agiriam mais contra o poder soviético; além disso, eles podiam voltar às suas ocupações escolares. Esses moços, que esperavam represálias sangrentas, ficaram estupefactos." Em que medida um alargamento imediato era justo, isso continua a ser duvidoso. A vitória ainda não tinha sido obtida até ao fim, os junkers constituiriam a força principal do adversário. Além disso, por causa das hesitações que existiam nas escolas militares, era importante mostrar de facto que uma rendição a favor dos vencedores não anunciava para os junkers qualquer castigo. Os motivos, num ou outro sentido, pareciam equilibrar-se.

Do ministério da Guerra, ainda não ocupado pelos insurrectos, o general Levitsky comunicava, pela manhã, por telefone, ao Grande Quartel-general, ao general Dukhonie: "Elementos da guarnição de Petrogrado ... Passarem para o lado dos bolchevistas. De Cronstadt chegaram marinheiros e um cruzador ligeiro. As pontes que tinham sido cortadas foram restabelecias por eles. Toda a cidade está coberta de postos da guarda da guarnição, mas não há nenhuma manifestação (!) . A central telefónica está entre as mãos da guarnição. Os contigentes que se encontram no palácio de Inverno só o guardam pela forma, porque eles decidiram não agir praticamente. No conjunto, a impressão é que o governo provisório se encontra na capital de um estado inimigo, tendo acabado a mobilização mas não abriu as hostilidades." Precioso testemunho militar e político! O general, na verdade, antecipa sobre os acontecimentos quando ele diz que, de Cronstadt, marinheiros chegaram: eles só chegaram algumas horas. A passagem da ponte foi efectivamente restabelecido pelo cruzador Aurora. Ingénuo é o fim do relatório que exprime a esperança que os bolcheviques "tendo há já muito tempo, de facto, a possibilidade de acabar com todos nós ... Não ousaram romper com a opinião do exército da frente". Ilusões sobre a frente, era tudo o que restava aos generais democratas da retaguarda. Em contrapartida, a imagem do governo provisório se encontrava "na capital de um Estado inimigo" entrará para sempre na história como a melhor explicação da insurreição de Outubro.

Em Smolny reúnem-se permanentemente. Agitadores, organizadores, dirigentes de fábrica, de regimento, de distrito, se mostravam por uma hora ou duas, por vezes para alguns minutos, com o objectivo de saber notícias, verificar a sua própria acção e de voltar aos seus postos. Diante da sala n.º 18, onde se mantinha a fracção bolchevique do soviete, havia um ajuntamente indescritível. Os visitantes, extenuados, dormiam frequentemente na sala das sessões, apoiando a cabeça pesada contra uma coluna branca, ou então contra a parede do corredor, a espingarda apertada entre os braços, por vezes deitados no pavimento molhado e sujo. Lachevitch recebia os comissários militares e dava-lhes as últimas instruções. Nas instalações do Comité militar revolucionário, no terceiro andar, os relatórios que vinham de todos os lados se transformavam em decisões: aí batia o coração da insurreição.

Os centros dos distritos reproduziam o quadro de Smolny, somente a uma escala reduzida. No distrito de Vyborg, frente ao Estado-maior da Guarda vermelha, na perspectiva Sampsonievsky, forma-se um campo: a calçada ficou sobrecarregada por carros, camiões. As instituições dos arredores estavam cheias de operários armados. Soviete, a Duma, os sindicatos, os Comités de fábrica, tudo, nesse distrito, servia a insurreição. Nas fábricas, nas casernas, nas instituições reproduziam-se, em escala reduzida, a mesma coisa que em toda a capital: empurravam-se, uns elegiam outros, rompia-se o que restava dos velhos lugares, consolidavam-se os novos. Os atrasados eram as resoluções de submissão ao Comité militar revolucionário. Os mencheviques e os socialistas-revolucionários encostavam-se uns aos outros amedrontados à parte com a administração das fábricas e o corpo dos oficiais. Nos comícios sem fim davam-se  informações frescas, mantinha-se a convicção combativa, fortificava-se a ligação. As massas humanas agrupavam-se sobre novos eixos. A insurreição concretizava-se.

Passo a passo, tentámos instruir, nesse livro, a preparação do levantamento de Outubro: descontentamento crescente das massas operárias, os sovietes colocando-se sob as bandeiras do bolchevismo, irritação no exército, marcha dos camponeses contra os proprietários nobres, sobrecarregamento do movimento nacional, apreensão e sarilhos crescentes entre os possuidores e os dirigentes, enfim a luta no interior do partido bolchevique pelo levantamento. A insurreição que concretiza o todo, parece, depois disso demasiado curto, demasiado seco, demasiado prático, como se ela não respondesse à envergadura histórica dos acontecimentos. O leitor sente uma espécie de desilusão. Parece um turista na montanha que, esperando encontrar ainda grandes dificuldades diante dele, descobre logo que já chegou à cimeira ou pouco mais ou menos. Onde está a insurreição? O quadro não está feito. Os acontecimentos não fazem o quadro. Pequenas operações, calculadas e preparadas antecipadamente, continuam distintas entre elas no espaço e no tempo. Elas são ligadas pela unidade do objectivo e da concepção, mas de forma nenhuma pela fusão da própria luta. As grandes massas  não estão em acção. Não há ponta de confrontaçao dramática com as tropas. Nada senão uma imaginação educada segundo os factos da História  liga ao conceito de uma insurreição.

O carácter geral da insurreição na capital dá mais tarde o motivo a Masaryk, segundo vários outros, de escrever, "O levantamento de Outubro  não foi de forma nenhuma um movimento popular de massas. Foi a obra de líderes que trabalhavam do alto, nos bastidores." Na realidade, foi o maior levantamento de massas da História. Os operários não precisavam de sair na praça para fusionar: eles constituíam sem isso politicamente e moralmente, um conjunto. Foi proibido aos soldados sair dos quartéis sem autorização: em relação a isso, a ordem do Comité militar revolucionário coincidia com o de Polkovnikov. Mas essas massas invisíveis marchavam mais que nunca ao mesmo passo dos acontecimentos. As fábricas e as casernas não perdem um minuto a ligação com os Estados-maiores de distrito, os distritos com Smolny. Os destacamentos de guardas vermelhos se sentem apoiados pelas fábricas. As equipas de soldados, ao voltarem para as casernas, encontram substitutos prontos. Tendo grandes reservas apoiando-os, os contingentes revolucionários podiam marchar tendo confiança para atingir seus objectivos. Em contrapartida, postos governamentais disseminados, vencidos antecipadamente pelo seu próprio isolamento, renunciavam mesmo à ideia em opor qualquer resistência. As classes burguesas esperavam barricadas, incêndios, cenas de pilhagem, rios de sangue. Na realidade, reinava uma calma mais assustadora que todos os trovões do mundo. Sem ruído movimentava-se o terreno social, como uma cena giratória, levando as massas populares para a primeira fila e arrastando os mestres da véspera num outro mundo.

Desde das dez da manhã do dia 25, Smolny julgou possível difundir na capital e no país um boletim de vitória: "O governo provisório foi deposto. O poder do Estado passou para as mãos do Comité militar revolucionário." Num certo sentido, esta declaração antecipava bastante. O governo existia ainda, pelo menos no território do palácio de Inverno. O Grande Quartel General ainda existia. A província não se tinha pronunciado. O Congresso dos sovietes ainda não tinha sido aberto. Mas os dirigentes da insurreição não são historiadores: para preparar aos historiadores acontecimentos para contar, eles são forçados de antecipar. Na capital, o Comité militar revolucionário já estava absolutamente mestre da situação. Não poderia aí haver dúvida sobre a sanção do Congresso. A província esperava a iniciativa de Petrogrado. Para se apoderar totalmente do poder, era preciso começar a agir como um poder. No seu manifesto às organizações militares da frente e da retaguarda, o Comité militar revolucionário convidava os soldados a vigiar a conduta do comando, prender os oficiais que não aderiam à Revolução e não hesitar diante do emprego da força no caso onde tentassem enviar sobre Petrogrado contingentes hostis.

Chegado da frente na véspera, Stankevitch, principal comissário do Grande Quartel General, para não ficar sem trabalho num reino da passividade e de estagnação, empreendeu, pela manhã, à cabeça de uma meia companhia de junkers de engenharia, tentar evacuar a central telefónica ocupada pelos bolcheviques. Os junkers, nesta ocasião, tiveram pela primeira vez nas mãos a central. " Eis portanto os que, dir-se-ia, de quem se pode aprender - exclamava, rangendo os dentes, o oficial Sinegub - e onde eles encontram tal direcção?" Os marinheiros que ocupavam a central telefónica teriam podido, sem dificuldades, exterminar os junkers disparando pelas janelas. Mas os insurrectos esforçam-se por evitar uma efusão de sangue. Por seu lado, Stankevitch ordenou severamente para não abrirem fogo: de outro modo, os junkers serão acusados de ter tirado sobre o povo. O oficial que comanda lhe diz: "Mas, a partir do momento que nós restabelecemos a ordem, quem poderá dizer uma palavra? " Ele termina as suas reflexões exclamando:" Malditos comediantes! " É a forma caracterizando a atitude do corpo de oficiais em relação ao governo. Pela sua própria iniciativa, Sinegub pede ao palácio de Inverno granadas, e munições. Entretanto, o tenente monarquista inicia, diante da grande porta da central, um debate político com um alferes bolchevique: como o herói de Homero, eles fustigam-se entre eles de insultos antes do combate. Tomado entre dois fogos, que são por momentos somente os da eloquência, as meninas do telefone enervam-se. Os marinheiros mandam-as para casa. " O quê? Mulheres!..." Elas precipita-se para fora lançando gritos histéricos". A rua Morskaia, deserta, conta Sinegub - foi de repente matizada de fugitivos, de penduricalhos saltitantes e de chapeuzinhos". Os marinheiros arranjaram-se para fazer bom uso dos aparelhos telefónicos. No pátio da central logo apareceu um carro blindado montado por Vermelhos, que não fez qualquer mal aos junkers assustados. Estes, pelo seu lado, apoderaram-se de dois camiões e barricaram a porta da central. Do lado de Nevsky aparece um segundo blindado, depois um terceiro. Tudo se reduziu a manobras e a tentativas recíprocas de intimidação. A luta pela posse da central resolveu-se sem utilizar as granadas: Stankevitch levantou o cerco, sob a condição de facilitar a livre passagem para os seus junkers.

As armas senão um sinal exterior de força: elas quase que não são utilizadas. A caminho para o palácio de Inverno, a meia companhia de Stankevitch choca com um destacamento de marinheiros prontos a disparar. Os adversários medem-se pelo olhar. Nem um lado nem outro não tem vontade lutar: de um lado porque sentem a sua força, pelo outro, porque se sente a fraqueza. Mas onde a ocasião se apresenta, os insurrectos, sobretudo os operários, apressam-se a desarmar os inimigos. A segunda meia companhia dos mesmos junkers de engenharia, cercados pelos guardas vermelhos e os soldados, é desarmada por eles com a assistência dos carros blindados, e é feita prisioneira. Todavia, ainda aí, não houve combate: os junkers não opuseram resistência. "Assim se termina - segundo o testemunho do iniciador a única tentativa de resistência activa aos bolcheviques que eu saiba." Stankevitch tinha em vista operações fora do raio do palácio de Inverno.

Cerca do meio-dia, as ruas perto do palácio Maria, são ocupadas pelas tropas do Comité militar revolucionário. Os membros do pré-parlamento tinham apenas iniciado a sessão. O Buro tentou obter as últimas informações: houve uma brusca depressão quando se soube que as comunicações telefónicas estavam cortadas. O conselho dos decanos questionava-se como agir. Os deputados sussurravam nos cantos Avksentiev consolava-os: Kerensky partiu para a frente, voltará em breve e arranjará isso tudo. Diante da grande porta parou um carro blindado. Soldados dos regimentos lituanos e Keksholmsky e marinheiros das tripulações da Guarda entraram no edifício, e alinharam-se pela escadaria, ocuparam a primeira sala. O chefe do destacamento convidou os deputados a abandonar imediatamente o palácio. " A impressão foi consternante" conta Nabokov. Os membros do pré-parlamento decidiram separar-se, "interrompendo provisoriamente a sua actividade". Contra a submissão à violência, houve quarenta e oito votos de direita; estes sabiam que ficariam em minoria. Os deputados desciam pacificamente a magnifica escadaria "entre duas alas de fuzis. Testemunhos oculares afirmaram: "Não houve nada de dramático nisso". "Sempre as mesmas fisionomias estúpidas, obtusas, más", escreveu o patriota liberal Nabokov, falando dos soldados e dos marinheiros. Em baixo, à saída, os chefes dos destacamentos examinavam os papéis e deixaram sair toda a gente." Esperava-se uma triagem dos membros do pré-parlamento e a prisões - testemunha Miliokov que foi libertado entre os últimos - mas o Estado-maior revolucionário tinha pouca experiência. A ordem dada dizia: prender, se for o caso, os membros do governo. Mas não foi o caso. Os membros do governo foram libertos sem dificuldades e, entre eles, os que se tornaram logo as organizações da guerra civil.

O pré-parlamento híbrido, cuja existência terminou doze horas antes do governo provisório, tinha existido durante dezoito dias: o intervalo entre o momento onde os bolcheviques saíram do palácio Maria na rua e a invasão desse palácio pela rua armada. De todas as paródias de representação cuja História é tão rica, o Conselho da República de Rússia foi talvez o mais extravagante.

Abandonando o nefasto edifício, o outubrista Chidlovsky foi rondar pela cidade para observar os combates: esses senhores consideravam que o povo se levantaria em sua defesa. Mas nenhuma escaramuça teve lugar. Em contrapartida, segundo Chidlovsky, o público nas ruas - o público selecto da perspectiva Nevsky - ria à gargalhada. "Você ouviu: os bolcheviques tomaram o poder? Eles tê-lo-ão no máximo por três dias. Ah! Ah! Ah!" decidiu de ficar na capital " durante o tempo que o rumor público atribuía ao reino dos bolcheviques". Sabe-se que os três dias se prolongaram bastante tempo.

O público da Nevsky só à noite é que começou se apagar. Na manhã, o alarme foi tão grande que, nos bairros burgueses, pouca gente ousava mostrar-se na rua. Às nove horas da manhã, o jornalista Knijnik correu procurar os seus jornais na perspectiva Kamenno-Ostrovsky, mas não encontrou nenhum ardina. Num pequeno ajuntamento de gente comum, contava-se que durante a noite, os bolcheviques tinham ocupado os telefones, os telégrafos e o Banco. Uma patrulha de soldados escutou e pediu às pessoas para não fazerem barulho. " Mas mesmo sem isso, todos estavam extraordinariamente calmos." Destacamentos de operários armados desfilaram. Os tróleis circulavam como habitualmente, isto é, lentamente. "Sentia-me confuso ao constatar a raridade de transeuntes" - escreveu Knijnik sobre a Nevsky. Serviam nos restaurantes, mas, de preferência, nas salas da retaguarda. Ao meio-dia, o canhão que anunciou a hora soando nem mais nem menos como habitualmente do alto da muralha da fortaleza Pedro-e-Paulo, solidamente ocupada pelos bolcheviques. Os muros e as paliçadas estavam cobertos de aviso à população contra todas as manifestações. Mas já apareciam outros cartazes anunciando a vitória da insurreição. Não havia tido tempo mesmo para colar e os automobilistas os distribuíam. As folhas, apenas saídas da tipografia, cheiravam a tinta fresca como os próprios acontecimentos.

Destacamentos da Guarda vermelha saíram dos seus distritos. O operário com a sua espingarda, a baioneta acima do seu boné, o cinturão sobre o seu fato de civil, esta imagem é inseparável da data do 25 de Outubro. É com circunspecção e ainda inseguro que o operário metia em ordem a capital que ele tinha conquistado por sua própria conta.

A calma nas ruas tranquilizava os corações. Os habitantes começaram a sair à rua. Pela noite, entre eles, observava-se menos a inquietude que durante os dias precedentes. Na verdade, nos estabelecimentos governamentais e nos serviços públicos, o trabalho tinha parado. Mas numerosas lojas continuavam abertas; certas fechavam, mas mais por prudência que por necessidade. A insurreição? É assim quem? É simplesmente a guarda de Fevereiro que é substituída pela de Outubro.

À noite, a Nevsky estava mais que nunca cheia de público que indicava aos bolcheviques três dias de existência. Os soldados do regimento Pavlovsky, mesmo se os seus redutos estivessem fortificados por carros blindados e mesmo por um canhão antiaéreo, já não inspiravam qualquer temor. Na verdade que alguma coisa séria se passa à volta do palácio de Inverno e que não há acesso a esse lado. Mas, mesmo assim, a insurreição não pode estar toda concentrada na praça do Palácio. Um jornalista americano apercebeu-se de idosos, vestidos com opulentas peles, que tentavam ameaçavam com o punho os soldados do regimento Pavlovsky, e mulheres elegantes que lhes lançavam injurias. "Os soldados respondiam fracamente com risos confusos". Eles sentiam-se evidentemente perdidos na luxuosa perspectiva Nevsky que devia mais tarde chamar-se a "perspectiva 25 de Outubro".

Claude Anet, oficioso jornalista francês em Petrogrado, admirava-se sinceramente: esses russos incoerentes fazem uma Revolução diferente daquelas que se contam nos velhos livros. "A cidade está calma!" Anet informava-se pelo telefone, recebe visitas, sai de casa. Os soldados que lhe cortam a passagem sobre a Moika marcham de forma ordeira, " como sob o antigo regime". Sobre a Millienaia, numerosas patrulhas. Nem um só tiro. A imensa praça do palácio de Inverno, nesta hora do meio-dia, ainda está quase deserta. Patrulhas na Morskaia e a Nevsky. Os soldados são ordeiros, fardados a rigor. No primeiro golpe de vista, parece que são tropas do governo. Na praça do palácio Maria, por onde Anet pensava penetrar no pré-parlamento, ele foi preso por soldados e marinheiros, "na verdade muito simpáticos". Duas ruas dando sobre o Palácio são barricadas por automóveis e carroças. Também ocupa esse lugar carros blindados. Tudo isso às ordens de Smolny. O Comité militar revolucionário enviou em toda a cidade patrulhas, colocou postos de guarda, dissolveu o pré-parlamento, é o mestre da capital e aí estabeleceu uma ordem "que nunca se tinha visto desde do início da Revolução". À noite, a porteira vem dizer aos inquilinos franceses que o Estado-maior dos sovietes comunicou os números de telefone que podem servir, a qualquer hora, para pedir socorro à força armada em caso de ataque ou de busca duvidosa. "Na verdade, nós nunca fomos tão bem guardados."

Às 2h 35 da tarde - os jornalistas estrangeiros olhavam seus relógios, os russos não tinham tempo - a sessão extraordinária do Soviete de Petrogrado foi aberta por um relatório de Trotsky que, em nome do Comité militar revolucionário, declarou que o governo provisório já não existia. "Tinham nos dito que a insurreição afogaria a Revolução em poças de sangue ... Nos não conhecemos um só vítima." Nós não temos exemplo na história de um movimento revolucionário ao qual se teriam misturado tantas massas e que teria sido pouco sangrento. "O palácio de Inverno ainda não foi tomado, mas a sua sorte será resolvida em alguns momentos". As doze horas que seguirão mostrarão que esta predição era demasiado optimista.

Trotsky comunica: da frente mandaram tropas contra Petrogrado; é indispensável enviar imediatamente comissários do Soviete para a frente e em todo o país para informar sobre a insurreição realizada.

Da direita pouco numerosa partem exclamações: "Vocês antecipam sobre a vontade do Congresso dos sovietes. "O relator responde: "A vontade do Congresso é determinada previamente pelo facto formidável do levantamento dos operários e dos soldados de Petrogrado. Agora só nos resta estender a nossa vitória".

Lénine, que aparecia aí pela primeira vez em público desde que saiu do seu esconderijo, traçou brevemente o programa da Revolução: quebrar o antigo aparelho de Estado; criar um novo sistema de governo por meio dos sovietes; tomar medidas para terminar imediatamente a guerra, apoiando-se sobre o movimento revolucionário nos outros países; abolir a propriedade dos nobres e conquistar assim a confiança dos camponeses; instituir o controlo operários sobre a produção." A terceira Revolução russa deve, finalmente, levar à vitória do socialismo."


Inclusão