O PCP e a Luta pela Reforma Agrária

Partido Comunista Português


A ALIANÇA COM O CAMPESINATO
ÁLVARO CUNHAL


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(In Unidade da Nação Portuguesa na Luta Pelo Pão, Pela Liberdade e Pela Independência. Informe político do Secretariado do Comité Central ao I Congresso Ilegal do PCP, 1943. Relator: Duarte(1))

O mais poderoso aliado do proletariado é o campesinato. Mas resta saber que camada ou camadas do campesinato são aliados do proletariado na actual etapa da revolução. Serão somente os proletários rurais, os assalariados agrícolas, isto é, os trabalhadores do campo que possuem apenas a sua força de trabalho? Serão também os camponeses pobres, isto é, os trabalhadores rurais que, embora possuindo pequenas parcelas de terra, se vêm obrigados a vender a sua força de trabalho? Serão ainda os rendeiros e os pequenos proprietários? Quais destas camadas são os aliados do proletariado na actual etapa da revolução?

A resposta só pode ser uma. Sendo a actual etapa da revolução uma revolução nacional libertadora(2), uma primeira fase da revolução democrática-burguesa, são aliados do proletariado todas as camadas do campesinato cujos interesses se opõem aos dos grandes senhores agrários, que estão interessados na abolição do domínio feudal nos campos e do monopolismo na agricultura levado a cabo pelo corporativismo salazarista.

Todas essas camadas estão interessadas na libertação do jugo do fascismo, todas elas estão interessadas no movimento de unidade nacional antifascista.

A questão põe-se em saber se o movimento de Unidade Nacional e, particularmente, o movimento operário sabem agir de forma a que o campesinato se torne sua reserva ou se deixam que ela se torne uma reserva da burguesia reaccionária, do fascismo.

Podemos dizer com toda a segurança que o fascismo não conseguiu atrair as vastas camadas do campesinato, não conseguiu fazer do campesinato uma sua reserva para o combate e esmagamento da revolução nacional libertadora. Mas que, ao contrário, as vastas massas do campesinato estão engrossando activamente o movimento de Unidade Nacional. Os últimos movimentos de massas camponesas aí estão para o mostrar.

a) Quero referir-me, em primeiro lugar, às importantes acções de resistência dos camponeses pobres do norte do país contra as requisições de géneros para enviar para o «Eixo». Em Bustelo, Ul, Macinhata da Seixa, Trevões, e noutras localidades, milhares de camponeses e camponesas resistiram energicamente contra o roubo do milho, da farinha e doutros géneros. Nuns casos, impediram que o milho e a farinha saíssem das localidades, resistindo às ameaças das autoridades e às violências das forças repressivas. Noutros casos, distribuíram os géneros ao preço da tabela. Noutros casos, ainda que o roubo tivesse sido consumado pela violência, lutaram até aos extremos limites das suas possibilidades. Estas lutas devem ser consideradas como magníficas vitórias dos camponeses pobres do norte do país.

E estes movimentos mostram a justeza das palavras de ordem do Partido e a aceitação que elas encontram nas massas de camponeses pobres. Mas isto não quer dizer, camaradas, que todos estes movimentos tenham sido directamente impulsionados e dirigidos pelo Partido. Não. A maioria destes movimentos partiram da iniciativa das massas, foram movimentos espontâneos, o mesmo se podendo dizer de dezenas e dezenas de lutas pelos géneros em todo o país, das marchas da fome, concentrações e manifestações de protesto dos camponeses junto das autoridades fascistas. Esta característica mostra-nos esta radicalização das massas camponesas, mostra-nos as magníficas perspectivas que se abrem ao movimento revolucionário no campo.

«A espontaneidade do movimento — disse Lénine — revela a sua profundidade nas massas, a solidez das suas raízes, o seu carácter inevitável»(3).

Isto mostra a valiosa participação que estão dando ao movimento de unidade nacional antifascista as massas camponesas pobres. Isto mostra o papel da primacial importância que as massas de camponeses pobres representarão para o derrubamento do fascismo, sob a condição do nosso Partido saber ligar a luta dos camponeses pobres à luta do proletariado, à luta emancipadora da nação portuguesa, sob a condição do nosso Partido saber colocar palavras de ordem justas e encontrar formas justas de emancipação, abandonando formas esquemáticas que afastam os camponeses da organização. Esta questão será detalhadamente tratada no informe do camarada Santos sobre problemas de organização. Mas quero aqui sublinhar que uma das razões do nosso fraco poder mobilizador das massas de camponeses pobres tem sido a rigidez das formas orgânicas que lhes temos querido impor, tem sido o não compreendermos devidamente as diferenças de vida e de temperamento do campesinato e do proletariado industrial.

b) Quero referir-me, em segundo lugar, aos importantes movimentos dos assalariados agrícolas do Ribatejo contra a redução dos salários que o governo salazarista impôs. Em Vila Franca de Xira, Samora e outras localidades, milhares de camponeses resistiram energicamente contra os salários de fome que os patrões ofereciam ao abrigo do miserável «despacho» de 14 de Maio de 1943. Nuns casos, fizeram greve, recusando-se a trabalhar pelos salários de fome e resistindo heroicamente à brutal repressão da G. N. R. Noutros casos, refugiaram-se em massa nos campos, só pela força indo trabalhar. Noutros casos, ainda que obrigados a trabalhar, reduziram de tal forma o rendimento, que os patrões sentiram desde logo que não obteriam os fabulosos lucros que esperavam do «despacho»» salazarista. Como consequência destes grandes movimentos camponeses, os patrões foram obrigados, em muitas regiões, a pagar salários mais altos, a título de gratificação e a outros títulos, não respeitando assim as disposições do «despacho» de 14 de Maio. Podemos assim considerar as lutas de Maio-Junho de 1943 dos assalariados rurais como uma grande vitória.

Estas lutas mostram a justeza das palavras de ordem do Partido e a aceitação que elas encontraram nas massas dos assalariados agrícolas. A volante do Partido, que lançou as palavras de ordem: «Que nas praças de homens ninguém aceite ofertas de salários de fome», e aconselhava os camponeses a responder: «Ou nos pagam melhores salários, ou não vamos trabalhar», essa folha volante, com uma edição de 20 000 exemplares (a maior tiragem desde a reorganização mas que se revelou insuficiente) foi profusamente espalhada, ainda que com ligeiro atraso, nos campos, nas herdades, pelas casas dos camponeses. De todos os lados que conhecemos os seus efeitos, ela contribuiu valiosamente para fortalecer o espírito combativo das massas camponesas e para orientar as suas lutas. Por outro lado, as organizações locais do Partido nessas regiões souberam, na generalidade, compreender as suas responsabilidades ante o movimento camponês e fizeram belos esforços para ajudar as massas camponesas. Também os nossos camaradas camponeses tiveram na luta um papel de vanguarda. Mas isto não quer dizer que o Partido não tenha tido grandes debilidades. Os serviços técnicos não funcionaram com a necessária rapidez, do que resultou que a folha volante chegou atrasada a muitas organizações locais. Por outro lado, algumas organizações locais nada fizeram de positivo (além da distribuição da folha volante) para intensificarem, dirigirem e ajudarem as lutas camponesas. Assim, por exemplo, na localidade X os nossos camaradas, 15 dias depois do movimento ter adquirido nessa região a máxima intensidade, conheciam pior o movimento que o Comité Central...

As lutas camponesas no Ribatejo mostram a grande participação que estão dando ao movimento de unidade nacional os assalariados rurais, os proletários rurais. Mostram o papel de primeira importância que as massas de assalariados rurais representarão para o derrubamento do fascismo, sob a condição do nosso Partido saber ligar a sua luta à luta da classe operária, à luta emancipadora da nação portuguesa, sob a condição do nosso Partido colocar palavras de ordem justas e encontrar formas justas de organização.

O Partido tem tarefas decisivas a executar. A nossa agitação ilegal e legal, a organização da parte mais desenvolvida e radicalizada do campesinato, a ajuda ao movimento camponês pelas organizações operárias locais —nenhuns esforços serão muitos para intensificar as lutas camponesas, para erguer ainda mais alto a bandeira da revolta do mais fiel e poderoso aliado da classe operária, para tornar realidade um levantamento nacional das massas camponesas contra a política de fome, de rapina e de terror do governo fascista de Salazar. Devemos ter sempre presente a seguinte ideia: sem uma firme aliança com o campesinato, sem a participação activa das massas camponesas, não poderá ser vitorioso o movimento de unidade nacional antifascista, não poderá realizar-se a revolução nacional democrática(4) em Portugal.


Notas de rodapé:

(1) Pseudónimo usado na clandestinidade pelo camarada Álvaro Cunhal. (retornar ao texto)

(2) Só em 1964 foi adoptada a designação de «revolução democrática e nacional» para definir a actual etapa da revolução. (Nota das Edições Avante!). (retornar ao texto)

(3) Lénine: «A Revolução Russa e a Guerra Civil», in A Revolução de Outubro, Pequena Biblioteca Leninista, edição francesa, p. 107. (retornar ao texto)

(4) vide nota 2 (retornar ao texto)

Inclusão 29/05/2019