VII Congresso Extraordinário
(Intervenções, Saudações, Documentos)

Partido Comunista Português


INTERVENÇÕES EM NOME DO COMITÉ CENTRAL DO P.C.P.
O PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO

SÉRGIO VILARIGUES
(Membro do Comité Central do P.C.P.)


capa

Camaradas:

O derrubamento da ditadura no dia 25 de Abril do ano corrente colocou na ordem do dia a realização da tarefa patriótica de pôr fim à guerra e ao domínio colonial português.

Apenas três meses depois, o acto histórico de 27 de Julho veio dar satisfação aos justos anseios que os povos das colónias e o povo português vinham manifestando mais vivamente na última década através de uma longa e áspera luta. Portugal reconheceu o direito à autodeterminação e independência dos povos das colónias sob o seu domínio.

Em potentes manifestações de massas o povo português e os povos coloniais comemoram esta vitória comum. O problema da descolonização passou a ser uma tarefa prioritária do Governo Provisório, do M.F.A., das forças democráticas e do povo português.

No curto espaço de tempo de seis meses, justo é salientá-lo, não obstante a grande complexidade do problema, foram dados grandes passos nessa direcção.

A Guiné-Bissau é já hoje um Estado com o seu Governo próprio, e será inteiramente independente a partir do próximo dia 31 de Outubro. Nesta data, os últimos soldados portugueses deixarão o seu território.

No que respeita a Moçambique, os acordos firmados em Lusaka entre Portugal e a FRELIMO abriram a via para a independência completa do povo moçambicano em 25 de Junho do ano próximo, se, como esperamos, esses acordos forem respeitados rigorosamente.

Quanto a Angola, a situação é muito mais complexa e, por isso mesmo, de muito mais difícil solução, entenda-se uma solução correcta e justa, correspondente aos interesses dos povos de Angola e de Portugal democrático, independente e progressista que nós, comunistas, estamos ajudando a construir com determinação e entusiasmo.

Vários factores concorrem para a complexidade do problema. São eles, entre outros, o de em Angola estarem fixados 600 000 brancos que ali criaram interesses, quantas vezes por meios ilegítimos; o de grandes monopólios internacionais deterem posições dominantes na economia angolana, numa palavra, o de Angola ser uma pérola demasiado valiosa e, por isso mesmo, atrair sobre si ambições imperialistas de várias latitudes e com elas um feixe de problemas e perigosas tensões. Apesar de tudo isso, estamos seguros de que as dificuldades, por mais emaranhadas, serão vencidas e Angola alcançará a sua independência. O facto de terem cessado os combates, embora, em geral, sem qualquer acordo formal entre as partes, anima-nos a encarar os coisas com optimismo.

O que se passou na Guiné-Bissau e em Moçambique não tem paralelo na história mundial da descolonização; as Forças Armadas portuguesas, que antes, sob o regime fascista e colonialista, faziam a guerra sem piedade contra as forças libertadoras daqueles países, confraternizam hoje com elas e ajudam-nas e aos seus povos a resolverem as difíceis tarefas colocadas pela nova situação.

É de desejar que em Angola se venham a repetir esses belos actos de confraternização e de cooperação.

A vitória das massas populares em aliança estreita com o M.F.A. sobre a reacção, nos últimos dias de Setembro, veio abrir novas e mais claras perspectivas para o aceleramento do processo de descolonização.

Todavia, nada seria mais perigoso do que abrandar a vigilância, desmobilizar as massas, deixar debilitar a sua organização e a sua unidade permitindo assim que se enfraquecesse a sua aliança com o M.F.A. Existem ainda forças poderosas em Portugal e no estrangeiro, assim como em Angola e mesmo em certos países africanos, interessadas em impedir o curso da descolonização no seu justo sentido.

As poucas informações precisas sobre todos os aspectos ligados ao problema das negociações com os movimentos de libertação de Angola causam-nos algumas preocupações.

Embora com problemas diferentes, acreditamos que as ricas experiências adquiridas nos casos da Guiné-Bissau e de Moçambique não serão esquecidas no caso de Angola.

O Governo Provisório e o M.F.A., assim como as forças democráticas e as massas populares, estão vitalmente interessadas em vencer as dificuldades existentes e em evitar outras provocadas por qualquer passo menos reflectido. Consideramos por isso que poderá provocar novas e maiores dificuldades a cedência a manobras ou pressões com vista a serem considerados como interlocutores válidos certos partidos ou movimentos nascidos à última hora, ou que com mais longa existência nada fizeram de positivo no passado pela independência de Angola, tudo deixando concluir estarem ligados directa ou indirectamente a interesses dos racistas e colonialistas portugueses e dos imperialistas estrangeiros. Por tal motivo, o P.C.P. , tal como se inscreve no projecto de Programa posto à discussão e aprovação do Congresso, entende que as negociações no processo de descolonização de Angola deverão ter lugar simultaneamente com os movimentos de libertação, designadamente com o M.P.L.A.

Que este movimento é o mais popular, tanto em Angola como internacionalmente, ninguém o duvida, e isso porque é ele que mais consequentemente tem lutado pela independência da sua Pátria.

A afirmação do general Pereira de Melo inserta nos jornais de 14 de Outubro de que de maneira nenhuma o Dr. Agostinho Neto estava a ser relegado para segundo plano, sendo um pouco tranquilizadora a esse respeito, não anula inteiramente as nossas preocupações.

Em nota distribuída em Lisboa pela Direcção-Geral de Informação, é dito que mais uma vez foi assegurado ao presidente Mobutu que se mantinha integralmente a linha estabelecida no Sal.

É legítimo perguntar: Qual linha? O que se passou realmente na ilha do Sal entre o general Spínola e o general Mobutu?

Pelo que já veio à luz da publicidade, só em 12 de Outubro se ficou sabendo que o general Mobutu se fez acompanhar por alguns dirigentes da F.N.L.A. de Holden e da fracção do M.P.L.A. de Chipenda. É pelo menos difícil acreditar que o general Spínola não conhecesse este facto de antemão, se é que não foi ele próprio que o propôs ao general Mobutu.

Posteriormente, sucedeu mais ou menos o mesmo em Kinshasa com a delegação portuguesa chefiada pelo general Pereira de Melo. Nada mais se ficou sabendo da famosa linha do Sal. Será que essa linha consiste em ignorar o M.P.L.A. de facto e se pensa negociar com o general Mobutu e os seus pupilos o que deverá ser tratado directamente apenas entre Portugal e os movimentos de libertação de Angola verdadeiramente representativos? Esperemos que não.

Uma linha de actuação que não ponderasse bem a real correlação de forças existentes em Angola, assim como as contradições entre vários países africanos vizinhos, poderia vir a produzir frutos muito amargos para portugueses e angolanos e criar mesmo um perigoso foco de tensão nessa região africana.

Ligam-nos aos patriotas de Angola laços de amizade e de cooperação alicerçados e desenvolvidos no fogo duro da luta contra um inimigo comum. Hoje, nas novas condições de luta, continuaremos a reforçar essa amizade orientada para uma frutuosa e leal cooperação entre os nossos respectivos povos e países.

E por isso, como se aponta no projecto do Programa, é de recusar todo e qualquer compromisso firmado nas costas do povo angolano para soluções neocolonialistas, é de reclamar liberdade de actuação em Angola para todos os movimentos e partidos democráticas.

Camaradas:

O caminho que falta percorrer para chegar à descolonização completa do que foi o império colonial português está ainda cheio de escolhos. Estamos no entanto seguros de que eles serão vencidos se uma política realista recíproca orientar os passos ainda por dar.

Hoje, as palavras guerra, combates, emprego de força devem ser varridas do vocabulário de ambas as partes e substituídas pelas palavras paz, negociações, cooperação. Assim se atingirá mais rapidamente a independência completa dos povos ainda sob o domínio português e se colocará na ordem do dia o regresso de todos os soldados e a redução do serviço militar obrigatório.

Deixando de oprimir outros povos, Portugal será finalmente livre e independente, como proclama o Programa do nosso Partido.


Inclusão: 18/05/2020