Problemas Econômicos do Socialismo na URSS

J. V. Stálin


Observações Sobre as Questões Econômicas Referentes à Discussão de Novembro de 1951


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Recebi todos os documentos sobre a discussão econômica realizada para examinar o projeto de manual de economia política. Recebi, inclusive, as "Propostas para melhorar o projeto de manual de economia política"; as "Propostas para eliminar os erros e inexatidões" do projeto, e o "Relatório sobre as questões em discussão".

A respeito de todos estes materiais, como também sobre o projeto de manual, considero necessário fazer as seguintes observações.

1. Caráter das Leis Econômicas no Socialismo

Alguns camaradas negam o caráter objetivo das leis da ciência, particularmente das leis da economia no socialismo. Negam que as leis da economia política refletem a regularidade de processos que se realizam independentemente da vontade dos homens. Consideram que, em vista do papel peculiar reservado ao Estado Soviético pela História, o Estado Soviético e seus dirigentes podem abolir as leis existentes da economia política, podem "formar" novas leis, "criar" novas leis.

Esses camaradas estão profundamente errados. Como se vê, eles confundem as leis da ciência, que refletem processos objetivos da natureza ou da sociedade, que se realizam independentemente da vontade dos homens, com as leis promulgadas pelos governos, criadas pela vontade dos homens e que somente têm força jurídica. De modo algum, porém, elas podem ser confundidas.

O marxismo concebe as leis da ciência — quer se trate de leis das ciências naturais, quer de leis da economia política — como o reflexo de processos objetivos, que se realizam independentemente da vontade dos homens. Os homens podem descobrir estas leis, conhecê-las, estudá-las, levá-las em conta nas suas ações, utilizá-las no interesse da sociedade, mas não podem modificá-las nem aboli-las. E menos ainda podem formar ou criar novas leis da ciência.

Significa isso, por exemplo, que os resultados da ação das leis da natureza, os resultados da ação das forças da natureza, sejam em geral inelutáveis, que as ações destrutivas das forças da natureza se manifestam sempre e em toda parte, como uma força inexorável e espontânea, que não se submete à influência do homem? Não, não significa. Se se excluírem os processos astronômicos, geológicos e alguns outros análogos, nos quais os homens, mesmo conhecendo as leis do seu desenvolvimento, são realmente incapazes de influir, em muitos outros casos os homens estão longe de ser incapazes, quanto à possibilidade de influir nos processos da natureza. Em todos esses casos, os homens, conhecendo as leis da natureza, tomando-as em consideração e apoiando-se nelas, tendo capacidade de aplicá-las e utilizá-las, podem limitar sua esfera de ação, dar às forças destrutivas da natureza outra direção, transformar as forças destrutivas da natureza em benefício da sociedade.

Tomemos um entre muitos exemplos. Antigamente, os transbordamentos dos grandes rios, as inundações e conseqüentes destruições de moradias e lavouras, consideravam-se calamidades inelutáveis, contra as quais os homens eram impotentes. Todavia, com o decorrer do tempo, com o desenvolvimento dos conhecimentos humanos, quando os homens aprenderam a construir as represas e as hidrelétricas, tornou-se possível proteger a sociedade contra a calamidade das inundações, que dantes pareciam inelutáveis. Ainda mais, os homens aprenderam a domar as forças destrutivas da natureza, aprenderam por assim dizer a amansá-las, a transformar a força da água em benefício da sociedade e a utilizá-la na irrigação dos campos e para a obtenção de energia.

Significa isto que os homens aboliram assim as leis da natureza, as leis da ciência, que criaram novas leis da natureza, novas leis da ciência? Não, não significa. Na verdade, toda essa operação para evitar as ações destruidoras da força das águas e para sua utilização no interesse da sociedade, ocorre sem qualquer infração, modificação ou supressão das leis da ciência, sem a criação de novas leis da ciência. Ao contrário, toda essa operação se realiza exatamente à base das leis da natureza, das leis da ciência, porque qualquer infração às leis da natureza, a mais insignificante das infrações, conduziria apenas à desorganização, ao fracasso.

A mesma coisa é preciso dizer a respeito das leis do desenvolvimento econômico, das leis da economia política — quer se trate do período do capitalismo, quer do período do socialismo. Aqui, da mesma forma que nas ciências naturais, as leis do desenvolvimento econômico são leis objetivas, que refletem os processos do desenvolvimento econômico, que se realizam independentemente da vontade dos homens. Os homens podem descobrir essas leis, conhecê-las e, baseando-se nelas, utilizá-las no interesse da sociedade, dar outro rumo às ações destrutivas de algumas leis, limitar sua esfera de ação, dar livre espaço a outras novas leis que abrem caminho para adiante, mas não podem destruí-las ou criar novas leis econômicas.

Uma das peculiaridades da economia política consiste no fato de que as suas leis, diferentemente das leis das ciências naturais, não são permanentes. Pelo menos a maioria delas atua no decorrer de um determinado período histórico, depois do qual cede lugar a novas leis. Mas essas leis não são destruídas, perdem sim sua validade, em conseqüência de novas condições econômicas e saem de cena para dar lugar a novas leis, que não se criam pela vontade do homem, pois surgem à base de novas condições econômicas.

Invoca-se o "Anti-Dühring", de Engels, quanto à sua fórmula de que, com a liquidação do capitalismo e a socialização dos meios de produção, os homens adquirem o domínio sobre os seus meios de produção, libertam-se do jugo das relações econômico-sociais, tornam-se "senhores" de sua vida social. Engels chama esta liberdade de "necessidade consciente". Mas, que pode significar a "necessidade consciente"? Isso significa que os homens, conhecendo as leis objetivas ("necessidade"), aplicá-las-ão com plena consciência no interesse da sociedade. Justamente por isso, Engels diz na mesma obra que:

"As leis de sua própria atividade social, que até agora se opunham aos homens como leis naturais estranhas, que os submetiam ao seu domínio, são aplicadas, agora, pelo homem, com pleno conhecimento* de causa, e, por conseguinte, dominadas por ele".

Como se vê, a fórmula de Engels não fala de nenhum modo em favor daqueles que pensam que no socialismo é possível abolir as leis econômicas existentes e criar outras novas. Ao contrário, ela exige não a abolição, mas o conhecimento das leis econômicas e sua sábia aplicação.

Diz-se que as leis econômicas têm um caráter elementário, que a ação dessas leis é inelutável, que a sociedade é impotente diante delas. Isto não é certo. Isto é fazer das leis um fetiche e fazer do homem escravo das leis. Está provado que a sociedade não é impotente ante as leis, que a sociedade pode, conhecendo as leis econômicas e apoiando-se nelas, limitar sua esfera de ação, utilizá-las no interesse da sociedade e "amansá-las", como acontece em relação às forças da natureza e suas leis, como sucede no exemplo acima apresentado sobre o transbordamento dos grandes rios.

Alega-se o papel peculiar do Poder Soviético na construção do socialismo, que lhe permitiria abolir as leis existentes do desenvolvimento econômico e "formar" novas. Isso também não é certo.
O papel peculiar do Poder Soviético explica-se por duas circunstâncias: em primeiro lugar o Poder Soviético não teve de substituir uma forma de exploração por outra, tal como nas antigas revoluções, mas de liquidar toda exploração; em segundo lugar, em vista da ausência no país de quaisquer embriões de economia socialista, o Poder Soviético teve de criar, por assim dizer, em "terreno virgem", as novas formas socialistas de economia.

Essa tarefa indiscutivelmente difícil e complicada, não teve precedentes. Não obstante isso, o Poder Soviético executou essa tarefa honrosamente. Executou-a, porém, não porque tivesse abolido as leis econômicas existentes, e "formado" novas, mas unicamente porque se apoiou na lei econômica da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas. As forças produtivas do nosso país, particularmente na indústria, tinham caráter social; mas a forma de propriedade era privada, capitalista. Apoiando-se na lei econômica da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas, o Poder Soviético socializou os meios de produção, tornou-os propriedade de todo o povo e com isso destruiu o sistema de exploração, criou as formas socialistas de economia. Não fora esta lei, e não se houvesse apoiado nela, nunca o Poder Soviético poderia ter executado sua tarefa.

A lei econômica da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas luta, desde muito tempo, para abrir caminho, nos países capitalistas. Se ela ainda não abriu o seu caminho e não alcançou plena liberdade, é porque encontra a mais forte resistência do lado das forças da sociedade moribunda. Aqui deparamos outra peculiaridade das leis econômicas. Diferentemente das leis das ciências naturais, em que o descobrimento e a aplicação de unia nova lei decorrem mais ou menos sem entraves, na esfera econômica o descobrimento e a aplicação de uma nova lei, que fere os interesses das forças da sociedade moribunda, encontram a mais forte resistência por parte destas forças. Conseqüentemente, precisa-se de uma força, uma força social, capaz de vencer essa resistência. Tal força existia em nosso país sob a forma da aliança da classe operária e dos camponeses, que constituíam a maioria esmagadora da sociedade. Tal força ainda não existe em outros países, nos países capitalistas. Nisso consiste o segredo de ter o Poder Soviético conseguido derrotar as forças caducas da sociedade; e por isso a lei econômica da correspondência obrigatória entre as relações de produção e o caráter das forças produtivas teve em nosso país plena liberdade.

Diz-se que a necessidade de um desenvolvimento harmonioso (proporcional) da economia de nosso país permite ao Poder Soviético abolir as leis econômicas existentes e criar novas. Isto é absolutamente falso. Não podemos confundir nossos planos anuais e qüinqüenais com a lei econômica objetiva do desenvolvimentoharmonioso, proporcional, da economia nacional. A lei do desenvolvimento harmonioso da economia nacional surgiu em contraposição à lei da concorrência e da anarquia da produção no capitalismo. Surgiu à base da socialização dos meios de produção, depois que a lei da concorrência e da anarquia da produção perdeu sua força. Ela entrou em vigor porque a economia nacional-socialista, unicamente pode ser realizada à base da lei econômica do desenvolvimento harmonioso da economia nacional. Isto significa que a lei do desenvolvimento harmonioso da economia nacional dá a possibilidade aos nossos órgãos de planificação de planificar corretamente a produção social. Mas não se pode confundir a possibilidade com a realidade. São duas coisas diferentes. Para converter esta possibilidade em realidade, é preciso estudar esta lei econômica, é preciso dominá-la, é preciso aprender a aplicá-la com pleno conhecimento de causa, é preciso traçar planos que reflitam plenamente as exigências dessa lei. Não se pode dizer que nossos planos anuais e qüinqüenais refletem plenamente as exigências desta lei econômica.

Diz-se que algumas leis econômicas, entre elas a lei do valor, em ação em nosso país, no socialismo, são leis "transformadas" ou mesmo "radicalmente transformadas", à base da economia planificada. Isso também não está certo. Não se pode "transformar" leis e ainda menos "radicalmente". Se é possível transformá-las, então é possível também aboli-las, substituindo-as por outras leis. A tese da "transformação" das leis é uma sobrevivência da fórmula incorreta sobre a "abolição" e "formação" das leis. Embora a fórmula da transformação das leis econômicas, há muito tempo já esteja em uso em nosso país, temos que repudiá-la no interesse da exatidão. É possível limitar a esfera de ação de umas ou outras leis econômicas, é possível evitar suas ações destrutivas, desde que, naturalmente, estas existam, mas não se pode "transformá-las" ou "aboli-las". Por conseguinte, quando se fala de "subjugação" das forças da natureza ou das forças econômicas, de "domínio" sobre elas, etc., isto absolutamente não quer dizer que os homens possam "abolir" "as leis da ciência" ou "formá-las". Ao contrário, com isto quer-se dizer somente que os homens podem descobrir as leis, conhecê-las, assimilá-las, aprender a aplicá-las com pleno conhecimento de causa, utilizá-las no interesse da sociedade e dessa maneira subjugá-las, chegar a exercer domínio sobre elas.

Assim, as leis da economia política no socialismo são leis objetivas, que refletem a regularidade dos processos da vida econômica, que se realizam independentemente da nossa vontade. Negar esta tese é negar, na essência, a obra da ciência; e negar a ciência é negar a possibilidade de qualquer previsão; e, por conseguinte, é negar a possibilidade de dirigir a vida econômica.

Poderão dizer que tudo quanto foi dito aqui é correto e universalmente conhecido, mas que não há nada de novo em tudo isso e que, portanto, não vale a pena perder tempo nessa repetição de verdades por todos conhecidas. Sem dúvida, aqui não há realmente nada de novo, mas seria incorreto pensar que não vale a pena perder tempo na repetição de algumas verdades por nós conhecidas. Cada ano se aproximam de nós, que somos o núcleo dirigente, milhares de novos quadros, de quadros jovens, que calorosamente desejam ajudar-nos, que ardentemente desejam mostrar de quanto são capazes, mas não têm bastante educação marxista, não conhecem muitas verdades por nós bem conhecidas e são obrigados a tatear nas trevas. Estão atordoados pelas colossais conquistas do Poder Soviético; os extraordinários êxitos do regime soviético põem-lhes a cabeça tonta e eles começam a imaginar que o Poder Soviético "tudo pode", que "nada o detém", que pode abolir as leis da ciência, formar novas leis. Como devemos proceder com estes camaradas? Como educá-los no espírito do marxismo-leninismo? Penso que a repetição sistemática das chamadas verdades "universalmente conhecidas", e a sua paciente explicação é um dos melhores meios de dar a esses camaradas uma educação marxista.


pcr
Inclusão 18/07/2009