Uma Vez Mais Sobre o Problema Nacional
A propósito de um artigo de Sémich

J. V. Stálin

30 de Junho de 1925


Primeira Edição: Bolshevik, n. 11-12. 30 de junho de 1925.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1946. Tradução de Brasil Gerson. Pág: 285-294.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

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Apenas encômios merece o fato de agora, após a discussão na Comissão Iugoslava, Sémich haver aderido em seu artigo, inteiramente e sem reservas, à posição da delegação do Partido Comunista da Rússia na Internacional Comunista; mas seria errôneo pensar, por esse motivo, que entre a delegação do PCR, de um lado, e Sémich de outro, não ha ia existido discrepância alguma, antes ou durante a discussão na Comissão Iugoslava. Ao que parece, Sémich inclinou-se a pensar desse modo sobre as divergências no terreno do problema racional, pretendendo reduzi-las a simples equívocos. Mas, por infelicidade, incorre em profundo erro. Sémich afirma em seu artigo que a polêmica mantida com ele se baseia numa “série de equívocos” provocados por um discurso “traduzido incompletamente”, pronunciado por ele na Comissão Iugoslava. Em outras palavras, resulta que culpado é o cabeça quadrada que, não se sabe por que razão, traduziu incompletamente o discurso de Sémich. Vejo-me obrigado a dizer, no interesse da verdade, que essa afirmação de Sémich não corresponde em absoluto à realidade. Naturalmente seria preferível que Sémich apoiasse sua afirmarão em citações tomadas ao discurso que pronunciou na Comissão Iugoslava, discurso que se conserva nos arquivos da Internacional Comunista. Mas, não sei por que, não o fez. Por isso mesmo vejo-me obrigado a realizar em lugar de Sémich essa tarefa, não muito agradável, mas totalmente necessária.

Isso é tanto mais necessário quanto agora, depois que Sémich se solidarizou inteiramente com a posição da Delegação do PCR, restam muitos pontos obscuros em sua posição atual.

Em meu discurso, pronunciado na Comissão Iugoslava (v. Bolshevik, n. 7), falei das divergências em torno de três problemas:

  1. no dos meios de solução do problema nacional;
  2. no do conteúdo social interno do movimento nacional na presente época histórica;
  3. no do papel do fator internacional no problema nacional.

Quanto ao primeiro problema, eu afirmava que Sémich “não compreendera de todo a essência fundamental, do problema nacional tal como o colocam os bolcheviques”; que separa o problema nacional do problema geral da revolução; que se coloca, desse modo, em posição que reduz o problema nacional a um problema constitucional.

Estará certo tudo isso?

Lede os seguintes trechos do discurso pronunciado por Sémich na Comissão Iugoslava (30 de março de 1925), e julgai vós mesmos:

“É possível reduzir o problema nacional a um problema constitucional? Antes de mais nada, delineemos uma questão teórica. Suponhamos que em um Estado X vivem três nações A, B e C. Essas três nações expressam seu desejo de viver num só Estado. De que se trata nesse caso? Naturalmente se trata de regular as relações internas nesse Estado. Por conseguinte, um problema de ordem constitucional. Nesse caso teórico, o problema nacional reduz- se a um problema constitucional ... Se nesse caso teórico reduzimos o problema nacional a um problema constitucional, é preciso dizer então — coisa que tenho frisado constantemente — que a autodeterminação dos povos, chegando mesmo à separação, é uma condição necessária para a solução do problema constitucional. É apenas nesse terreno que eu apresento o problema constitucional”.

Creio que esses trechos do discurso de Sémich não necessitam nenhum comentário. É evidente que quem considera o problema nacional como parte integrante do problema geral da revolução proletária, não pode reduzi-lo a um problema constitucional. E vice-versa, só aquele que separa o problema nacional do problema geral da revolução proletária, sô esse pode reduzi-lo a um problema constitucional.

No discurso de Sémich existem indicações de que o direito de autodeterminação nacional não pode ser conquistado sem uma luta revolucionária. Sémich disse:

“Compreende-se que tais direitos apenas podem ser conquistados mediante uma luta revolucionária. Não podem ser conquistados por via parlamentar, mas unicamente por ações revolucionárias de massas”.

Mas que significam “luta revolucionária” e “ações revolucionárias”? É possível identificar a “luta revolucionária” e as “ações revolucionárias” com a derrocada da classe dominante, com a conquista do Poder e com o triunfo da revolução, como condição fundamental para a solução do problema nacional? Evidentemente não. Uma coisa é falar-se do triunfo da revolução como condição fundamental para a solução do problema nacional, e outra coisa completamente diversa é serem apresentadas as “ações revolucionárias” e a “luta revolucionária” como condições para a solução do problema nacional. É preciso assinalar que o caminho constitucional não excluí, de modo algum, “ações revolucionárias” nem a “luta revolucionária”. Não são as “ações revolucionárias” em si que devem ser consideradas como fatores decisivos ao determinar o caráter revolucionário ou reformista de tal ou qual partido, mas as tarefas e os objetivos políticos em cujo nome se empreendem e se praticam pelos partidos. Em 1906, após a dissolução da primeira Duma, os mencheviques russos propunham, como se sabe, a organização de uma “greve geral” e também uma “insurreição armada”. Mas isso não impedia, na menor coisa, que continuassem sendo mencheviques. Mas para que propunham tudo isso? Naturalmente não era para liquidar o czarismo e organizar o triunfo total da revolução, mas para “exercer pressão” sobre o governo czarista, com o objetivo de conseguir reformas, com o objetivo de ampliar a “Constituição”, com o objetivo de convocar uma Duma “melhorada”. Uma coisa são as “ações revolucionárias” para reformar a velha ordem de coisas, conservando o Poder nas mãos da classe dominante. Esse é o caminho constitucional. Outra coisa são as “ações revolucionárias” para romper a velha ordem de coisas, para derrotar a classe dominante. Esse é o caminho revolucionário, o caminho da vitória total da revolução. A diferença é radical.

Eis a razão pela qual acredito que a referência de Sémich à “luta revolucionária”, reduzindo o problema nacional a um problema constitucional, não refuta, mas, ao contrário, não faz mais do que confirmar minha opinião de que Sémich “não compreendeu de todo a essência fundamental do problema nacional tal como o colocam os bolcheviques”, uma vez que não compreendeu que o problema nacional não deve ser considerado isoladamente, mas em conexão indissolúvel com o problema do triunfo da revolução, como parte integrante do problema geral da revolução.

Ao insistir nisso, não quero dizer que expus algo de novo sobre o erro de Sémich com relação a esse problema. De modo algum. Sobre esse erro de Sémich já havia falado ao camarada Manuilski no V Congresso da Internacional Comunista, quando dizia que:

“Em seu folheto O problema nacional à luz do marxismo e numa série de artigos publicados em Radnik, órgão do Partido Comunista iugoslavo, Sémich destaca, como palavra de ordem prática para o Partido Comunista, a luta pela revisão da Constituição, isto é, reduz de fato todo o problema da autodeterminação das nações a um terreno exclusivamente constitucional” (v. as notas taquigráficas do V Congresso, pág. 596).

Sobre esse mesmo erro falava Zinóviev na Comissão Iugoslava, dizendo:

“Desse modo, na perspectiva de Sémich não falta senão uma pequena coisa: a revolução”, e o problema nacional é um problema “revolucionário e não constitucional” (v. Pravda, n. 83).

Não é possível que todas essas observações dos representantes do PCR na Internacional Comunista sobre os erros de Sémich constituam casualidade privada de fundamento. Não há fumaça sem fogo.

Isso é o que ocorre com o erro primeiro e fundamental de Sémich.

Seus outros erros derivam diretamente desse erro fundamental.

Sobre o segundo problema eu afirmava em meu discurso (v. Bolshevik, n. 7) que Sémich “não quer considerar o problema nacional como um problema camponês em essência”.

Estará isso certo?

Lede o seguinte trecho do discurso pronunciado por Sémich na Comissão Iugoslava, e julgai vós mesmos:

“Em que consiste — pergunta Sémich — o sentido social do movimento nacional na Iugoslávia?” E aí mesmo responde: “Esse conteúdo social consiste na luta de concorrência entre o capital sérvio, de um lado, e o croata e esloveno, de outro” (v. o discurso de Sémich na Comissão Iugoslava).

Naturalmente não pode haver dúvida de que a luta de competição entre a burguesia croata e eslovena e a burguesia sérvia não pode deixar de desempenhar nisso determinado papel. Mas é igualmente indubitável que quem vê o sentido social do movimento nacional na luta de concorrência entre burguesias de diferentes nacionalidades, . não pode considerar o problema nacional como um problema camponês em essência. Em que consiste a essência do problema nacional no momento atual, quando tal problema se converteu, de problema estatal interno e de caráter local, em um problema mundial, no problema da luta das colônias e dos países dependentes contra o imperialismo? A essência do problema nacional consiste, no momento atual, na luta das massas populares das colônias c dos países dependentes contra a exploração financeira, contra a sujeição política e a despersonalização cultural dessas colônias e dessas nacionalidades por parte da burguesia imperialista da nacionalidade dominante. Que significado pode ter, ante essa apresentação do problema nacional, a luta de concorrência entre burguesias de diferentes nacionalidades? Indubitavelmente uma influência não decisiva e, em certos casos, nem sequer de importância. É inteiramente evidente que aqui se trata, fundamentalmente, não de que a burguesia de uma nacionalidade derrote ou possa derrotar na luta de concorrência a burguesia de outra nacionalidade, mas de que o grupo imperialista da nacionalidade dominante explora e oprime a maioria e, sobretudo, as massas camponesas das colônias e dos países dependentes, e, ao explorá-las e oprimi-las, atiça-as à luta contra o imperialismo, converte-as em aliados da revolução proletária. Não é possível considerar o problema nacional como um problema camponês em essência se o sentido social do movimento nacional se reduz à luta de concorrência entre burguesias de nacionalidades diferentes. E, ao contrário, não é possível ver o sentido social do movimento nacional na luta de concorrência entre burguesias de nacionalidades diferentes se se considera o problema nacional como um problema camponês em essência. Não se pode, de modo algum, estabelecer uma igualdade entre essas duas fórmulas.

Sémich recorre a um trecho do folheto de Stálin O marxismo e o problema nacional, escrito em 1912. Nele se diz que "a luta nacional é uma luta das classes burguesas entre si”. Certamente, com isso, Sémich tenciona aludir à justeza de sua fórmula determinante do sentido social do movimento nacional nas presentes condições históricas. Mas o folheto de Stálin foi escrito antes da guerra imperialista, quando o problema nacional não constituía ainda, a juízo dos marxistas, um problema de significação mundial, quando a reivindicação fundamental dos marxistas sobre o direito de autodeterminação era considerada não como parte da revolução proletária, mas como parte da revolução democrático-burguesa. Seria ridículo perder de vista que, desde então, mudou radicalmente a situação internacional, que a guerra, de um lado, e a Revolução de Outubro na Rússia, de outro, transformaram o problema nacional, convertendo-o, de parte integrante da revolução democrático-burguesa, em parte integrante da revolução proletária socialista. Já em outubro de 1916, em seu artigo Balanço da discussão sobre a autodeterminação, Lênin dizia que o direito de autodeterminação, ponto básico do problema nacional, havia deixado de ser parte do movimento democrático geral e se havia convertido em parte integrante da revolução socialista de todo o proletariado. Não quero referir-me às obras ulteriores sobre o problema nacional, tanto de Lênin como de outros representantes do comunismo russo. Que significado pode ter, depois disso tudo, a referência de Sémich ao trecho indicado do folheto de Stálin, escrito no período da revolução democrático-burguesa na Rússia, agora, quando, em virtude da nova situação histórica, entramos numa nova época, na época da revolução proletária mundial? Apenas pode ter uma significação, a de que Sémich faz as citações fora do tempo e do espaço, independentemente da situação histórica real, violando com isso as exigências mais elementares da dialética e sem se lembrar de que o que é acertado em situação histórica pode tornar-se desacertado em outra. Já disse em meu discurso, pronunciado na Comissão Iugoslava, que, na colocação do problema nacional pelos bolcheviques russos, é preciso distinguir duas etapas: a etapa anterior a Outubro, quando se tratava da revolução democrático-burguesa e o problema nacional era considerado como parte do movimento democrático geral, e a etapa de Outubro, quando se tratava já da revolução proletária e o problema nacional se convertera em parte integrante da revolução proletária. Deve-se demonstrar que essa diferença tem importância decisiva. Temo que Sámich não haja compreendido ainda o sentido e a importância dessa diferença entre as duas etapas, na colocação do problema nacional.

Essa é a razão pela qual creio que, na intenção de Sémich de considerar o movimento nacional não como um problema camponês em essência, mas como o problema da concorrência entre burguesias de nacionalidades diferentes, “vai implícito o menosprezo da fôrça do movimento nacional e a incompreensão de seu caráter profundamente popular e profundamente revolucionário” (v. Bolchevik, n. 7).

Isso é o que ocorre com o segundo erro de Sémich.

É característico o fato de que, em seu discurso pronunciado na Comissão Iugoslava, Zinóviev diz o mesmo sobre esse erro de Sémich:

“É falsa a afirmação de Sémich de que o movimento camponês na Iugoslávia está dirigido pela burguesia e que, por esse motivo, não é um movimento revolucionário” (v. Pravda, n. 83).

Será casual essa coincidência? Evidentemente, não.

Uma vez mais, repito: não há fumaça sem fogo.

Finalmente, sobre o terceiro problema, eu afirmava que Sémich realiza “o propósito de tratar o problema nacional na Iugoslávia fora de suas conexões com a situação internacional e com as prováveis perspectivas na Europa”.

Estará isso certo?

Sim, está. Pois, em seu discurso, Sémich não fez a menor alusão ao fato de que a situação internacional nas condições atuais, particularmente no que diz respeito à Iugoslávia, é fator importantíssimo na solução do problema nacional. O fato de que o próprio Estado iugoslavo se tenha formado como resultado da coalizão das duas coligações imperialistas fundamentais e o de que a Iugoslávia não pode sair do grande jogo de fôrças imperialistas dos Estados circunvizinhos, tudo isso ficou fora do campo visual de Sémich. A afirmação de Sémich, ao dizer que concebe perfeitamente determinadas mudanças da situação internacional, em virtude das quais o problema da autodeterminação pode converter-se em problema de atualidade prática, deve ser considerada atualmente, na presente situação internacional, como afirmação que já não é suficiente. Não se trata agora, de maneira alguma, de reconhecer, ante determinadas modificações da situação internacional, que a atualidade do direito das nações à autodeterminação tenha um futuro possível e distante. Em caso de necessidade, poderiam reconhecê-lo agora, como perspectiva, mesmo os democratas burgueses. Não se trata disso, mas de não converter as atuais fronteiras do Estado iugoslavo, fronteiras criadas como resultado de guerras e violências, no ponto de partida e na base legal da solução do problema nacional. Das duas uma: ou o problema da autodeterminação nacional, isto é, o da modificação radical das fronteiras da Iugoslávia, é um apêndice do programa nacional, que se delineia palidamente em futuro distante, ou tal problema é a base do programa nacional. É evidente que, em todo o caso, o ponto relativo ao direito de autodeterminação não pode ser simultaneamente um apêndice e a base do programa nacional do Partido Comunista iugoslavo. Temo entretanto que, apesar disso, Sémich continue considerando o direito de autodeterminação como um apêndice em perspectiva do programa nacional.

Essa é a razão por que acho que Sémich separa o problema nacional do conjunto da situação internacional, por que o problema da autodeterminação, isto é, o da modificação das fronteiras da Iugoslávia, não constitui para ele, em essência, um problema atual, mas um problema acadêmico.

Isso é o que ocorre com o terceiro erro de Sémich.

É característico o fato de que, em seu informe pronunciado no V Congresso da Internacional Comunista, o camarada Manuilski haja dito o mesmo desse erro de Sémich:

“A característica fundamental de todo o delineamento do problema nacional por Sémich é a ideia de que o proletariado deve considerar o Estado burguês com as fronteiras que por ele foram estabelecidas numa série de guerras e violências(1) (v. notas taquigráficas do V Congresso da Internacional Comunista, pág. 597).

Pode isso ser considerado coincidência? Evidentemente não.

Uma vez mais repito: não há fumaça sem fogo.


Notas de rodapé:

(1) Grifado por mim. — J. St. (retornar ao texto)

Inclusão