Exposição do Problema Nacional

J. V. Stálin

8 de Maio de 1921


Primeira Edição: "Pravda”, número 98, 8 de maio de 1921.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1946. Tradução de Brasil Gerson. Pág: 145-152.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.

capa

A exposição do problema nacional pelos comunistas difere essencialmente da dos homens da II Internacional e da Internacional segunda e meia(1), de todos e de cada um dos partidos "socialistas”, “social-democratas”, mencheviques, social-revolucionários, etc.

É de particular importância assinalar quatro fatores fundamentais como traços diferenciais mais característicos da nova exposição do problema nacional, e que estabelecem a separação entre a velha e a nova concepção do problema nacional.

O primeiro fator é a fusão do problema nacional, como parte, com o problema da emancipação das colônias, como todo. Na época da II Internacional, o problema nacional se limitava geralmente a um círculo reduzido de problemas, que afetavam unicamente as “nações civilizadas”. Irlandeses, tchecos, polacos, finlandeses, sérvios, armênios, judeus e algumas outras nacionalidades da Europa — tal era o círculo de nações que não gozam da plenitude de seus direitos e cuja sorte interessava à II Internacional. Dezenas e centenas de milhões de pessoas pertencentes aos povos asiáticos e africanos, que suportam a opressão nacional na forma mais brutal e mais cruel, ficavam comumente fora do campo visual dos “socialistas”. Não se atreviam a colocar no mesmo plano os brancos e os de pele escura, os negros “incultos” e os irlandeses “civilizados”, os hindus “atrasados” e os polacos “ilustrados”. Ainda que fosse necessário lutar pela emancipação das nacionalidades europeias que não gozam da plenitude dos seus direitos, não seria digno de um “socialista decente” — é o que se pressupunha tacitamente — falar a sério da emancipação das colônias, “indispensáveis” à “manutenção” da “civilização”. Esses socialistas — que me perdoem por assim chamá-los — não suspeitavam nem remotamente que a abolição do jugo nacional na Europa não é concebível sem a emancipação dos povos coloniais da Ásia e da África do jugo do imperialismo; que o primeiro se acha organicamente ligado ao segundo. Os comunistas foram os primeiros a pôr a descoberto a relação existente entre o problema nacional e o problema das colônias; deram-lhe um fundamento teórico e colocaram-na na base de sua prática revolucionária. Com isso veio abaixo o muro que se levantava entre os brancos e os negros, entre os escravos “cultos” e “incultos” do imperialismo. Esta circunstância facilitou consideravelmente a coordenação da luta das colônias atrasadas com a luta do proletariado avançado contra o inimigo comum, contra o imperialismo.

O segundo fator é a substituição da vaga palavra do direito das nações à autodeterminação pela clara palavra revolucionária do direito das nações e das colônias à separação estatal, à formação de um Estado independente. Referindo-se ao direito da autodeterminação, os homens da II Internacional, de modo geral, nada diziam sobre o direito à separação estatal; o direito da autodeterminação se interpretava, no melhor dos casos, como o direito à autonomia geral. Os “especialistas” do problema nacional, Springer e Bauer, chegaram ao extremo de converter o direito de autodeterminação no direito das nações oprimidas da Europa à autonomia cultural, isto é, no direito de ter suas instituições culturais, deixando todo o poder político (e econômico) em mãos das nacionalidades dominantes. Em outros termos, o direito de autodeterminação das nações que não gozam da plenitude dos seus direitos ficava convertido no privilégio das nações dominantes de deter o Poder político; o problema da separação total era excluído. O chefe ideológico da II Internacional, Kautsky, aderiu no fundamentai a esta interpretação, imperialista na sua essência, dada por Springer e Bauer à autodeterminação. Não é de estranhar que, havendo percebido esta particularidade, cômoda para eles, da palavra da autodeterminação, tenham os imperialistas resolvido proclamá-la como sua. É sabido que a guerra imperialista, que buscava a submissão dos povos, era levada a cabo sob a bandeira da autodeterminação. Deste modo a vaga palavra da autodeterminação se transformou, de arma de luta pela libertação das nações e pela igualdade das mesmas, em instrumento de submissão das nações, instrumento para manter as nações subordinadas ao imperialismo. O curso dos acontecimentos em todo o mundo durante os últimos anos, a lógica da revolução na Europa e» finalmente, o crescimento do movimento de emancipação nas colônias exigiam que esta palavra, que se havia tornado reacionária, fosse riscada e substituída por outra revolucionária, capaz de dissipar a desconfiança das massas laboriosas das nações que não gozam da plenitude dos seus direitos nos proletários das nações dominantes, capaz de desobstruir o caminho que conduz à igualdade das nações e à unidade dos seus trabalhadores. Essa é a palavra exposta pelos comunistas no que diz respeito ao direito à separação estatal das colônias e das nações que não gozam da plenitude de seus direitos. O mérito dela está em que:

  1. destrói todas os fundamentos para a suspeita da existência de apetites de anexação nos trabalhadores de uma nação com respeito aos trabalhadoras de outra e, por conseguinte, prepara o terreno para uma confiança recíproca e para a união livremente consentida;
  2. arranca a máscara aos imperialistas que falam hipocritamente de autodeterminação, mas que procuram manter subordinados, que procuram reter dentro dos marcos do seu Estado imperialista os povos que não? gozam da plenitude de seus direitos e as colônias, estimulando com isso sua luta de emancipação contra o imperialismo.

Não teríamos decerto necessidade de demonstrar que os operários russos não conquistariam a simpatia dos seus camaradas de outras nacionalidades do Ocidente e do Oriente se, ao tomar o Poder, não houvessem proclamado o direito dos povos à separação estatal, se não houvessem comprovado de fato sua disposição de levar à prática esse direito imprescritível dos povos, se não houvessem renunciado ao “direito” — citemos como exemplo — sobre a Finlândia (1917), se não houvessem retirado suas tropas da Pérsia setentrional (1917), se não houvessem renunciado às pretensões sobre certas partes da Mongólia, China, etc., etc.

É igualmente indubitável que, se a política dos imperialistas, habilmente dissimulada sob a bandeira da autodeterminação, apesar de tudo tem experimentado fracasso sobre fracasso nos últimos tempos, no Oriente é porque, entre outras coisas, ela tropeçou ali com o crescente movimento de emancipação, desenvolvido à base da agitação levada a efeito segundo o espírito do direito dos povos à separação estatal. Isso é o que não compreendem os heróis da II Internacional e da Internacional segunda e meia, que difamam com tanta insistência o “Conselho de ação e propaganda”(2) de Bacu por certas falhas, não substanciais, cometidas por ele; mas isso há de compreender quem quer que seja que tome o cuidado de inteirar-se das atividades desse “Conselho” durante o ano de sua existência e do movimento de emancipação nas colônias asiáticas e africanas durante os últimos dois ou três anos.

O terceiro fator é ter posto a descoberto a conexão, a ligação orgânica existente entre o problema nacional-colonial e o problema do poder do capital, da derrubada do capitalismo, da ditadura do proletariado. Na época da II Internacional, o problema nacional, cujas dimensões haviam sido reduzidas ao extremo, era examinado geralmente como um problema em si, fora de suas relações com a futura revolução proletária. Pressupunha-se tacitamente que o problema nacional ia ser resolvido de modo “natural”, antes da revolução proletária, mediante uma série de reformas dentro dos marcos do capitalismo; que a revolução proletária podia ser levada a cabo sem uma solução cardeal do problema nacional, e que, pelo contrário, o problema nacional podia ser resolvido sem a derrubada do poder do capital, sem a vitória da revolução proletária e antes dela. Este conceito das coisas, imperialista na sua essência, destaca-se ao largo das conhecidas obras de Springer e Bauer sobre o problema nacional. Mas o último decênio pôs a nu tudo quanto há de errado e de podre neste conceito do problema nacional. A guerra imperialista demonstrou e a prática revolucionária dos últimos anos confirmou uma vez mais que:

  1. os problemas nacional e colonial são inseparáveis do problema da emancipação diante do poder do capital;
  2. o imperialismo (forma superior do capitalismo) não pode existir sem o subjugamento político e econômico das colônias e das nações que não gozam da plenitude dos seus direitos;
  3. as colônias e as nações que não gozam da plenitude dos seus direitos não podem ser emancipadas sem a derrubada do poder do capital;
  4. a vitória do proletariado não pode ser uma vitória firme sem que se emancipem da opressão do imperialismo as colônias e as nações que não gozam da plenitude dos seus direitos.

Se a Europa e a América podem ser chamadas a frente, o palco dos principais combates entre o socialismo e o imperialismo, as nações que não gozam da plenitude dos seus direitos e as colônias, com suas matérias-primas, seu combustível, seus produtos alimentícios e suas enormes reservas de material humano, devem ser consideradas como a retaguarda, como a reserva do imperialismo. Para ganhar a guerra, não só é preciso vencer na frente, mas também revolucionar a retaguarda do inimigo, suas reservas. Por isso, só se poderá considerar assegurada a vitória da revolução proletária mundial no caso de o proletariado coordenar sua própria luta revolucionária com o movimento de emancipação das massas laboriosas das colônias e das nações que não gozam da plenitude dos seus direitos, movimento contra o poder dos imperialistas, pela ditadura do proletariado. Esta “minúcia” é a que não foi levada em conta pelos homens da II Internacional e a Internacional segunda e meia, ao separarem o problema nacional e colonial do problema do Poder na época da crescente revolução proletária no Ocidente.

O quarto fator é a introdução de um novo elemento no problema nacional, o elemento da igualação efetiva (e não só jurídica) das nacionalidades (prestar concurso e ajudar as nacionalidades atrasadas a se elevarem ao nível cultural e econômico das que passaram adiante delas) , como uma das condições necessárias para o estabelecimento da colaboração fraternal entre as massas laboriosas das distintas nacionalidades. Na época da II Internacional limitavam-se geralmente a proclamar a “igualdade nacional de direitos”; no melhor dos casos não se ia além da reivindicação em que se pedia a realização prática dessa igualdade. Mas a igualdade nacional de direitos, que, em si, é uma conquista política de grande importância, corre no entanto o risco de ficar reduzida a uma palavra vazia, se não existirem as possibilidades e os recursos suficientes para se poder utilizar esse direito de extraordinária importância. É fora de dúvida que as massas trabalhadoras dos povos atrasados serão impotentes para fazer uso dos direitos que lhes confere a “igualdade nacional de direitos”, à medida que deles também não se utilizarem as massas trabalhadoras das nacionalidades avançadas: a desigualdade entre as nacionalidades (cultural, econômica), herdada do passado e que não pode ser liquidada no espaço de um ou dois anos, se faz sentir. Esta circunstância aparece com particular intensidade na Rússia, onde uma série de nacionalidades não teve tempo de passar pelo desenvolvimento capitalista, e onde outras nem sequer ingressaram nele, e não possuem ou mal possuem proletariado próprio; onde, apesar da completa igualdade nacional de direitos, que se concretizou, as massas laboriosas dessas nacionalidades têm sido impotentes, em virtude do seu atraso cultural e econômico, para utilizar os direitos adquiridos. Esta desigualdade far-se-á sentir com maior intensidade ainda “no dia seguinte” ao da vitória do proletariado no Ocidente, quando entrarem inevitavelmente em cena as muitas e atrasadas colônias e semi-colonias, situadas nos mais diversos graus de desenvolvimento. Daqui, precisamente, a necessidade de que o proletariado triunfante das nações avançadas acuda em socorro, socorro real e prolongado, das massas trabalhadoras das nacionalidades atrasadas, para o seu desenvolvimento cultural e econômico; a necessidade de ajudá-las a elevar-se ao grau superior de desenvolvimento, a alcançar as nacionalidades que se adiantaram. Sem esta ajuda é impossível organizar a convivência pacífica e a colaboração fraternal dos trabalhadores de nações e povos diversos numa só economia mundial, condições tão necessárias para a vitória definitiva do socialismo.

Daqui se deduz, porém, que é impossível limitar-nos à simples “igualdade nacional de direitos”, que é preciso passar da “igualdade nacional de direitos” às medidas destinadas à nivelação efetiva das nacionalidades, à elaboração e execução das disposições práticas para:

  1. estudar a situação econômica, a vida e a cultura dos povos e nações atrasados;
  2. desenvolver sua cultura;
  3. instruí-los politicamente;
  4. incorporá-los gradual e insensivelmente às formas superiores da economia;
  5. organizar a colaboração econômica entre os trabalhadores das nações atrasadas e os das adiantadas.

Tais são os quatro fatores fundamentais que caracterizam a nova exposição do problema nacional pelos comunistas.


Notas de rodapé:

(1) Segunda e meia Internacional é como foi chamada a união internacional de partidos socialistas constituída em Viena em fevereiro de 1921, por uma série de partidos (entre os quais os mencheviques russos) saídos temporariamente da II Internacional no período do ascenso revolucionário. Essa união era dirigida por F. Adler, O. Bauer, L. Martov e outros. O objetivo da segunda e meia Internacional era contrabalançar a influência cada vez maior da Internacional Comunista entre as massas operárias, que se haviam afastado da desprestigiada II Internacional. Em 1923 a Internacional segunda e meia voltou a unir-se à II Internacional. (retornar ao texto)

(2) O Conselho de Propaganda e Ação dos Povos do Oriente foi criado em setembro de 1940, no Congresso dos Povos do Oriente, que se reuniu em Bacu, e o seu objetivo era organizar a propaganda, apoiar e unificar o movimento de emancipação no Oriente, para a luta contra o imperialismo, com a palavra de ordem da revolução proletária mundial. A sua existência durou aproximadamente um ano. Editava o seu órgão de imprensa, Os Povos do Oriente, em russo, turco, persa e árabe. (retornar ao texto)

Inclusão