Em Memória do Camarada G. Télia(1)

J. V. Stálin

29 de Março de 1907


Primeira Edição: “Dro” (“O Tempo”), n.° 19. 29 de março de 1907.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 2º vol., pág: 35-39, Editorial Vitória, 1952 – traduzida da 2ª edição italiana G. V. Stalin - "Opere Complete", vol. 2 - Edizioni Rinascita, Roma, 1951.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo
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capa

Nos nossos círculos partidários entrou em vigor o costume de se fazerem elogios desmedidos dos companheiros desaparecidos. Silenciar sobre as debilidades e exagerar os lados positivos é a característica dos necrológios que se fazem atualmente. Essa, naturalmente, não é uma prática justa e não queremos segui-la. Do camarada G. Télia queremos dizer somente a verdade; queremos que o leitor conheça o camarada Télia como ele era na realidade. E a realidade diz-nos que ele era, como operário avançado e como militante, um homem sem mácula, precioso para o Partido. Tudo o que caracteriza essencialmente o Partido Social-Democrata: sede de saber, independência, progresso contínuo, firmeza, amor ao trabalho, força moral, tudo isso se personificava na figura do camarada Télia. Ele encarnava as melhores qualidades do proletário. Não é exagero. É o que vai mostrar-nos sua breve biografia.

O camarada Télia não pertencia à categoria dos “doutos”. Instruiu-se por si mesmo e formou para si uma consciência. Partindo da aldeia de Tchagani (nascera nessa aldeia do distrito de Kutais), encontrou trabalho como doméstico junto a uma família de Tiflís. Aprendeu a falar o russo e dedicou-se com ardor à leitura. Mas bem depressa cansou-se do trabalho de doméstico e entrou para as oficinas ferroviárias, na seção de marcenaria. Essas oficinas prestaram-lhe grande serviço, foram a sua escola: ali tornou-se um social-democrata, apurou as suas qualidades e revelou-se um combatente firme, um operário consciente e capaz.

Em 1900-1901, já se distinguia entre os operários como um dos chefes dignos de tal nome. Desde a época da demonstração de 1901, em Tiflís(2), o camarada Télia não conheceu mais o repouso. Intensa atividade de propagandista, criação de organizações, participação em reuniões importantes, trabalho tenaz para adquirir uma educação socialista: eis como empregava todo o seu tempo livre. A polícia perseguia-o, procurava-o “com a lanterna”, porém tudo isso não fazia senão redobrar-lhe a energia e a sede de luta. O animador da demonstração de 1903 (em Tiflís)(3) foi o camarada Télia. Embora a polícia andasse no seu encalço, ele hasteou a bandeira, pronunciou um discurso. Após essa demonstração, passa completamente para a ilegalidade. A partir daquele ano, por incumbência do organismo, começa a “viajar” pelas diversas cidades da Transcaucásia. Sempre em 1903, ainda por incumbência do organismo, dirige-se a Batum para ali organizar uma tipografia ilegal. Mas assim que chega é preso na estação com todos os aprestos para a tipografia e, pouco depois, transferido para as prisões de Kutais. A partir desse momento começa um novo período de sua vida “irrequieta”. O ano e meio de prisão não transcorre sem deixar traços nele. A prisão torna-se para ele uma segunda escola. Por meio de lições regulares, com a leitura de livros socialistas e com a participação nas discussões, enriqueceu notavelmente a sua bagagem intelectual. Aí se formou definitivamente aquele inflexível caráter revolucionário que muitos de seus companheiros lhe invejavam. Porém essa prisão significou para ele a morte, foi a causa da doença mortal (a tísica), que devia levar ao túmulo o nosso melhor companheiro.

Télia sabia que a sua saúde estava minada por uma doença que não perdoa, mas não se alarmava com isso. Uma só coisa o inquietava: “a vida ociosa e a inatividade”. “Quando virá o dia em que terei espaço onde mover-me à vontade e verei de novo a massa do povo, voltarei a meu lugar no meio dela e por-me-ei a servi-la”: eis com o que sonhava o nosso camarada enquanto estava no cárcere. E esses sonho realizou-se. Depois de um ano e meio transferiram-no para a “pequena” prisão de Kutais, da qual logo fugiu para reaparecer em Tiflís. Naquele período verificava-se a cisão no Partido. O camarada Télia aderiu então aos mencheviques, mas não se assemelhava em nada àqueles mencheviques “oficiais” que julgam o menchevismo um “corão”, a si mesmos ortodoxos e aos bolcheviques descrentes. Não se assemelhava tampouco àqueles operários “avançados” que se acreditam “social-democratas desde o, nascimento” e crassos ignorantes como são, tornam-se ridículos gritando: “Não sabemos que fazer com a ciência; somos operários!”. A qualidade característica de Télia era constituída precisamente pelo fato de que ele era hostil ao fanatismo fracionista, desprezava com toda a alma a imitação cega e a tudo queria chegar com o próprio raciocínio. Eis por que, fugido do cárcere, leu com avidez os livros Atas do II Congresso, O Estado de Sítio, de Mártov, Que Fazer? e Um Passo Adiante(4), de Lênin. Era preciso ver Télia, pálido e macilento, imerso nos seus livros, dizer sorrindo: “Como vejo, não é tão fácil decidir ser bolchevique ou menchevique; enquanto não tiver estudado estes livros, o meu menchevismo está construído sobre a areia”. E eis que o camarada Télia, apôs haver estudado as publicações fundamentais e haver meditado sobre as discussões entre os bolcheviques e mencheviques, compreendeu bem as coisas, e só depois de havê-lo feito, disse: “Eu, companheiros, sou um bolchevique; segundo penso, quem não é bolchevique trai indubitavelmente o espírito revolucionário do marxismo”.

Então Télia se torna um apóstolo do marxismo revolucionário (bolchevismo). Por decisão do organismo, em 1905 dirige-se a Baku. Instalação de uma tipografia, início do trabalho dos organismos de quarteirão, participação no organismo dirigente, envio de artigos ao Proletariatis Brdzola:(5) eis de que se ocupa em Baku o camarada Télia. Durante a conhecida prisão em massa, também daquela vez “escapuliu” e apressou-se a retornar a Tiflís. Após haver trabalhado algum tempo no organismo dirigente da cidade, participou da conferência bolchevique de toda a Rússia em Tammerfors, em 1905. Interessantes as suas impressões sobre essa conferência. Ele olhava com grandes esperanças para o porvir do Partido, e com os olhos a brilhar dizia: “Por este Partido não pouparei as minhas últimas forças”. Mas a desventura quis que logo após sua volta à Rússia fosse obrigado a pôr-se de cama para nunca mais levantar-se. Só então começou seriamente a sua atividade literária. Durante a sua doença, escreveu: O que nos é necessário (vide Akhali Tskhovreba)(6), Velhos e Novos Cadáveres (resposta a A. Jorjadze), Anarquismo e Social-Democracia, Por que nos chamam de blanquistas(7), e outras obras.

Nos últimos dias escreveu-nos que preparava um folheto sobre a história da social-democracia caucásica, mas a morte implacável arrancou muito cedo a pena das mãos do nosso incansável companheiro.

Tal é o quadro da vida, breve mas tempestuosa, do camarada Télia.

Maravilhosa capacidade, inesgotável energia, independência, profundo amor pela causa, heroica firmeza e natureza de apóstolo: eis o que caracteriza o camarada Télia.

Somente nas fileiras do proletariado encontram-se homens como Télia, só o proletariado gera heróis como Télia; e esses mesmo proletariado procura derrubar o execrado regime de que foi vítima o nosso companheiro, o operário G. Télia.

Assinado: Ko...


Notas de rodapé:

(1) G. P. Télia nasceu em 1880 e morreu em Sukhum a 19 de março de 1907. Seus funerais realizaram-se a 25 de março em Tchagani. (retornar ao texto)

(2) Trata-se da demonstração operária do Primeiro de Maio em Tiflís, dirigida pessoalmente por Stálin. A manifestação teve lugar no Mercado militar, 110 centro da cidade. Dela participaram cerca de 2.000 pessoas e verificaram-se recontros com a polícia e as tropas. Quatorze operários foram feridos, 50 presos. A respeito da demonstração de Tiflís, a Iskra leninista escrevia: “O que aconteceu domingo 25 de abril em Tiflís tem uma grande importância histórica para todo o Cáucaso: desde aquele dia no Cáucaso começou um aberto movimento revolucionário” (Iskra, n.° 6, julho de 1901). (retornar ao texto)

(3) A 23 de fevereiro de 1903 teve lugar uma demonstração dos operários de Tiflís, organizada pelo comitê do P.O.S.D.R. da cidade. Dela participaram cerca de 6.000 pessoas; terminou em recontros com as tropas. Houve 150 prisões. (retornar ao texto)

(4) Vide Lênin, Que fazer?, Editorial Vitória, Rio, 1946, e Lênin, Um passo adiante, dois passos atrás, Editorial Vitória, Rio, 1946. (retornar ao texto)

(5) Proletariatis Brdzola (A Luta do Proletariado), jornal ilegal da União Caucásica do P.O.S.D.R. Publicou-se de abril-maio de 1903 a outubro de 1905 em língua georgiana, armênia e russa. Stálin foi o diretor dele a partir de 1904, após sua volta da deportação. O jornal cessou as publicações após o duodécimo número. (retornar ao texto)

(6) Akhali Tskhovreba (Vida nova), diário bolchevique em língua georgiana. dirigido por Stálin, que se publicou em Tiflis de 20 de junlio a 14 de julho de 1906. Saíram 20 números. (retornar ao texto)

(7) Os últimos dois folhetos não puderam ser publicados porque foram confiscados pela polícia por ocasião de uma busca em seu domicílio. (retornar ao texto)

Transcrição
pcr
Inclusão 11/10/2019