Derrapagem

Francisco Martins Rodrigues

Novembro/Dezembro de 2007


Primeira Edição: Política Operária, nº 112, Nov-Dez 2007

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Bem pode o Governo exibir uma tranquila indiferença perante a jornada de 30 de Novembro — a greve nacional da Função Pública, apesar das suas limitações, fez mossa, mostrou que alastra o descontentamento. Bem podem as sondagens registar uma sólida popularidade do primeiro-ministro — o crédito do governo entrou em derrapagem. E os primeiros ensaios de mão dura policial mostram que Sócrates está consciente de uma resistência que vai subir e que precisa atalhar.

Já lá vai o tempo em que todos baixavam as orelhas quando Sócrates reclamava sacrifícios para controlar o défice das contas públicas. Agora são tantos os casos de corrupção e alto negócio que diariamente vêm a público, o estilo de vida das classes ociosas está tão a nu que a paciência dos de baixo começa a esgotar-se. Não só a dos militantes; a dos precários, a dos que sobrevivem com 430 euros/mês, dos reformados a 200 euros, dos desempregados a 150 euros...

Carvalho da Silva explicou pela centésima vez na televisão, no seu modo persuasivo, que se não se pagarem salários decentes, a economia não se desenvolve, não há mercado, o país não sai da crise, será mau para todos. Tem toda a razão. Então porque é que patrões e governantes não o entendem?

É quê há momentos em que à lógica da razão tem que se juntar a lógica da força. Que importa ao governo e à classe burguesa que os trabalhadores se sintam cheios de razão se essa razão não se manifestar em actos mais convincentes do que um dia de greve? Vão continuar assim enquanto os deixarmos.

Explicam os espertalhões, conciliadores, que os trabalhadores têm toda a razão, mas que se lhe há-de fazer? Os capitalistas não investem se não virem boas perspectivas de lucro — o que significa salários baixos, altos ritmos de trabalho, desemprego... É certo. Por isso os comunistas dizem que vivemos sob uma ditadura da burguesia. Que já não se atura.


Inclusão 26/08/2019