O “Novo Socialismo” da UDP

Francisco Martins Rodrigues

Setembro/Outubro de 2006


Primeira Edição: Política Operária nº 106, Set-Out 2006

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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É bem conhecida a saudável competição cm que se empenham as três forças constituintes do Bloco de Esquerda, cada uma procurando ocupar a dianteira na teorização de uma “esquerda moderna”, à altura do nosso tempo.

A UDP, que até agora fazia fraca figura ao pé do PSR e da Política XXI, vai mostrando que também tem os seus recursos ideológicos. É o que faz neste número de A Comuna n° 12, Julho. Dir. Carlos Santos. Rua de S. Bento, 698, 1250 Lisboa) Renato Soeiro, com as suas “Três notas sobre a questão da alternativa”, redigidas a partir de intervenções por ele proferidas no Fórum Social de Atenas, numas Jornadas de Estudos de Paris e na Conferência Nacional da UDP, em Maio.

A esquerda, observa Soeiro, não está mal de todo na sua função de crítica do que existe. Também marca alguns pontos, embora menos do que o necessário, no campo da resistência. Onde as coisas vão mesmo mal é no capítulo da alternativa. Toda a gente diz: “É claro que há problemas, mas qual é a alternativa? Socialismo da pobreza e da falta de liberdade? Utopias fantasistas? Não, obrigado”. Portanto, se quiser dar o salto e tornar-se um actor histórico transformador, a esquerda tem que ser capaz de oferecer uma alternativa viável e consistente à população.

Assim introduzido o problema, Renato Soeiro avança algumas pistas para a nova alternativa. Ela terá que rejeitar de vez o “socialismo que existiu e que fracassou estrondosamente” e abandonar a “construção pelas vanguardas de modelos a priori que depois imporiam ao conjunto do movimento”. Deverá determinar, de forma objectiva, até que ponto existem na sociedade as condições materiais que permitam ultrapassar as actuais relações capitalistas. E deve regressar a “uma análise materialista histórica que encare a hipótese de desenvolvimento de uma nova formação social a partir dos pressupostos fornecidos pela formação social presente”. Tudo isto coloca muitas interrogações, reconhece, mas, se já não temos Marx nem Lenine, temos em compensação as novas possibilidades criadas pelas redes de investigadores ligados pela Internet.

E por aqui se ficam as explorações de Soeiro em torno da alternativa para a esquerda, com o esclarecimento final de que, embora o conteúdo da alternativa e a estratégia para a alcançar sejam “duas questões do máximo interesse”, esse não é o objectivo do seu artigo. Para que não falte tudo, propõe modestamente um nome para a nova sociedade: será o “novo socialismo”, para se distinguir do “socialismo”, termo associado às experiências desastrosas do século passado, e do “socialismo democrático”, conotado com a social-democracia.

A nossa primeira reacção é perguntar: se Renato Soeiro não tem nada para nos dizer quanto à natureza da nova sociedade nem quanto aos meios para lá chegar, para que diabo escreveu o artigo?

O caso, porém, é que ele diz de facto nas entrelinhas uma porção de coisas do maior interesse. Quando deixa a dúvida sobre se existem as condições materiais que permitam ultrapassar as actuais relações capitalistas está a dizer-nos que o actual nível de concentração de riqueza e de poder destruidor nas mãos de um núcleo capitalista e a agonia da esmagadora maioria da população mundial ainda não chegam para encetar a passagem a outra sociedade. Quando defende que a alternativa deve ser dirigida à “população” em geral e não aos explorados e oprimidos, está a dizer-nos que o quadro da luta de classe contra classe já não serve. Quando idealiza uma alternativa criada por redes de investigadores ligados pela internet e não a partir de “modelos construídos pelas vanguardas” está a recusar o papel de um partido revolucionário como aglutinador da experiência condensada da luta de classes. Quando reclama que a alternativa seja “viável e consistente” está a considerar inviável a via da revolução. Quando rejeita o “socialismo que faliu estrondosamente” está a dizer-nos que as experiências do século passado fracassaram por ter seguido a via revolucionária, não por terem sido insuficientes para instaurar a ditadura do proletariado sobre a burguesia. Quando, finalmente, nos acena com a “hipótese de desenvolvimento de uma nova formação social a partir dos pressupostos fornecidos pela formação social presente” está a repudiar a ideia de que a esquerda só ganha a sua identidade na medida em que avançar na destruição da actual ordem social, e a propor em seu lugar a via da gestação do “novo socialismo” dentro das instituições da sociedade actual.

Revolução, sem convulsões, sem subversão da ordem burguesa. Sabem que esse é um assunto explosivo que lhes pode comprome­ter irremediavelmente o progresso parlamentar. Mas como também não podem assumir-se como social-democratas, têm que arranjar fórmulas evasivas, obscuras, que sugiram uma mudança sem ruptura da ordem estabelecida. É assim que surgem as fórmulas arquicómicas, como a de José Casimiro, na conclusão de um outro artigo neste número da revista: a esquerda tem em vista “uma afirmação do sujeito social na luta por mutações laborais e sociais que afirmem uma globalização alternativa”.


Inclusão 10/06/2018