O Fosso

Francisco Martins Rodrigues

Maio/Junho de 2004


Primeira Edição: Política Operária, nº 95, Maio-Junho 2004

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Entre uma pseudo campanha para um parlamento Inexistente e as euforias futebolísticas, não sobra espaço neste Verão para pensar na nossa vida: o desmantelamento dos serviços sociais, o leilão dos bens do Estado, a Impunidade dos ricos, os dois milhões de pobres, o desemprego, a colaboração em nosso nome numa guerra infame, a transferência de todos os poderes para um directório de multinacionais acima de qualquer controlo, o avanço silencioso e Implacável da máquina de vigilância...

É preciso recuar aos tempos da ditadura para encontrar um fosso tão pronunciado entre a crise geral do país e a estagnação e frivolidade da vida política. Nesse tempo, era a PIDE e a censura que se encarregavam de manter a “normalidade”. E hoje?

Não basta dizer que as liberdades foram esvaziadas, que os partidos de esquerda e sindicatos estão domesticados, que campeia a desmoralização e a alienação. Importa sobretudo entender o que mudou na relação entre as classes para o tornar possível.

E o que mudou foi que a voz das camadas intermédias se ouve agora bem mais alto, enquanto os proletários, desclassificados, precarizados e atomizados, estão reduzidos ao silêncio. Sabemos que a globalização, as novas tecnologias, a revolução da informação abrem caminho à superação do capitalismo. Para Já, porém, projectam a primeiro plano os pequeninos interesses, a tacanhez e a miopia dos que flutuam e oscilam entre as classes antagónicas e receiam mais que tudo a revolução.

Só se devolvermos aos de baixo capacidade para fazer ouvir a sua voz no combate político, criaremos condições para que surjam outros partidos à esquerda, outras lutas, um clima social renovado.


Inclusão 18/08/2019