Histórias do Serviço de Informações Militares

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 1999


Primeira Edição: Política Operária nº 69, Mar-Abr 1999

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Aqui há uns anos, o comandante Serradas Duarte, chefe dos operacionais da Dinfo, teve que se demitir depois de ser apanhado envolvido no recrutamento de uns pistoleiros para os GAL, o bando terrorista da polícia espanhola (por curiosa coincidência, os rapazes contratados para o serviço eram seguranças da embaixada americana). Como é de norma nestes casos, o governo invocou o “segredo de Estado” para abafar a história suja e, mandando para casa o funcionário apanhado com a boca na botija, restituiu à secreta militar a aconselhável pureza.

Inconformado com a “injustiça”, Serradas Duarte ansiava por revelar ao grande público os seus serviços à pátria. Por sorte dele, encontrou na jornalista Paula Serra, da Visão, uma escriba dócil, capaz de passar ao papel a história das suas proezas. E assim nasceu o livro (Dinfo. Histórias secretas do Serviço de Informações Militares, Paula Serra. Dom Quixote, Lisboa, 1998) que, em matéria de “histórias secretas”, não tem grande coisa para contar, mas que mesmo assim vale a pena folhear, apesar do enfado e do asco que causam as gabarolices do nosso chefe espião; nunca é demais perscrutar estes recantos sombrios do famoso “Estado de direito democrático”.

Sem surpresa constatamos que as pesquisas da Dinfo nunca se orientaram para o terrorismo fascista, embora houvesse aí largo campo de investigação. Assim, à campanha bombista da extrema direita (mais de três centenas de bombas lançadas durante dois anos, cabendo só a Ramiro Moreira, o antigo guarda-costas de Sá Carneiro, a autoria de 57 atentados) dedica Serradas Duarte apenas 12 páginas, por uma razão óbvia que expõe com desarmante cinismo: “O julgamento da rede bombista acabaria por esclarecer muito pouco sobre a actuação e as cumplicidades de muitas figuras políticas e militares e de elementos das forças policiais…”. A esta inoperância não foi estranha uma grande simpatia pelas motivações dos bombistas: “A ameaça da extrema direita para a sociedade portuguesa foi muito diminuta quando comparada com o terrorismo da extrema esquerda”, porque o que estava em jogo era “travar a todo o custo o espectro comunista e a estalinização de Portugal”. Está aqui resumido todo o programa das polícias após o 25 de Novembro.

Em contrapartida, largas páginas são dedicadas ao “terrorismo da extrema esquerda”, concretamente ao caso das FP-25, que foram como se sabe uma reacção tardia e inoperante mas justificada ao terrorismo da direita. Aí a Dinfo aplicou-se a fundo, em disputa com a DCCB da Judiciária, para apresentar serviço no desmantelamento da organização. E, quando não tem dados concretos, Serradas Duarte inventa e empola, como na história das ligações internacionais da JAR (Juventude Autónoma Revolucionária), em que vem à baila uma tenebrosa cooperativa agrícola situada nas proximidades de rampas de mísseis no sul de França…

Vêm a seguir as histórias da espionagem soviética em Lisboa, novela hilariante em que, no meio de escutas, perseguições automóveis, encontros clandestinos, almoços em restaurantes de luxo e sinais secretos em viadutos, nada de palpável se apura. Eficiente foi a Dinfo no apoio à Unita e à Renamo, de que Serradas Duarte se gaba sem acanhamento (mas, atenção, só porque sente uma “grande afectividade em relação a África”). Não há dúvida de que a herança da PIDE não se perdeu pelo caminho… De resto, para o nosso espião “democrata”, o grande defeito da PIDE foi nunca ter sido capaz de criar um serviço de informações capaz de infiltrar os movimentos de libertação.

Oficial de fuzileiros durante a guerra colonial na Guiné, expulso de Cabo Verde em 75 por conspirar contra o processo de independência, anticomunista visceral, Serradas Duarte estava naturalmente fadado para uma carreira promissora na nova polícia política da democracia. O seu amadorismo no caso dos GAL custou-lhe caro. Mas não há que desanimar. Pode ser que o regime ainda lhe descubra novas missões patrióticas.


Inclusão