Os Cúmplices de Marx

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 1990


Primeira Edição: Política Operária nº 24, Mar-Abr 1990

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Há neste mundo gente tão atrasada que não entende porque é que os povos de Leste que estão a despedir os seus patrões “comunistas” corruptos precisam, para ser inteiramente felizes, voltar a trabalhar para patrões capitalistas. Dúvida ingénua: está-se mesmo a ver que enquanto os bancos e empresas do Leste não forem privatizados, os direitos humanos desses povos continuam sob ameaça permanente. Está provado que o sistema da propriedade privada e da livre empresa é o grande esteio das “sociedades abertas” e o único antídoto seguro contra o totalitarismo.

Assim o mundo todo vai sendo educado nos bons princípios da democracia. Desde muito jovens todos aprendem que é má educação perguntar porque é que uns hão-de ser proprietários e outros assalariados, ou criticar o direito das pessoas donas de um capital viverem à custa do trabalho alheio, ou pôr em causa a lógica dos salários subirem à medida que as pessoas andam de costas mais direitas. Todos sabem que pensar nessas coisas não faz bem à cabeça e “não leva a parte nenhuma”.

O que faz bem à cabeça é saber gerir eficazmente os “recursos humanos”. O regime de trabalho temporário, escreve por exemplo o sr. Alcides Martins na revista Pessoal, é “um indispensável instrumento de gestão dos recursos humanos na empresa moderna”. “E até mesmo na perspectiva do trabalhador, sempre se dirá que mais vale um emprego de duração precária que emprego nenhum” (!).

A “inadaptação industrial”, explica mais adiante o mesmo sujeito, é uma “desmotivação dos recursos humanos” que resulta do “diferencial entre o responsável pela concepção e o executante. Quando certos conceitos psico-matemáticos descem pelas estruturas organizacionais até ao escalão executante, o operário recalcitra. Aparecem assim os conhecidos problemas salariais e de higiene e segurança do trabalho”. Por isso, o bom gestor de recursos humanos deve saber que “o trabalho mecanizado em cadeia pode gerar absentismo e greves”, manter-se atento à fadiga do operário, que “pode provocar queixas e revolta” e não deixar formar na empresa “a legião dos revoltados”.

É certo que já vai longe o tempo em que os rapazes da António Maria Cardoso se encarregavam a pontapé da educação cívica dos portugueses. Mas, verdadeiramente, na estrutura, as coisas terão mesmo mudado? Estes cientistas em recursos humanos serão muito diferentes, na alma e nas funções, dos pides? A substância desta democracia não é exactamente a mesma arte de espremer o produto excedente do gado humano?

Deixem que os espertos digam e que os parvos acreditem que Marx e Lenine passaram à história e que revolução nunca mais. A revolução não vai acabar porque os inimigos de Marx são os seus melhores cúmplices inconscientes.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2018