Staline em Questão

Francisco Martins Rodrigues

Dezembro de 1989


Primeira Edição: Política Operária nº 7, Nov/Dez 1989
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Para a corrente marxista-leninista nascida nos anos 60, a defesa de Staline era a pedra de toque da fidelidade à revolução.

Contra Staline tinham estado desde sempre as correntes burguesas de todos os matizes, desde a extrema-direita à social-democracia. Contra Staline se tinham levantado os modernos dirigentes soviéticos, no preciso momento em que descobriam a "via pacífica para o socialismo" e a cooperação com os imperialistas para a "defesa da paz". Os "crimes de Staline" eram (como hoje são) o argumento infalível para sucessivas gerações de arrependidos do comunismo fazerem agulha para os "valores democráticos ocidentais" e se porem ao serviço da burguesia. Podia haver melhor prova de que Staline pertencia ao campo da revolução?

Seguir as pisadas de Staline era manter a linha da revolução de Outubro, a vigilância operária de classe. Os erros que Staline pudesse ter cometido eram secundários.

Porém, à medida que tentávamos apropriar-nos da tradição do bolchevismo ia-se acumulando a evidência de que não se tratava de erros: o stalinismo era diferente do leninismo. E não bastava Staline ser atacado pela direita para ter razão.

Não era leninista a política das Frentes Populares, a dissolução da Internacional, a teoria da democracia popular, a luta pela paz no lugar da luta pela revolução. Não eram leninistas os fuzilamentos sumários de oposicionistas, a asfixia "monolítica" da vida interna do partido, a simplificação escolástica do marxismo. Não eram leninistas as concessões e compromissos que, sob a aparência de uma férrea dureza ultrabolchevique, tinham preparado a transição da União Soviética para o capitalismo de Estado e do movimento comunista para o revisionismo.

O dilema a que a corrente marxista-leninista nasceu aprisionada — ou defender Staline ou cair no oportunismo — perdeu para nós o sentido à medida que o stalinismo se perfilou nos seus reais contornos de etapa intermédia, centrista, contraditória, na lenta degeneração burguesa da URSS e do movimento comunista.

E a sua aplicação moderna serviu-nos de contraprova: em vez do anunciado "retorno ao leninismo", viu-se como os chamados partidos marxistas-leninistas, sob a fachada de um anti-revisionismo virulento, de um obreirismo radical e de uma disciplina à Staline, não foram além de uma tímida política mista operária/pequeno-burguesa que os arrasta de novo para o grande mar do reformismo.

A partir daí já não podia haver dúvida de que a resposta ao anti-stalinismo de direita não se conseguia erguendo trincheiras à volta de Staline mas empreendendo a sua crítica pela esquerda.

Tarefa inadiável, porquanto a questão de Staline não é meramente histórica. Nenhum programa que mereça o nome de comunista pode ser traçado na época actual sem uma tomada de posição clara sobre a natureza social, política e ideológica do stalinismo. Só essa crítica pode arredar os obstáculos que há meio século bloqueiam o renascimento do marxismo porque só ela pode libertar a classe operária da incerteza em que caiu quanto à sua capacidade para fazer uma revolução autenticamente socialista.

Neste número de Política Operária iniciamos essa reavaliação de Staline e do stalinismo. Não à maneira dos liberais, que procuram pretextos para se converterem à ordem estabelecida, com mais ou menos tintas reformistas. Não à maneira dos revisionistas, que ocultam, sob a cortina do "culto da personalidade", o nascimento do capitalismo de Estado. Mas à maneira revolucionária marxista, que se inspira nos interesses da classe operária para levar sempre mais longe o combate ao capitalismo. Os leitores dirão se o conseguimos.

Leia outros artigos do autor sobre Staline (lista não exaustiva):
Notas sobre Staline
Staline de Novo
O Pacto Hitler-Staline foi a Causa da Guerra?
Ainda Não Estou Bem Desestalinizado
Stalinismo ou Comunismo?
Novas Lições da Revolução Russa (Elementos para uma plataforma comunista) (II)
Novas Lições da Revolução Russa (Elementos para uma plataforma comunista) (III)
A Derrota de Lenine
A Revolução que não Pôde ser Socialista
Ainda Sobre Estaline


Inclusão 11/08/2018