O Pacto Hitler-Staline foi a Causa da Guerra?

Francisco Martins Rodrigues

Setembro/Outubro de 1989


Primeira Edição: Política Operária nº 21, Set/Out 1989
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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O cinquentenário do pacto germano-soviético foi pretexto para novas variações em torno do mesmo tema: ao partilhar traiçoeiramente a Polónia com Hitler, Staline ter-se-ia tornado responsável pela guerra. Conclusão: o totalitarismo de esquerda é igual ao de direita, e a democracia capitalista é que é boa …

O jornalista do Expresso (19 de Agosto) dedica-se com tal entusiasmo a pintar a “ambição desmedida dos dois ditadores” que se esquece mesmo de mencionar o pacto de Munique. E na Vida Soviética de Agosto/Setembro, o comentador V. Kuznetsov, alinhando servilmente no coro democrático como manda a perestroika, escreve que

Hitler e Staline apostavam na força. Todos sabem em que se traduziu tal aposta para a Europa”.

Atingiu-se assim finalmente o consenso universal quanto à identificação dos culpados da guerra. Staline teria sido igual a Hitler. Mas nem por isso é menor a mistificação.

Falsificadores da história

O pacto HitlerStaline foi o fim e não o começo de uma longa história. Desde 1934, a Inglaterra e a França vinham rejeitando os esforços insistentes da União Soviética para uma frente antifascista e deixavam o campo livre às potências fascistas para engolirem a China, a Etiópia, Áustria, Espanha, Checoslováquia … o pacto germano-soviético foi a reacção ao pacto tácito entre as democracias e o fascismo.

Em segundo lugar, quando se lamenta a Polónia “retalhada” e os países bálticos “anexados”, omite-se que a União Soviética apenas reocupou em 1939-40 os territórios que lhe tinham sido arrancados vinte anos antes por imposição da Inglaterra e da França, com o objectivo de criar um tampão antibolchevista.

As culpas de Staline

Não lembramos estes factos para elogiar Staline, cujo regime anti-operário de capitalismo de Estado triunfava nessa época na União Soviética, com todo o seu cortejo de horrores. E também não defendemos a política externa de Staline.

A tentativa do dirigente soviético de conter o perigo fascista através do namoro às potências democráticas e à social-democracia (as Frentes Populares) não evitou a guerra e deu todos os trunfos ao imperialismo ocidental. Staline apoiou-se na tábua podre da burguesia “democrática” porque já era ele próprio um chefe burguês e receava apostar na luta revolucionária da classe operária.

Certamente, não estava ao alcance de Staline evitar o conflito entre a matilha de lobos capitalistas. Mas se ele fosse ainda comunista como se intitulava, teria orientado os operários da União Soviética e de todo o mundo para transformar a guerra imperialista numa onda de revoluções, em vez de os mobilizar para a defesa da “democracia” e da “pátria”. A política de ziguezague que seguiu, primeiro a reboque das “democracias”, depois a reboque de Hitler (1939-41), confundiu e desorganizou as fileiras comunistas internacionais e foi impotente para evitar a guerra.

A URSS, vítima de agressão

Mas estes factos não podem servir para ilibar os únicos responsáveis pela guerra mundial. É um facto indesmentível que as democracias ocidentais engordaram o bloco fascista da Alemanha/Japão/Itália, na esperança de que ele aniquilasse a União Soviética. E é um facto que o governo soviético só assinou o pacto com Hitler como manobra de último recurso, para tentar desviar ou adiar o assalto nazi que todo o mundo capitalista lhe lançava para cima.

As acusações de que “Staline sempre procurou um acordo com Hitler”, “queria partilhar o mundo com Hitler”, etc., inventadas por Trotsky na fase final da sua carreira, e desacreditadas durante muitos anos devido ao esforço de guerra soviético, que salvou o mundo do nazismo ao preço de 20 milhões de mortos, estão hoje a ser promovidas a verdadeiras histórias para lavar o capitalismo.

Imperialismo, o foco da guerra

Há quem pergunte: mas se na URSS vigorava um regime ditatorial anti-operário, como acreditar que Staline estivesse interessado em evitar a guerra? A razão é simples: a URSS, ao contrário das outras potências, não era (não é ainda hoje) um país imperialista, dominado por monopólios em busca de mercados, fontes de matérias-primas e colocação para os seus capitais. A URSS entrara sob a chefia de Staline num abortivo regime de capitalismo de Estado, que só nos nossos dias se está a decompor para abrir lugar ao pleno florescimento capitalista.

A URSS teve, pois, pela sua própria natureza económica e social, uma atitude defensiva face à guerra. Os verdadeiros cúmplices de Hitler foram os democratas e social-democratas que hoje lançam as culpas sobre Staline para esconder que a fonte da guerra está no imperialismo, seja ele fascista ou “democrata”.

Leia outros artigos do autor sobre Staline (lista não exaustiva):
Notas sobre Staline
Staline em Questão
Staline de Novo
Ainda Não Estou Bem Desestalinizado
Stalinismo ou Comunismo?
Novas Lições da Revolução Russa (Elementos para uma plataforma comunista) (II)
Novas Lições da Revolução Russa (Elementos para uma plataforma comunista) (III)
A Derrota de Lenine
A Revolução que não Pôde ser Socialista
Ainda Sobre Estaline


Inclusão 11/07/2016
Última alteração 11/08/2018