Noves Fora Nada

Francisco Martins Rodrigues

Dezembro de 1987


Primeira Edição: Política Operária nº 12, Nov./Dez. 1987

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


capa

O general Pezarat Correia publicou há tempo em O Jornal (7/8/87) um artigo explicando o seu papel no tristemente célebre “Documento dos Nove”, de Agosto de 75. Os argumentos que usa são tão tolos que nem mereceriam comentário, se não fosse o prestígio ganho nos últimos anos nos meios oposicionistas por este general caído em desgraça.

Oiçamo-lo: 

“Não tenho dúvidas em afirmar que, em condições idênticas, repetiria a mesma atitude. (…) Penso que a atitude dos ‘Nove’ foi necessária, o seu diagnóstico foi correcto, as suas propostas foram revolucionariamente ajustadas. Havia uma contra-revolução em marcha, movida pela extrema-direita, que não se travava com mais uma fuga para a frente”. E ainda: “Os ‘Nove’ identificaram-se no essencial numa posição de esquerda, numa análise critica à anarquia crescente, no vanguardismo que bloqueava a marcha da revolução ao desprezar a sua base social de apoio, e na enumeração das medidas mais urgentes que assegurassem o progresso da revolução possível”.

Mas porquê então essa acção de “esquerda” se desentranhou em tão abundantes frutos de direita? Com desconcertante ingenuidade, Pezarat Correia reconhece que os “Nove” não souberam dar provas, depois do 25 de Novembro e perante o “golpismo subtil de direita”, da mesma determinação e firmeza que tinham revelado “na resistência ao aventureirismo revolucionário”. “Mas — acrescenta candidamente — não se confundam causas com consequências”.

Temos, assim, que os “Nove”, animados do puro espírito de defesa da revolução, levantaram-se contra a vaga do “poder popular” e incitaram a sair para a rua os generais mafiosos, a escumalha de direita infiltrada no PS e os caceteiros de Rio Maior. Estavam tão impressionados com o descontentamento da pequena burguesia que não hesitaram em golpear a classe operária. Tinham tanto receio da contra-revolução da extrema-direita que não encontraram melhor meio de a evitar do que adiantar-se aos fascistas e encarregarem-se de liquidar a revolução, para tirar argumentos à direita…

Afinal, que mais é preciso para demonstrar que a “revolução possível” dos “Nove” se resumia a acabar com a revolução?

Pezarat Correia não deve saber que cumpriu, no Verão de 75, em Portugal, o papel clássico dos contra-revolucionários pequeno-burgueses que, em nome dos perigos da “anarquia” e do “vanguardismo” e da defesa da revolução “possível”, se encarregam de sufocar a revolução real, a das massas sublevadas contra o capital.

Deixou-se, mais tarde, ultrapassar pelo carro que pôs em movimento, tal como os seus amigos Vasco Lourenço, Melo Antunes, Garcia dos Santos. Mas está muito enganado se julga que isso o iliba de responsabilidades na situação actual.

Repudiamos as lágrimas de crocodilo deste arauto do 25 de Novembro, que hoje aparece a declarar o seu “desencanto” perante o resultado das últimas eleições e a lamentar a “injustiça social”, o “controlo da Comunicação Social”, o “clientelismo”, o “agravamento da subordinação ao estrangeiro”. É preciso desfaçatez para vir falar em nome da esquerda quem, na hora da verdade, se levantou contra a esquerda e abriu as portas à direita!

Rejeitamos a cantilena de que o movimento popular revolucionário de 74/75 fracassou por anarquia e vanguardismo. O movimento fracassou porque não arranjou melhores chefes para opor aos Pezarat Correia, Ramalho Eanes, Mário Soares, Pires Veloso, do que Vasco Gonçalves, Otelo, Álvaro Cunhal, prontos a negociar o fim da agitação a troco de algumas garantias.

Reafirmamos que só pode haver verdadeira democracia numa sociedade sem classes promovida pela ditadura do proletariado. Uma sociedade de classes pressupõe a desigualdade e a não-liberdade. Fazemos uma crítica inevitável à via da democracia política para o socialismo, porque essa via não põe de modo algum em causa a burguesia como classe dominante.

Estas citações não são de Lenine, como podem supor alguns leitores, mas do pândego dr. Eduardo Prado Coelho em 1975, três dias antes de sair para a rua o “Documento dos Nove”. É o próprio Pezarat Correia que o lembra no seu artigo. E com razão: se Prado Coelho passou de “leninista” a cavaquista, porque não pode Pezarat Correia passar de coveiro a defensor da revolução?


Leia o "Documento dos Nove"

Leia "Documento dos Nove: A Eterna Questão das Vanguardas" de Vasco Gonçalves

Inclusão 05/09/2018
Última alteração 05/04/2019