Jornada Morta

Francisco Martins Rodrigues

Fevereiro de 1987


Primeira Edição: Política Operária nº 8, Jan-Fev 1987

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Feitas as contas, os chefes do PCP dão-se por satisfeitos com a “jornada de luta” de 31 de Janeiro. Em Lisboa, a participação popular, não atingindo os níveis de outros tempos, ainda deu para compor o Rossio e ao cauteloso discurso de Carvalho da Silva não faltaram as palmas. A CGTP, apesar de murcha, ainda mexe.

Como assinalava esperançosamente o Diário dois dias depois, a jornada demonstrou que “no dia em que as restantes forças do campo democrático lançarem a exigência de uma real alternativa democrática, encontrarão uma vasta base de apoio a uma tal alternativa”. O que significa, em termos menos diplomáticos, que Eanes e Constâncio, se se resolverem a disputar a sucessão de Cavaco Silva, poderão contar com a “vasta base de apoio” angariada pelo PCP e pela CGTP.

Tudo indica pois que a jornada de 31 de Janeiro vai ser usada para activar a guerrilha no parlamento, visando um maior desgaste do governo e a sua queda, com ou sem eleições antecipadas. Assistiremos a mais uma aplicação criadora da fórmula a que o PCP recorre infatigavelmente: “pôr em jogo a força do movimento popular no quadro das instituições”.

E NO ENTANTO, a jornada da CGTP aparece-nos como um fracasso completo, mesmo do ponto de vista estrito dos interesses mínimos imediatos do movimento operário.

Manifestação amorfa e ordeira, feita só para exibir a base de apoio da central, ela não vai servir de motor de arranque às lutas de empresa, aos confrontos de rua — àquilo que realmente falta para mudar a miséria em que estamos.

O que mais indigna é que esta “jornada de luta” não tenha servido para fazer rebentar na rua a onda de podridão que cobre o regime.

Descobre-se que Portugal funciona como servente da CIA no Irangate; que Mário Soares andou em cambalachos com a Igreja; que o Soares Carneiro de S. Nicolau vai tomar conta de nós; que o Exército trabalha para a rede internacional do terrorismo “anti-terrorista”; que a Judiciária está minada de bandidos; que os tachos da CEE são distribuídos a ladrões — isto ao mesmo tempo que Otelo e os seus companheiros aguardam uma pesada condenação, em nome da “defesa das instituições”. Mas é como se nada disto tivesse a ver com o movimento operário.

O PCP quer empurrar o PS e o PRD para a “alternativa democrática”. Não está interessado em amotinar os trabalhadores contra o regime porque isso provocaria o retraimento de Constâncio e Eanes.

A MANIFESTAÇÃO de 31 de Janeiro contribuiu mais para sublinhar a crise do movimento sindical do que para golpear o governo.

Enquanto a alternativa à UGT amarela for uma CGTP governada por técnicos de contratação e de viabilização de empresas; enquanto a direcção dos operários estiver nas mãos de pequenos burgueses que descobrem a alegria de “ser úteis ao País” sendo úteis aos seus bolsos; enquanto o desemprego, os salários em atraso e o trabalho infantil servirem de capital ao PCP para negociar uma nova combinata de governo — a crise do movimento operário vai continuar.

Por isso, fazer irromper dentro da CGTP uma corrente sindical combativa é uma grande tarefa actual.


Inclusão 06/09/2018