Pátria

Francisco Martins Rodrigues

Fevereiro de 1986


Primeira Edição: Política Operária nº 3, Jan-Fev de 1986
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Sem dar por isso, eu tinha-me deixado contagiar pela indiferença cínica do homem da rua acerca da CEE: “Mais um negócio graúdo para ser pago dos nossos bolsos…” Quando vi o prof. Cavaco a falar das caravelas e do cabo Bojador é que caí em mim. Vivemos o maior desafio da nossa história multissecular. Acabou a estreiteza arcaica das fronteiras nacionais. Os grandes espaços europeus são agora a nossa Pátria. Vamos modernizar a economia, redimensionar as empresas, viver melhor, sair desta pasmaceira. É claro, há sempre os velhos do Restelo que ficam na praia a adivinhar desgraças. Não conseguem acompanhar a evolução dos tempos. Também, diga-se em abono da verdade, o ideal da Pátria avança a velocidade tão vertiginosa que dá para baralhar a cabeça a qualquer um.

Quando eu era novo, ensinavam-nos na escola que tínhamos uma Pátria multirracial espalhada pelo mundo. Havia até uma canção: “Ó minha terra, não sou ninguém, mas se houver guerra quero ir também”. A guerra veio e lá foram os bons patriotas bater-se em África, para defender a portugalidade do Minho a Timor. Não podíamos desfeitear os nossos antepassados, não é?

Afinal, com o ano de 75, veio a descobrir-se que tudo isso não passava de velharias colonialistas. Houvera um engano. Os povos africanos não gostavam de ser latinos. Os mortos, coitados, tinham morrido por lapso, não pela Pátria. A Pátria era só esta aqui, pequenina mas muito nossa. E esta Pátria verdadeira, esta sim, tínhamos que estar prontos a defendê-la das cobiças externas.

Agora, porém — ó espanto! — aprendemos que isto era ainda um preconceito nacionalista mesquinho. A nossa Pátria natural é a Europa. Esta querida Europa de mas quem andámos arredados durante séculos mas que, cá no íntimo, sempre amámos.

O dr. Álvaro Cunhal é que não percebe e todo se escandaliza com a CEE: que a economia nacional vai ao fundo, que os pequenos e médios patrões vão ao ar, que a Pátria vai à viola. E rosna que há aí traição aos interesses nacionais.

E, no entanto, é tão simples! É que a Pátria não é aquela nuvem com que sonha o dr. Álvaro Cunhal; é, sempre foi e será o lugar onde se podem fazer negócios e ter lucros. Nas colónias ou em Portugal, com o fascismo ou com a democracia, na CEE, na América, no Japão, no inferno, se necessário for. Taxa de lucro, dr. Álvaro Cunhal! Para que havemos de estar a embrulhar esta noção tão simples?

Os homens de negócios são sempre coerentes. Deram provas de serenidade cívica no tempo do Salazar e choraram lágrimas de alegria no 25 de Abril. Lamentam o colonialismo e celebram os heróis do Ultramar. Exaltam Aljubarrota e batem a pala aos generais da NATO. Amam a Pátria e deliram com a CEE. Tudo certo! Só o romantismo pequeno-burguês do dr. Álvaro Cunhal poderia imaginar que fosse de outra forma.

Pouco antes de morrer, o velho Staline recomendava aos comunistas para levantarem a bandeira das liberdades democráticas e da independência nacional, espezinhada pela burguesia. Estava errado. Não temos que andar a apanhar os restos deitados fora pela burguesia. A Pátria está a morrer de morte natural, porque assim é necessário à burguesia, para continuar a viver do trabalho assalariado.

Deixá-la morrer. Temos a nossa própria Pátria para libertar: a Internacional da humanidade trabalhadora.


Inclusão 06/11/2016