A Alemanha não se opõe

Francisco Martins Rodrigues

22 de Dezembro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 22 de Dezembro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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capa

Balsemão, esse verbo-de-encher que o Freitas passa à capa como quer, o Balsemão de papelão que acaba de se demitir para não levar uma corrida no congresso do seu partido, jantou ainda há meia dúzia de dias com o chefe supremo do mundo. Nem mais nem menos.

E não me digam que foi só uma questão de cortesia diplomática. Reagan, Bush, Weinberger, não costumam gastar duas horas em rapapés com todo o figurão que lhes aparece. Mas fizeram-no a Balsemão. E prometeram-lhe novos auxílios militares e económicos para Portugal.

“Quando a esmola é gorda, o pobre desconfia”. Balsemão não teve razões para desconfiar. Os padrinhos puseram-lhe tudo em pratos limpos. Querem:

  1. ampliar a base das Lajes para bombardeiros atómicos B-52;
  2. usar a base de Beja para a passagem da Força de Intervenção Rápida para o Médio Oriente;
  3. que Portugal envie um corpo expedicionário de 2.000 homens para o Líbano;
  4. que Portugal ajude os Estados Unidos a instalarem-se em Angola.

Uma insignificância, como se vê.

Mas, coisa curiosa, os partidos da Oposição não se mostraram grandemente tentados a dramatizar o caso junto da opinião pública. Pelo contrário, tudo se ficou por alguns sóbrios comentários, sem parangonas de primeira página.

Da parte de Mário Soares, a coisa compreende-se pelo ciúme que lhe terá causado a cartada de Balsemão. Mas Cunhal, porque foi tão discreto? E o próprio Governo, porque não explorou mais o êxito do seu chefe?

Fácil! Qualquer politico sério com um mínimo de rodagem sabe que estes negócios delicados de Estado não são para trazer para o sol das praças públicas. Há regras que um partido deve respeitar, esteja no Governo ou na Oposição. O interesse nacional exige-o. Para quê alarmar a opinião pública?

A questão está em saber preparar os espíritos para a nova situação. “A Alemanha Federal não se opõe a que os Estados Unidos passem a utilizar a base de Beja”, noticia descontraidamente “O Jornal”. A Alemanha Federal não se opõe... Não sentem nada remexer por dentro?

Faz agora exactamente 30 anos, o velho Staline deu os últimos conselhos aos seus poucos fiéis discípulos em Moscovo.

“A burguesia, disse ele, deitou fora a bandeira da independência nacional. Só vós, representantes da classe operária, podeis levantar essa bandeira”.

Falava como um livro aberto.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018