O Revisionismo é Imbatível?

Francisco Martins Rodrigues

9 de Outubro de 1982


Primeira Edição: Tribuna do Congresso nº 6, 9 de Outubro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Está a classe operária a abandonar o PCP e a deslocar-se para as posições do nosso Partido? Esta é a pedra de toque para saber se trilhamos o caminho justo. Enquanto um forte núcleo operário não se deslocar para posições revolucionárias, destruindo a actual hegemonia revisionista sobre o movimento operário e sindical, todas as nossas pretensões a fazer uma “política para milhões”, amplas alianças, etc., não passarão de folclore.

Ora, é um facto incontestável que a nossa luta anti-revisionista não tem dado os frutos que dela esperávamos. É de resto essa falta de êxitos que leva ao abandono de muitos camaradas e que tem animado os direitistas, desde Ricardo a Amadeu, a defenderem uma nova política de abertura ao PCP. Para derrotarmos as teses direitistas e firmarmos a luta contra o revisionismo em bases sólidas, é necessário neste 4º Congresso do nosso Partido quebrarmos os laços políticos e ideológicos até hoje ocultos que nos colocam na dependência do revisionismo.

Esta afirmação pode parecer estranha e mesmo absurda à maioria dos camaradas. O nosso Partido funda a sua política no papel motor das acções de massas, na radicalização da luta popular independente, na denúncia da política revisionista de subserviência face à burguesia liberal. Como pode haver dependência? A dependência existe porque, tal como o PCP, nós apoiamos a nossa táctica na perspectiva de uma viragem política e de um governo fora da conquista revolucionária do poder. Tal como o PCP, nós defendemos que a pequena-burguesia terá um papel revolucionário a desempenhar nessa viragem e nesse governo.

Este é o laço de dependência que é preciso quebrar. Esta é a origem da nossa falta de espaço no movimento operário. A política de colaboração de classes e de evolução gradual defendida pelo PCP, contrapomos uma política muito mais radical, mas também de colaboração de classes e também de evolução gradual.

Por isso, criticar o reformismo encapotado do “caminho do 25 de Abril do povo”, assentar as bases para a intervenção revolucionária independente da classe operária na política, é a primeira condição para começarmos finalmente a deslocar para a esquerda massas importantes de operários e fazermos entrar em declínio a influência revisionista e reformista sobre a classe. A vida já provou que o falso caminho do 25 de Abril do povo atenua as fronteiras entre revolução e reformismo, entre proletariado e pequena burguesia, e por isso nos atira para a órbita dos revisionistas, nos retira campo de acção política independente.

Só no dia em que o nosso Partido se libertar do pavor oportunista de proclamar o seu objectivo revolucionário como o verdadeiro fim de todas as manobras tácticas, só no dia em que se libertar do medo de desagradar à pequena burguesia, lhe ficará aberto o caminho para arrancar a massa operária, o movimento sindical, a Reforma Agrária, os camponeses pobres, o povo, à influência revisionista. Antes disso, não.

Só no dia em que o nosso Partido der esse passo, a nossa luta contra o PCP surgirá em toda a sua força como uma luta de classes no seio do proletariado, como a forma superior da disputa da hegemonia entre o proletariado e a pequena burguesia, como o combate entre a revolução e o reformismo.

Nesse dia, conseguiremos atingir certeiramente o antagonismo de classe latente nas fileiras do PCP, entre a base operária, que precisa da revolução embora não tenha ainda consciência disso, e a aristocracia operária, a burocracia, a intelectualidade, os quadros reformistas até à medula, inimigos da revolução e do socialismo, precisamente porque são pequeno-burgueses. Só então saberemos acirrar e fazer explodir a luta de classes adormecida dentro do PCP, entre os operários que servem de força de choque dócil e a pequena burguesia que os dirige e pensa por eles.

Nesse dia, já teremos base para praticar uma audaciosa política de frente única com os operários da base do PCP, já teremos iniciativa para propostas, desafios e acções comuns, tanto na luta política como na formação da corrente sindical revolucionária. Dispondo de uma linha revolucionária sólida e de uma demarcação firme face à pequena burguesia, perderemos o medo de ser empalmados pelos revisionistas, libertar-nos-emos do sectarismo, que não é mais do que uma atitude defensiva produzida pelas ambiguidades da nossa plataforma política.

É claro que esse dia não chegará enquanto explicarmos o revisionismo como a política de uma “camarilha renegada” ou de “estreitos sectores contra-revolucionários”, para evitar chamá-la pelo seu nome: política da pequena burguesia que aspira chegar ao poder a cavalo na classe operária. Enquanto recearmos dizer que o poder de atracção da política revisionista sobre largas massas proletárias e semi-proletárias traduz uma aliança desses trabalhadores com a pequena burguesia “comunista”, à qual entregam a condução dos seus destinos, por não se atreverem a acreditar na revolução proletária e a prepará-la. Enquanto mantivermos nas nossas fileiras sem critica as mais escandalosas ideias conciliadoras com a pequena burguesia.

Quando o camarada Raul protesta na TC-4 contra o “ódio chapado e a guerra aberta à pequena burguesia” e reclama que não se subestime a sua “real importância política”, ele está a exprimir fielmente todo o espírito de colaboração de classe que anima o “caminho do 25 de Abril do povo” e que nos lança desarmados na luta para arrancar a classe operária aos revisionistas.

Sim, camarada Raul, para fazer política comunista, é obrigatório ter ódio à pequena burguesia, é preciso mover-lhe guerra aberta, é preciso atacar a sua “real importância política”, para poder neutralizar os seus aspectos reaccionários e poder subjugá-la ao proletariado. Por estranho que te pareça, tudo isso é assim. Se negas isto, cais no oportunismo.

Não se trata de colocar a pequena burguesia “dez graus abaixo de cão”. Não se trata de “hostilizar um possível aliado, lançando-o nos braços da reacção”. Não se trata de “regressar ao obreirismo dos grupos". Tudo isso são balelas. Trata-se de resolver se o proletariado tem ou não o direito de se demarcar politicamente da pequena burguesia, dizer que os interesses, a política, a táctica, a ideologia, a moral da pequena burguesia, não lhe servem. Trata-se do proletariado afirmar os seus próprios interesses, falar da luta de classes sem cerimónias “unitárias” balofas, expor à luz do dia os seus direitos revolucionários diante da sociedade burguesa, começar a inverter a dinâmica actual da luta de classes, atrever-se a começar a marchar para a revolução.

É disto que se trata. Sem isto, bem poderemos continuar a excomungar os revisionistas. Eles continuarão imbatíveis.


Inclusão 10/10/2018