O Líbano não é connosco

Francisco Martins Rodrigues

22 de Setembro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 22 de Setembro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Em três dias, os campos de refugiados de Beirute ficaram juncados de cadáveres de mulheres, crianças e velhos, massacrados a sangue frio pelos bandos falangistas, numa operação conduzida pelas tropas Israelitas. O mundo, estupefacto por esta febre de chacina, pergunta se estamos a mergulhar numa segunda era nazi.

Mas já as entidades competentes asseguram estar prestes a conseguir-se o retorno à normalidade. Já o Conselho de Segurança exigiu, em louvável unanimidade, a retirada imediata de Israel. Já as forças multinacionais de apaziguamento retomam os seus postos em Beirute. Já os corpos massacrados se somem discretamente em valas comuns.

O que faz o horror da situação internacional não é só a ferocidade com que os americanos e os seus cães de fila sionista chacinam milhares de seres humanos. É a cobertura que lhes prestam por toda a parte governos e personalidades “democráticos”, “amantes da paz", "progressistas".

Consternam-se pela morte do “presidente" Gemayel. E não dizem que este Gemayel era um carniceiro profissional, perito em banhos de sangue, posto no poder pelos israelitas. Noticiam o respeito escrupuloso do milésimo período de tréguas pelos invasores. E assim apagam o crime da invasão. Destacam a firme condenação de Israel pelos Estados Unidos. E fazem esquecer que o regime sionista não é mais do que o braço armado do imperialismo americano. Louvam a intervenção pacificadora da força multinacional. E ocultam que essa força "neutral" mais uma vez cumpriu a missão de prender os braços da vitima para o agressor a golpear mais à vontade.

As votações unânimes do Conselho de Segurança, as exclamações horrorizadas dos governos "civilizados", agora que a tarefa de extermínio foi concluída, dão bem a medida do cinismo sem limites que apodrece a política internacional. Primeiro, paralisar a resistência ao crime. Depois, pregar moral aos criminosos. Por fim, adormecer as vitimas com esperanças de justiça futura.

O que tem o Líbano a ver connosco? Nada, evidentemente. Os portugueses, com a sua superior tolerância (se descontarmos o já esquecido pesadelo das guerras de África) há muito instituíram o hábito salutar de fazer as suas revoluções e contra-revoluções por via pacífica. O Líbano não é connosco. Não nos alarmemos pois pelo facto de Freitas do Amaral, Eanes. Mário Soares, Melo Egídio, todos à uma reclamarem maior empenhamento de Portugal na NATO. Só alarmistas verão nisso um declive que nos leva ao massacre.


Inclusão 22/08/2019