Não me façam chorar

Francisco Martins Rodrigues

28 de Julho de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 28 de Julho de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Mesmo correndo o risco de passar por mau democrata, confesso que não me chocou por aí além o coice da maioria AD/PS no Conselho da Revolução. Nem vejo como pode haver quem fale ultrajado da “grosseria”, da “deselegância" e da “ingratidão” cometida para com os conselheiros.

Os conselheiros fizeram o 25 de Abril, eu sei. Mas também o desfizeram. E, porque o desfizeram, a esquerda perdeu-lhes o respeito e a direita perdeu-lhes o medo. É só isso que está a acontecer.

O mais cómico é que o próprio CR parece não se aperceber ainda hoje de como cavou a sua sepultura. Oiçam o conselheiro Charais: “Não posso deixar de lamentar o profundo desprezo que as forças socialistas e social-democratas mostram em relação ao CR e aos seus elementos, quando é certo que estes sempre privilegiaram essas forças ao longo do processo político recente”.

Mas então de que se queixa, conselheiro? Nunca ouviu dizer que quem boa cama faz nela se deita?

Haja um mínimo de lógica, que diabo!

Então obrigaram-nos a engolir o CDS, o Spínola e o Tomás, os pides e os bombistas na rua, os militares democratas na prisão, tudo em nome da pacificação pluralista — e agora espantam-se com o atrevimento reaccionário de Freitas do Amaral?

Então içaram ao poder esse odre de corrupção que dá pelo nome de Mário Soares, abençoaram-lhe todas as leis Barreto e acordos com o FMI, pacotes com o PSD e governos com o CDS — e agora escandalizam-se com a sua falta de sentimentos democráticos?

E não nos venham dizer, por favor, que foi a vontade popular expressa em eleições que assim o quis. O 25 de Novembro, que se saiba, não foi nenhuma eleição.

Se há uma coisa que o CR não pode fazer é apresentar-se como vítima. Ao ‘‘Avante”, que pela milésima vez apela aos “democratas e patriotas com poderes decisivos de intervenção política” para que vejam os perigos da hora presente, apetece perguntar: quais democratas e patriotas? Os que estrangularam o 25 de Abril com medo do povo? Os que obedeceram solícitos às instruções do Carlucci? Os que abriram a onda de pus que hoje escorre do poder?

Os operários conscientes não choram a vossa desdita, conselheiros. Sabem que a luta para derrubar a AD só terá êxito se se emancipar do vosso liberalismo míope e conservador. Os operários reúnem forças para fundar um dia aquela República Popular cujos contornos se esboçavam no Verão de 1975. Aquela República que vós afogastes, conselheiros.


Inclusão 22/08/2019