A Dúvida

Francisco Martins Rodrigues

23 de Junho de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 23 de Junho de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Nestes dias, muitos adeptos da ordem democrática instaurada pelo 25 de Novembro interrogam-se angustiados sobre a lógica do caso PRP. Se vivemos num Estado de direito, porque não podem ser libertados presos já com o dobro do tempo máximo legal de prisão preventiva? Se reina entre nós a convivência e a tolerância, porque tiveram estes que ficar de fora da Amnistia? Parece haver em tudo Isto um trágico mal-entendido.

É o que pensa o comentador do “Expresso” Vicente Jorge Silva. Manifestando a sua estranheza pela sanha do Governo contra os presos do PRP, admite que o ministro Meneres Pimentel, “um liberal indiscutível”, talvez julgue assim “garantir a imagem da autoridade democrática”.

Deve ser isso. O Governo parece duro só porque quer ser democrata. Mostra-se intransigente porque quer garantir a pacificação nacional. O medo do Governo é que “possam ser destruídos os fundamentos da sociedade e do Estado”, como disse o prof. Freitas.

Uma coisa é certa: o espirito tolerante deste regime está acima de qualquer dúvida. Vejam o sentimento com que o ministro Ângelo Correia declarou lamentar mais do que ninguém os mortos do 1° de Maio no Porto. Ou vejam a prudência com que os tribunais abafaram os meandros do assassinato do general Delgado, só para evitar um estendal que acabaria por manchar o bom nome do país. Olhe-se essa obra impar que foi a recuperação social dos pides, hoje reeducados e postos ao serviço do Estado democrático. Veja-se como a esponja do perdão passou sobre os actos impensados dos jovens bombistas.

A democracia em Portugal é tão forte que se pode dar ao luxo de abraçar todos. Acontece até este pormenor curioso: o chefe dos Serviços Prisionais que vela sobre os presos do PRP, um tal dr. Orbílio Barbas, já desempenhava a mesma função no tempo do fascismo. Não é maravilhosa esta capacidade de aproveitar os fascistas para o projecto democrático?

Longe de mim qualquer suspeita sobre o regime que felizmente nos governa. Mas confesso que às vezes, de madrugada, me assaltam dúvidas atrozes: será que o Governo aposta na morte de mela dúzia de presos da esquerda para ganhar a confiança dos banqueiros da direita? Será que a morte dos presos do PRP dá direito a desconto na compra das novas fragatas da NATO? Será que o sorriso bonacheirão do dr. Meneres Pimentel é afinal o esgar maníaco de um carniceiro? Será que esta República é apenas um cenário de papelão? Será que a mão viscosa do fascismo roça já as nossas cabeças?


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018