Falta de Tacto

Francisco Martins Rodrigues

14 de Abril de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 14 de Abril de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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O major Tomé tornou a mostrar há dias a sua falta de tacto ao chamar, em plena Assembleia da República, "reles aldrabão" ao presidente Reagan dos Estados Unidos. Contra a obscenidade levantaram de imediato a voz indignada deputados da maioria, verberando tais insultos em tal lugar ao chefe da grande nação aliada. Decerto os serviços ibéricos do Departamento de Estado norte-americano já assentaram a esta hora mais um “péssimo” no comportamento do deputado da UDP, assim como os competentes louvores aos representantes da AD que acudiram em defesa do “big boss”.

Até aqui tudo certo. Mais interessante porém o silêncio do resto da Assembleia perante o incidente. A solidariedade anti-AD dos deputados da oposição não lhes chegou para os fazer levantar das cadeiras e replicar ao sr. Robalo do CDS que Reagan é um reles aldrabão, sim senhor, e também um criminoso.

O caso é que os dignos deputados da oposição não tomaram partido na contenda porque, intimamente, também acham impróprio da Assembleia usar nomes deselegantes contra um chefe de Estado.

Mesmo sabendo que Reagan está a chacinar homens, mulheres e crianças na América Latina. Mesmo sabendo que está a fazer da Europa um paiol de mísseis. Mesmo sabendo que é o pior inimigo do nosso país.

Mesmo sabendo tudo isso. Mas para quê excessos verbais que não levam a nada? Porque não se há-de condenar o imperialismo sem recorrer ao insulto? Porque não mostrar que somos superiores à direita, que sabemos ser correctos, etc., etc.?

Esta ponderação tão democrática cai bem no comum das pessoas. Mas tem muito que se lhe diga. Os deputados da oposição não podem chamar aldrabão e bandoleiro a Reagan porque isso seria “colocar mal” o Presidente da República e o Estado Maior, romper os equilíbrios, desencadear protestos, pôr em perigo esta geringonça toda.

O silêncio comprometido da oposição é o retrato da hipocrisia da pequena burguesia. Anti-imperialista e anti-belicista de gema, já se sabe. Mas incapaz de responder a simples pergunta: vamos ou não chamar bandidos aos bandidos e lutar para arrancar Portugal à NATO?


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária

Inclusão 06/02/2019