O falcão e a galinha

Francisco Martins Rodrigues

10 de Março de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 10 de Março de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Na semana passada, o secretariado da célula do PCP na Setenave tomou decisões para a acção na empresa. À cabeça vem o combate ao "esquerdismo": não consentir que os "esquerdistas" falem nas assembleias e explicar aos trabalhadores que a radicalização da luta por eles proposta conduziria a graves perigos.

Com esta, já é a quarta ou quinta vez que o PCP de Setenave proclama a "solução final" do problema do "esquerdismo". Desconfio que vai falhar mais uma vez. Porque muitos operários começam a perder a paciência com formas de luta tão sensatas que não dão nada e andam à procura de ideias mais radicais. "Se o Sousa Tavares pode dizer na Assembleia que 39 contos não lhe dão nem para os almoços, porque é que nós não podemos dar um apertão na administração para nos pagarem o que nos devem? Ou andamos a fazer figura de nabos?"

Os coronéis do PCP têm que se convencer de que não se pode passar a vida toda a descarregar as frustrações políticas dos militantes para cima dos "esquerdistas". Esses malditos "esquerdistas" que há três anos andavam a reclamar a greve geral, sem ver que só agora foi a altura própria (porquê?), que disseram que a greve sem piquetes a sério é um barrete (e até tinham razão), que já falam noutra greve para fazer cair a AD na rua (se calhar, lá terá que ser...). Esses aventureiros que estão sempre a puxar para a frente... e que vão sendo eleitos para as CT’s e delegados sindicais. Esse pesadelo!

Aos adeptos do PCP que matam a cabeça a pensar porque é que os "esquerdistas" não desaparecem, nem com o silêncio, nem com a simpatia, nem com a paulada, é de aconselhar que procurem a resposta no seu próprio chefe, no seu "Avente". Já repararam que a vossa política se resume a suplicar ao Eanes que acalme os conflitos de classe com algumas concessões secundárias? Já pensaram que a pedir pouco à burguesia não se consegue nada?

Perceber que o prof. Freitas é um falcão disfarçado de pomba não custa muito. Basta ter olhos na cara. O que interessa é perceber que Álvaro Cunhal é uma galinha que se disfarça de águia. E galinha contra falcão não dá luta.


Inclusão 22/08/2019