A Dívida

Francisco Martins Rodrigues

20 de Janeiro de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 20 de Janeiro de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Como é da praxe, o 18 de Janeiro foi comemorado na Marinha Grande com almoço, torneio de futebol e foguetes. Uma vez por ano, tira-se do armário o jarrão precioso, limpa-se da poeira, exibe-se ao pagode — e por aqui me vou minha gente, até para o ano!

Por detrás deste folclore, há um embaraço. O 18 de Janeiro tem que ser comemorado, porque mal parecia esquecer os antepassados. Mas, bem vistas as coisas, foi todo errado: foi infantil, sectário, esquerdista, terrorista, obreirista. Só deu prejuízos.

Aqueles milhares escassos de operários tinham metido na cabeça que podiam deitar abaixo o Salazar! Pior: queriam os sovietes em Portugal, a classe operária a governar! E com esse plano louco, proclamaram a greve geral, lançaram bombas, chegaram a atacar a GNR! Não lembra ao diabo!

O resultado, claro, foi uma derrota estrondosa. Os porões dos navios encheram-se de homens andrajosos, rumo a Angra e ao Tarrafal. E, o que foi não menos grave, milhares de portugueses honrados das classes médias ficaram apavorados com o papão do bolchevismo. Deu um trabalhão tranquilizá-los e recuperá-los para a Oposição Democrática Unida e o Levantamento Nacional dos Oficiais Patriotas.

Se os almirantes que governam o PCP não fossem uma data de múmias bolorentas, percebiam que o 18 de Janeiro não se pode festejar a foguetes, como o 5 de Outubro e o 25 de Abril. Quanto mais não seja, por uma questão de decência. As insurreições esmagadas não se podem tratar da mesma forma que as vitoriosas. Principalmente, quando, como é o caso. contêm uma dívida.

É por causa dessa dívida que os mortos do 18 de Janeiro se recusam a sair da cena. O Manuel Tomé ferroviário, o Castelhano ferroviário, o António Guerra vidreiro, o Augusto Costa vidreiro. o Arnaldo Januário barbeiro, o Alfredo Caldeira pintor, o José Gregório vidreiro. o Manuel da Cruz vidreiro. o Esteves de Carvalho vidreiro. Estão todos aqui. E sorriem com comiseração. Parecem perguntar:

— Então, passados quase 50 anos, vocês ainda não arranjaram ânimo para levar a cabo a tarefa que nós começámos tão mal, para fazer de vez aquilo que nós tentámos com tantos erros?

Eles têm razão. Das bandeiras vermelhas, dos sovietes e das espingardas de 1934, para a marmelada democrática capitalista que preenche as nossas ambições actuais, que percurso vergonhoso!


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018