Cuidado com as boas almas

Francisco Martins Rodrigues

25 de Novembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 25 de Novembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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A AD perde terreno a olhos vistos. Aí está uma verdade que não deixa dúvidas a ninguém. Mesmo para uma direita lusitana, esta bate todas as expectativas. É tanta a sofreguidão dos compadres com pressa de encher a sacola, tanta a nulidade engravatada, que os pobres diabos que votaram AD a sonhar com a eficiência e prosperidade tecnocrática, arrepelam os cabelos, desenganados.

O ambiente é de levantar de feira. Bem podem os ministros acotovelar-se diante dos ecrans da televisão. Pela farraparla da tenda, todos percebem que, não tarda, o circo está de mala aviada. E bem aviada, graças a Deus!

Já se diz que o Balsemão II deve dar à costa lá para o Ano Novo, depois de encaixar os insultos das manifestações de Dezembro e desovar a nova pacotada dos preços. Pois que vá e que o leve o diabo.

Quer dizer que a direita perdeu a cartada? Se dessemos ouvidos às boas almas que já por aí andam a deitar contas às eleições antecipadas, a uma queda espectacular da AD, a um governo das “forças democráticas” — tudo estaria a caminho de se compor.

Mas as boas almas esquecem que a direita tem avançado, de há seis anos para cá, precisamente á sombra do desgaste da sua política. Falhou o governo? Pois a culpa é da Constituição que é marxista, é das nacionalizações, é do Conselho da Revolução, é das greves, é do “absentismo fraudulento”. E vá de meter um governo mais à direita!

Quem nos diz que a falência do Balsemão II não vai funcionar como mola para nova guinada à direita? Não é isso que querem os Mellos, os Quinas, os candongueiros, o FMI, a NATO - as forças vivas deste país?

Quero eu dizer na minha que é cretinismo parlamentar esperar que os votos ponham um travão à dinâmica reacionária criada no dia 25 de Novembro de 1975.

É precisa alguma coisa mais palpável. Na rua, nas relações entre as pessoas. E para isso, é preciso que os trabalhadores sacudam as boas almas que há seis anos lhes andam a puxar pelas abas do casaco, com o seu arrependimento bem comportado, o seu desencanto cínico, a sua desorientação, a sua cobardia.

Para a esquerda poder ajustar contas com a direita, é preciso que a classe operária se resolva a fazer política para si própria, neutralize com a sua energia a inconsequência pequeno-burguesa. É dos livros.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2019