Ultraje

Francisco Martins Rodrigues

21 de Outubro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 21 de Outubro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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A "libertação da sociedade civil" lá vai na sua ronda. É agora a vez de comparecerem em tribunal 11 oficiais do RALIS. Cometeram o crime de lesa-Pátria de não reprimir a manifestação de 26 de Setembro de 1975 contra a embaixada de Espanha. Nesse dia, todos o recordam, manifestantes em fúria, ao ser conhecida a execução de cinco nacionalistas bascos, saquearam e destruíram todo o recheio da embaixada e do consulado franquistas em Lisboa.

Fraco e miserável, nisto como em tudo mais, o regime apressou-se a pagar a Espanha, por conta dos estragos, a soma astronómica de meio milhão de contos. (Recebemos, em troca de tanta boa vontade, os lixos nucleares e a invasão das zonas de pesca). O pior foi para montar a cena da justiça: foram precisos 6 longos anos e mesmo assim, o processo está tão esburacado que se teve que ir à procura de um juiz "fixe", dos que gostam de condenar antifascistas e absolver pides. O espectáculo promete.

Os advogados lá vão travando a triste batalha dos requerimentos em papel selado: que os réus sejam considerados abrangidos pela lei da Amnistia; ou que sejam ilibados da acusação, visto que não lhe competia a eles, e sim à PSP, espancar e matar civis; ou que não intervieram por ter percebido que a manifestação era uma provocação da CIA... A velha miséria!

Mas o poder quer uma punição que sirva de exemplo. Não sabiam os oficiais do RALIS que quando a populaça se atreve a deitar pela janela fora a mobília de uma embaixada já não lhe falta muito para despejar um embaixador ou um ministro? Porque consentiram que dissessem que "não estavam para ir defender a embaixada fascista"? Porque não se fizeram obedecer, mandando, se tanto fosse necessário, os soldados disparar uns sobre os outros?

Os oficiais do RALIS vão ser condenados pela pior das faltas, do ponto de vista da burguesia: não terem reagido, por quaisquer meios, ao perigo de o poder "cair na rua". Não terem procedido como o tenente-coronel Eanes, que não hesitou em conspirar e rebelar-se contra a ordem democrática para salvar a segurança da burguesia.

Por isso, Eanes é Presidente da República e goza da gratidão e confiança da burguesia, o que disser o despeitado Freitas. Enquanto os oficiais do RALIS, que acreditaram no “Exército ao serviço do povo”, são arrastados a tribunal, por "insubordinação". A luta de classes tem a sua lógica. Implacável.


Inclusão 03/08/2019