Super-Salgueiro, capataz

Francisco Martins Rodrigues

9 de Setembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 9 de Setembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Num trocadilho bem ao nível mental da AD, o dr. Balsemão comentou, na cerimónia de posse do governo, que o 11 de Março de 1975 produziu uma fractura que ainda não está sarada e uma factura que ainda não está paga. Foi como se dissesse aos operários: "Agora é que vocês vão pagar em cheio o susto que nos pregaram com as ocupações".

Não há dúvida de que isto resume a situação política que vamos ter nos próximos meses. Os chefes da AD meteram-se todos no barco do governo para ver se conseguem cumprir o seu compromisso com os capitalistas: fornecer-lhes força de trabalho mais barata.

Para atirar os trabalhadores para a miséria era preciso arranjar uma sumidade em economia. Apareceu o dr. João Salgueiro. Tarimbeiro dos monopólios, ministro de Marcelo Caetano, sabe-a toda. Sorri com ar de bom rapaz e puxa pela banha de cobra das promessas: em 20 anos poderemos passar da cauda para a vanguarda da Europa. Um espanto!

Para isso, basta aplicar o seu plano, que veio destronar todas as teorias económicas. Ele mesmo o expõe, com simplicidade toda democrática: "Mobilizar as energias dos portugueses para criarem mais riqueza".

"Mobilizar energias" quer dizer: fazer trabalhar o chicote. O novo ministro do Trabalho, Queirós Martins, já se explicou em Leiria: vão ser revistas as leis dos despedimentos, dos contratos a prazo, da contratação colectiva, das férias, faltas e feriados. O programa é simples de explicar aos patrões: contratar sem obrigações, pagar o mínimo, arrancar a pele, despedir sem problemas. Haverá aí algum patriota que discorde?

Na Póvoa do Varzim, 100 mulheres dormem ao relento à porta da fábrica Félix & Filhos para o patrão não fugir com as máquinas e a mercadoria. Há quatro meses que não recebem. Os salários são de 4.500$00 (não é gralha). Os chapeleiros de S. João da Madeira fizeram greve para ver se obrigam os patrões a pagar- lhes 13 contos. Nas confecções Algot, mil operárias, sem salários desde Maio, foram agora avisadas de que estão despedidas.

Isto, para o dr. Salgueiro, tem um defeito: ainda é pouco. Ele quer que estes casos se multipliquem aos milhares.

Não haja dúvida de que o embate vai ser mais sério do que qualquer outro desde o 25 Novembro. A direita vai jogar tudo por tudo para ganhar. É preciso que perca. Na rua.


Inclusão 03/08/2019