O Ingénuo

Francisco Martins Rodrigues

12 de Setembro de 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 12 de Setembro de 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Um voz da oposição civilizada fez-se ouvir no meio dos apelos guerreiros dos generais na Assembleia da ATA no Funchal. Foi no dia 5 que o dr. Mário Soares, em intervenção histórica, convidou com gravidade os seus colegas a “repensar o papel estratégico da NATO” e disse uma porção de coisas democráticas sobre o futuro da Aliança. “A NATO — propôs — deverá afirmar-se positivamente, assumindo a vontade de progresso, de desenvolvimento e de independência nacional dos povos que nela confiam a defesa da sua liberdade”. E foi mais longe. “Deve ser Portugal — disse — a ditar os seus compromissos no quadro da NATO e não a NATO ou qualquer dos seus membros a definirem a política de defesa nacional em Portugal”.

A NATO, caro doutor, não é bem uma aliança de povos livres para a defesa da democracia. Quem lhe disse isso enganou-o. A NATO serve aos generais do Pentágono para ajudar os monopólios americanos a dominarem os “aliados”, a subjugarem os povos e a disputarem o mundo à superpotência rival dos EUA, a União Soviética. É uma aliança de salteadores governada por um grande salteador em luta contra outro salteador. Não garante liberdade nenhuma a não ser a liberdade de comércio da general Motors, da Standard Oil, da Westinghouse. E por isso não pode ser melhorada. Porque é por natureza bandidesca.

Como é possível que você ainda não tivesse dado por isso?

Então você tem estado mesmo convencido de que a NATO colecciona mísseis nucleares, submarinos, esquadrilhas de combate, porta-aviões, tanques e mantém milhões de homens em pé de guerra — para defender a democracia e os direitos do homem! Homem essa é de morte!

Pois você é tão inocente que tenha tomado a sério a conversa fiada sobre a “defesa dos valores sagrados da civilização ocidental”? Pois a sua boa-fé é tão grande que você nunca desconfiou das visitas das esquadras americanas ao Tejo e dos jantares de confraternização dos oficiais do Comiberlant com as altas patentes das nossas Forças Armadas? Pois você ainda não tinha notado que os governos passam e a NATO fica? Você não tinha percebido que a NATO é o governo-sombra de Portugal há 30 anos? Você não estranhou que em pleno governo “humanista” de Lurdes Pintasilgo o coronel Loureiro dos Santos tenha ido a Bruxelas dizer “sim” à instalação de 500 mísseis americanos na Europa?

A sério, ó Soares: vocè ainda não tinha pensado que, por causa da sua subserviência diante da NATO é que agora andamos com a trupe dos Carneiros, do Freitas, do Amaro e do Cavaco às cavalitas nas nossas costas?


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2019