O Regresso dos Afilhados

Francisco Martins Rodrigues

17 de Julho de 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 17 Julho 80

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Para director geral da Fiscalização Económica acaba de ser nomeado o eng. Tovar Faro. A notícia à primeira vista banal, tem o seu interesse. Primeiro porque a Fiscalização Económica não é um cargo qualquer. É uma espécie de super-central de especuladores e candongueiros por onde correm grossos negócios: autorizações, multas, diferenciais, luvas. Quem está à frente desse benemérito serviço acumula muito poder e influência. Foi aí que, noutro tempo o major Silva Pais tomou balanço para subir a chefe da PIDE.

É pois um cargo que só pode ser dado a gente certa, desembaraçada e de lealdade a toda a prova Estará o eng. Tovar Faro à altura da responsabilidade que assim lhe lança sobre os ombros o seu protector eng. Basílio Horta?

Atrevo-me a dizer que sim. E tenho provas. Nos anos 60, o eng. Tovar Faro era governador civil da União Nacional em Portalegre. Distinguiu-se na complexa tarefa de viciar actas eleitorais, distribuir cargos, obter melhoramentos locais para os apaniguados do regime e vigiar os manejos oposicionistas. De tal forma, que o Marcelo, achando-o demasiado queimado, o empurrou para presidente da Junta Nacional de Vinho e da Administração Geral do Açúcar e do Álcool. Escusado será falar das novas perspectivas que estes cargos lhe abriram no mundo dos negócios.

Veio o 25 de Abril e o nosso homem, alvo de um processo de saneamento como fascista, preferiu demitir-se para evitar barulhos e inquéritos. Voltava ao fundo da escala. Como se não bastasse, os trabalhadores rurais tomaram-lhe posse das propriedades, transformando-as em cooperativa. O eng. Tovar Faro viveu as agruras do “terror anarco-populista”.

Com o 25 de Novembro foi a redenção. Em breve a sua estrela recomeçou a subir. Foi nomeado director geral das Indústrias Transformadoras Ligeiras. O MAP e a GNR devolveram-lhe as herdades ao abrigo do direito de reserva. Agora, reconhecidos os seus méritos, vai chefiar a Fiscalização Económica.

Dizem alguns que este cidadão é uma nulidade sob todos os pontos de vista. Pois sim. Mas faz parte da falange dos directores, gestores, consultores e assessores, que são o arcaboiço sólido deste sistema. Embolsam vencimentos equivalentes aos de 8 a 10 operários. Têm carro às ordens e arranjam sem custo viagens de serviço à Suíça ou aos Estados Unidos. Como definiu há dias o dr. Pinto Balsemão, “Somos um governo de princípios, não somos um Governo de interesses”.

A desforra do eng. Tovar Faro é uma pequenina parcela da desforra colectiva dos afilhados do antigo regime. Meteram-se em todas as frestas, como os percevejos. Vai ser preciso recomeçar a limpeza. Desta vez, provavelmente, sem MFA, sem cravos e concórdia nacional. Só com a nossa própria força. Ainda é o sistema mais eficaz, dizem.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2018