Política Madura

Francisco Martins Rodrigues

8 de Maio 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 8 Maio 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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O “Diário” de dia 3 condena a actuação do tenente Faustino, como comandante do posto da GNR de Moura, o qual, quando não tem ocasião para assaltar adegas e chibatar os trabalhadores das cooperativas, se diverte a fazê-los ajoelhar ou a porem-se em sentido.

Lamentando com brandura este procedimento, que classifica de “nada claro” e “impróprio de quem veste o uniforme militar”, o “Diário” diz que “o povo não compreende como pode um corpo militar confiar responsabilidades de comando a um oficial que se comporta como o tenente Faustino”.

Ora, a verdade é que o povo está farto de compreender que a salvajaria dos tenentes Faustinos aspirantes a SS, faz parte da missão que a GNR está a desempenhar no Alentejo. Toda a gente compreende que os Faustinos são o produto mais perfeito da GNR e não uma excepção, como o “Diário” quer fazer crer. Só o “Diário” consegue a proeza de separar a GNR “boa” dos gnrs maus.

Na ânsia de ser simpático para os polícias, o jornal do sr. Miguel Urbano Rodrigues chega a extremos de ridículo. Nem sequer faltou na reportagem do 1º de Maio a foto de uma velhinha abraçada a um polícia sinaleiro, com enternecida legenda, a dar a entender que, se um milhão saiu à rua contra o governo, isso não deve pôr em causa o bom entendimento do povo com as “forças da ordem”.

Seria grave erro, contudo, ver neste fervor do “Diário” pelas fardas só um caso de cretinismo militar crónico. As mesuras à GNR e aos sinaleiros integram-se numa operação mais séria.

O “Diário” faz um esforço tremendo para meter na cabeça das pessoas que, para além dos Faustinos, Soares Carneiros e Pires Veloso, há outra hierarquia, civilizada e liberal, a quem podem entregar os seus destinos.

Neste momento não é já segredo para quase ninguém que o dr. Álvaro Cunhal e os seus amigos estão lançados a todo o vapor na promoção da candidatura do general Eanes como alternativa “nacional” ao candidato da AD. Contra a ameaça de extrema-direita não conhecem outro refúgio senão buscar a protecção da outra direita.

É neste esforço que se integra também a campanha de descrédito e calúnias contra Otelo. Tenta-se a todo o custo convencer os trabalhadores que Otelo é o culpado de todos os males deste país e que não serve como candidato da oposição popular. Para favorecer a causa de Eanes e ganhar as suas boas graças, não sai recuar perante nenhuma baixeza. Como em Fevereiro de 1976, quando o eng. Blanqui Teixeira ia proferir palestras ao Instituto de Altos Comandos Militares, enquanto os militares de Abril eram presos às centenas.

É a chamada política madura. Tão madura que cheira a podre.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018