A Herança do Tarrafal
História do PCP e do Movimento Operário (10)

Francisco Martins Rodrigues

1 de Março de 1978


Primeira Edição: Publicado no Bandeira Vermelha n.º 111 de 1/3/1978
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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A imponente manifestação que atravessou Lisboa no passado dia 18 revelou uma vez mais que se mantêm bem vivo no povo o sentimento antifascista. Mas ela foi também um alerta: não se pode consentir que a veneração dos mártires do Tarrafal seja rebaixada a uma atitude passiva e lamentosa, a um ópio, como fizeram os promotores revisionistas da homenagem. A memória do Tarrafal só será uma arma nas mãos do movimento popular desde que eleve nas massas a disposição activa de combater o fascismo, de barrar o caminho à restauração das forças da direita. Aos militantes do PCP(R) cabem especiais responsabilidades em saber assimilar as lições políticas do Tarrafal e levantar junto das massas essa bandeira de combate.

O Tarrafal foi a resposta brutal do regime de Salazar à greve insurreccional do 18 de Janeiro de 1934, à revolta dos marinheiros, à luta que se levantava contra a exploração sem freio do patronato e contra as leis fascistas.

Manifestação aguda da luta de classes, sem compromissos nem disfarces, o Tarrafal foi como um cadinho onde se forjou o aço da resistência revolucionária antifascista. Dezenas de mortos, entre os quais alguns dos melhores lutadores que até hoje produziu a nossa classe operária, centenas de vidas destroçadas, foi um preço pesado, mas que fez o movimento popular dar um passo em frente, que temperou politicamente a classe operária e levou à reconstrução em moldes leninistas do seu partido.

Com os seus horrores, o Tarrafal fez cair a máscara jesuítica de Salazar, cavou um fosso intransponível entre o campo popular e o campo salazarista, despertou milhares de novos combatentes para a luta antifascista. E o Tarrafal teve também o seu papel na reconstrução do Partido. O PCP dos anos da guerra mundial, o PCP indomável de Gregório, Militão e Alex, o PCP das grandes greves e manifestações, o PCP que produziu heróis da estatura de Ferreira Marquês, José Moreira, Germano Vidigal, Catarina, não teria sido possível sem a luta implacável que se travou no Tarrafal.

Ao mesmo tempo, o Tarrafal depurou o movimento operário e popular, libertou-o da direcção inconsequente do anarco-sindicalismo e do radicalismo pequeno-burguês. O anarco-sindicalismo, já agonizante, morreu no Tarrafal como corrente política. O seu pretenso revolucionarismo revelou-se frágil e quebradiço. Naufragou na desagregação ideológica e política, na deserção e na capitulação. A firmeza exemplar dum Mário Castelhano não chegou para resgatar o fracasso total da corrente anarco-sindicalista. E essa acção depuradora da luta travada no Tarrafal estendeu-se também às fileiras comunistas. Sob a pressão brutal do inimigo de classe, duas correntes oportunistas vieram ao de cima em pânico: a do grupo José de Sousa, em 1941, que se quis mascarar com frases ultra-revolucionárias mas logo descambou na mais vergonhosa capitulação; e a do grupo de Fogaça, Pedro Soares, Vilarigues, João Rodrigues, etc., que em 1943-44, com a sua “política de transição”, tentou oferecer à burguesia uma “saída doce” a troco da liquidação do Partido Comunista.

O Tarrafal foi uma grande prova histórica que obrigou os anarco-sindicalistas, os radicais, os pseudocomunistas conciliadores e os “ultra-revolucionários” a mostrarem a sua verdadeira cor de classe, a desertarem do campo da revolução onde se tinham infiltrado. Só o Partido Comunista com a sua linha revolucionária marxista-leninista se afirmou como a única arma capaz de enfrentar e abater a fera fascista e conduzir a classe operária e o povo no caminho da revolução.

Foi essa grande lição política que o grupo dirigente cunhalista tentou fazer esquecer, quando há dias marchou por Lisboa atrás das urnas dos mártires do Tarrafal. Os cunhalistas, por baixo cálculo político, hipócrita e sem princípios, tentaram apropriar-se de algo que lhes é inteiramente estranho. Na verdade, o que pode haver de comum entre o antigo PCP revolucionário e clandestino dos anos 40, unha e carne com as massas dos pobres, o PCP que desfraldava a bandeira da revolução popular e de Staline, e o actual “PCP”, governado por uma equipa de profissionais da conciliação de classes, afundado no cretinismo parlamentar burguês? O que há de comum entre lutadores da fibra de Bento Gonçalves, Alfredo Caldeira, António Guerra, que caíram nas primeiras linhas do combate antifascista, e indivíduos da laia de Cunhal, Pato, Brito e Comp., politiqueiros que gritam nas praças para negociar nos gabinetes? O que tem de comum o actual Francisco Miguel, imbecilizado pelo revisionismo, fazendo versos às flores, com o velho Francisco Miguel, comunista e revolucionário? Entre uma coisa e outra não há pontos de contacto. Estão em extremos opostos.

No Tarrafal não se negociavam pastas ministeriais nem plataformas de governo. Resistia-se e tombava-se para defender a honra do Partido Comunista e do movimento antifascista. Essa herança pertence ao nosso PCP(R). Cabe a cada um dos membros do nosso Partido saber honrá-la na luta de cada dia ao lado da classe operária e do povo, contra a ofensiva burguesa-imperialista, pelo 25 de Abril do povo.

Leia outro texto de Francisco Martins Rodrigues sobre o Tarrafal


Inclusão 30/09/2016