Marx & Engels
Curso de Marxismo da Academia de Moscou

David Riazanov


Oitava Conferência
O estatuto da I Internacional. A conferência de Londres. O Congresso de Genebra. Informe de Marx. Os congressos de Lausanne e Bruxelas. Bakunin e Marx. O Congresso da Basileia. A guerra franco-prussiana. A Comuna de Paris. A luta de Marx contra Bakunin. O Congresso de Haia.


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Na última vez, tratei de forma extensa a história da fundação da Primeira Internacional e do seu Manifesto Inaugural; falarei agora do estatuto, que igualmente foi escrito por Marx e é composto por duas partes: princípios e organização. Vimos com que maestria Max introduziu no Manifesto Inaugural os princípios fundamentais do comunismo, mas era muito mais importante e difícil introduzi-los no estatuto da Internacional. O Manifesto Inaugural tinha apenas um propósito: explicar a motivação dos operários reunidos na assembleia de 28 de setembro de 1864 para fundar a Internacional. Não era ainda um programa, era somente uma introdução, uma declaração solene que anuncia ao mundo inteiro, como indica seu título, que havia sido fundada uma nova organização internacional, a Associação dos Trabalhadores.

Marx executou com sucesso este segundo trabalho: a tarefa de formular as tarefas gerais do movimento operário nos diferentes países. Eis:

"Considerando: que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores; que os esforços dos trabalhadores para conquistar sua emancipação não tendem a constituir novos privilégios, mas estabelecer para todos os mesmos direitos e os mesmos deveres; que a subordinação do trabalhador ao capital é a fonte de toda servidão política, moral e material; que, por isso, a emancipação econômica dos trabalhadores é o supremo objetivo a que deve ser subordinado todo movimento político: como meio; que todos os esforços feitos até agora fracassaram por falta de solidariedade entre os operários das diferentes profissões de cada país e da união fraternal entre os operários das diversas nações; que a emancipação dos trabalhadores não é um problema apenas local ou nacional, mas que, pelo contrário, este problema interessa diretamente a todas as nações civilizadas, com sua solução necessariamente subordinada à contribuição teórica das mesmas; que o movimento que desenvolve os operários dos países mais industrializados do mundo inteiro, ao engendrar novas esperanças dá um aviso importante para que não se incorra em antigos erros e aconselha combinar todos os esforços até agora isolados".

Lendo atentamente a estes pontos se constata sua exata semelhança com algumas das teses do programa de nosso partido, que são a repetição textual das formuladas por Marx. A leitura dos primeiros programas dos partidos inglês, francês e alemão leva a mesma conclusão. Neles se encontram, particularmente no programa francês e no de Erfurt, alguns pontos que são reproduzidos textualmente das teses inaugurais do estatuto da Internacional.

Obviamente, os membros do comitê provisório da Internacional não interpretavam, todos da mesma maneira, muitas destas teses. Os ingleses, os alemães e os franceses reconheciam que a emancipação da classe operária deveria ser obra dos próprios trabalhadores, mas cada um entendia isto a sua maneira. Os tradeunionistas e os velhos partidos ingleses viam nessa tese um protesto contra a tutela permanente das classes médias, a afirmação da necessidade de uma organização operária independente. Os franceses, então fortemente indispostos com os intelectuais, consideravam que esta tese os colocava em guarda contra os traidores de tal classe, e que os operários poderiam vencer prescindindo desta ajuda. Provavelmente, só os alemães, membros da antiga Liga dos Comunistas, compreendiam as consequências que comportavam esta tese. Se somente a classe operária está em condições de se libertar, toda coalizão com a burguesia, todo acordo com a classe capitalista é uma contradição manifesta. Adverte-se que não se trata da emancipação deste ou de outro grupo de operários, mas da classe operária como um todo; o que, por consequência, requer a organização do proletariado.

Da tese que demonstrava que o monopólio dos meios de produção pelo capitalismo é a causa essencial da servidão econômica se infere que seria necessário suprimir este monopólio. Esta dedução é ratificada na exposição que sustenta a necessidade de suprimir a divisão da sociedade em classes.

O estatuto não diz diretamente, como o Manifesto Inaugural, que para cumprir todos os objetivos que se propõe o proletariado, este deve conquistar o poder político; emprega outra fórmula. Diz somente que a emancipação econômica da classe operária "é o supremo objetivo a que se deve subordinar todo o movimento político: como meio". Como esta tese provocou as mais violentas divergências na primeira Internacional, convém analisarmos.

Qual é o significado da tese? O propósito supremo do movimento operário é a emancipação econômica da classe operária, que somente pode ser conquistada pela expropriação dos meios de produção e a supressão de toda dominação de classe. Mas de que modo isso seria alcançado? Deve-se evitar a luta política, como propunham os socialistas e anarquistas puros? Não, responde a tese elaborada por Marx. A luta política da classe operária é tão necessária como a luta econômica. É indispensável uma organização política; o movimento político da classe operária há de se desenvolver fatalmente, mas esta luta não é um fim em si, como na democracia burguesa, nos intelectuais radicais que colocavam em primeiro plano a modificação das formas políticas, a instauração da república, mas não querem ouvir falar da tarefa fundamental. Por isto, Marx destacava que, para a classe operária, o movimento político é somente um meio para cumprir seu propósito, um movimento subordinado. É verdade que esta fórmula não era tão clara como a do Manifesto Comunista ou a do Manifesto Inaugural, onde se diz que a conquista do poder político se converteu na principal tarefa histórica da classe operária.

Para os membros ingleses da Internacional, a fórmula de Marx era clara. O estatuto foi redigido em inglês e empregava uma terminologia familiar aos velhos cartistas e owenistas, presentes no comitê. Contra estes, que se limitavam a aceitar o "supremo objetivo" e rechaçavam o que concernia à ação política, lutavam os cartistas. Quando os cartistas formularam seu programa com seus célebres pontos, os owenistas censuraram aqueles por esquecer completamente o socialismo. Por sua parte, os cartistas destacavam então que, ao menos para eles, a luta política não era o objetivo principal. Empregavam exatamente a mesma fórmula que Marx empregaria vinte anos mais tarde. Para nós, replicavam os cartistas aos owenistas, é somente um meio e não um fim em si. De modo que a formulação de Marx não suscitou dúvida alguma no próprio comitê. Somente alguns anos mais tarde, quando começaram as discussões virulentas entre os bakuninistas e seus adversários sobre a questão da luta política, este ponto chegou a ser a verdadeira maçã da discórdia. Os bakuninistas sustentavam que as palavras "como meio", originalmente não figuravam no estatuto; que Marx as havia introduzido mais tarde, para impor clandestinamente ao estatuto a sua teoria. E, dessa forma, se suprimidas as palavras "como meio", o ponto passa a ter outro sentido. Segundo isso, no texto em francês estas palavras foram omitidas.

Foi gerado um ligeiro mal-entendido, que teria sido fácil esclarecer, mas que no calor da luta conduziu os adversários de Marx a acusá-lo de falsificação do estatuto da Internacional. Quando foi traduzido o estatuto para a língua francesa, para divulgá-lo na França, suprimiram na edição oficial as palavras "como meio". No texto francês dizia: "a emancipação econômica dos trabalhadores é o supremo objetivo a que deve ser subordinado todo movimento político". Se julgou necessária a supressão para não chamar a atenção da polícia, que vigiava cuidadosamente toda movimentação política entre os operários. Esta última, com efeito, inicialmente considerava os internacionalistas franceses, para empregar nossa velha terminologia, não como "políticos", mas como "economistas". Da mesma forma eram vistos pelos blanquistas que, considerando-se "políticos", cobriam de injúrias todos os internacionalistas, que para eles eram somente miseráveis "economistas".

A questão foi agravada pelo fato de que a tradução francesa do estatuto, assim desnaturalizado, ter sido impressa na Suíça francesa e dali distribuída em todos os países onde a língua francesa estava mais em uso, ou seja, Itália, Espanha e Bélgica. Como veremos mais tarde, no primeiro congresso internacional que ratificou o estatuto provisório da Internacional, cada nação aceitou os pontos do estatuto segundo o texto que tinha em suas mãos. A Primeira Internacional era demasiado pobre para imprimir seu texto em três idiomas. Do texto em inglês, ainda que formasse com o Manifesto Inaugural um pequeno livreto, somente foram impressos mil exemplares, esgotados rapidamente. Guillaume, um dos mais encarniçados adversários de Marx, um dos que o acusaram furiosamente de falsificação, assegura, em sua história da Internacional, que viu pela primeira vez o texto inglês com as palavras "como meio" somente em 1905. Se tivesse desejado poderia ter se convencido antes de que Marx não era um falsificador, ainda que isto não teria modificado em nada sua atitude, pois como sabemos perfeitamente, alguém pode gerar desavenças sobre tática mesmo aceitando um só e mesmo programa.

Há ainda no estatuto um ponto contra o qual os anarquistas não protestaram, mas que do ponto de vista marxista suscitava algumas dúvidas. Já vimos que para obter a unanimidade dos elementos heterogêneos que formavam o comitê, Marx se viu obrigado a fazer algumas concessões. Mas estas concessões não foram feitas no Manifesto Inaugural, mas no estatuto. Vou explicar no que consistem.

Após expor os princípios que os membros do comitê eleito pela assembleia de 28 de setembro de 1864 tomaram como base para fundar a Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx continua:

"O congresso... declara que esta Associação Internacional, como também todas as sociedades e indivíduos que a ela aderiram, reconhecem como base de sua conduta perante todos os homens a 'Verdade', a 'Justiça' e a 'Moral', sem distinção de cor, crença ou nacionalidade. O congresso considerava como um dever reivindicar os direitos do homem e do cidadão não somente para os membros da Associação, mas também para todos os que cumpram seus deveres. Não mais deveres sem direitos, não mais direitos sem deveres".

Em que consistem as concessões feitas por Marx? Sobre isso, ele mesmo escreveu ao seu camarada Engels:

"todas as proposições foram aceitas pela subcomissão. Somente fui obrigado a inserir na introdução do estatuto duas ou três frases, como "obrigação", "direito", "verdade, moral e justiça", mas tudo isso está disposto de modo tal que não prejudique em nada o sentido geral".

Dessa forma, não há ali nada particularmente prejudicial. Pode-se falar de verdade, de justiça, de moral, com a condição de não se esquecer que nem a verdade, nem a justiça e tampouco a moral são algo eterno e imutável, algo absoluto, independente das condições sociais. Marx não negava a verdade, a justiça e a moral; mas demonstrava que o desenvolvimento destes conceitos está condicionado pelo processo histórico concreto e que cada classe lhes atribui um sentido próprio.

Perigoso teria sido se Marx fosse obrigado a repetir a declaração dos socialistas ingleses e franceses, a provar que é necessário realizar o socialismo porque a verdade, a justiça e a moral o exigem, e não porque, como expôs no Manifesto Inaugural, é inevitável e surge logicamente das próprias condições criadas pelo capitalismo, da situação que a classe operária ocupa. Tal como foram colocadas por Marx, estas palavras não são mais do que a comprovação do fato de que os membros da Associação Internacional dos Trabalhadores assumiram a obrigação de ater-se em suas relações mútuas a verdade, a justiça e a moral, isto é, não trair a si mesmo, não trair sua classe, não enganar uns aos outros, trabalhar como camaradas. Estas ideias, que eram para os utopistas os princípios, os fundamentos do socialismo, são em Marx as regras essenciais da conduta da organização proletária.

Mas no ponto de vista que examinamos se diz que estes princípios devem estar na base da conduta dos membros da Internacional, entre eles e com todos os homens, independente da raça, religião e nacionalidade. E isso não é racional. Há que recordar que nessa época a guerra civil torturava os Estados Unidos; que antes, a insurreição polonesa havia sido definitivamente esmagada; que nesse mesmo momento as tropas czaristas terminavam de subjugar o Cáucaso; que, em vários Estados, as perseguições religiosas eram furiosas; que até na Inglaterra os judeus somente haviam obtido seus direitos políticos a partir de 1858 e que nos demais estados europeus ainda não gozavam inteiramente dos direitos civis. Mesmo a própria burguesia não havia realizado os "eternos" princípios de moral e de justiça para os membros de sua própria classe e em seu próprio país os violava sem cerimônias, caso se tratasse de outro país ou nacionalidade.

O segundo ponto sobre os direitos e os deveres suscitou ainda mais objeções. Se impôs, não se sabe o porquê, a cada membro da Internacional, a obrigação de obter os direitos do homem e do cidadão: não só para si mesmo, mas também para os outros. Mas este adjunto não torna mais claro o sentido. Apesar de toda diplomacia, Marx foi obrigado, nesta circunstância, a fazer uma concessão aos representantes dos revolucionários franceses emigrados, membros do comitê.

Deixe-me recordar agora alguns fatos da história da Revolução Francesa. Um dos primeiros atos desta revolução foi a proclamação dos Direitos dos Homens e do Cidadão. Em sua luta contra a nobreza e contra o absolutismo, que arrogavam para si todos os privilégios e deixavam todas as obrigações para os demais, a burguesia revolucionária reivindicou a igualdade, a fraternidade e a liberdade, o reconhecimento para todo homem e cidadão alguns direitos intangíveis, entre eles o direito de propriedade, frequentemente violado pela aristocracia e o poder real em detrimento do terceiro estado.

A esta declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, os jacobinos somente acrescentaram algumas emendas, que deixaram intacto o ponto que concerne à propriedade individual, mas que fazem esta declaração mais radical, do ponto de vista político, com a adição do direito do povo à insurreição e a proclamação da fraternidade de todos os povos. Essa versão ficou conhecida como "Declaração dos direitos de 1793" ou de Robespierre, que foi o programa dos revolucionários franceses a partir de 1830.

Os seguidores de Mazzini, como vimos, insistiam para que seu programa fosse adotado. Em seu celebre livro Os Deveres do Homem, que traduzido ao inglês e era muito popular entre os operários que falavam este idioma, Mazzini, conforme sua insígnia "Deus e Povo", contrariamente aos materialistas franceses com sua declaração dos direitos do homem fundada na razão e na natureza, colocava na base de sua ética idealista a concepção de dever e das obrigações do homem estabelecidas por Deus.

Compreenderão agora de onde provinha a célebre fórmula de Marx: "não mais direitos sem deveres, não mais deveres sem direitos". Obrigado a introduzir em seu documento a reivindicação da Declaração dos Direitos do Homem, aproveitou as divergências existentes entre os franceses e os italianos para destacar em sua fórmula a diferença desta reivindicação com a velha reivindicação da burguesia. O proletariado reclama igualmente os direitos para ele mesmo, mas, desde o princípio, declara que não reconhece direitos ao indivíduo sem deveres perante a sociedade.

Quando, alguns anos mais tarde, o estatuto foi revisado, Marx propôs que fosse suprimido unicamente as palavras que falavam da Declaração dos Direitos do Homem. Enquanto a tese "não mais direitos sem deveres, não mais deveres sem direitos" foi mantida e mais tarde inserida no programa de Erfurt de forma modificada: "iguais direitos e iguais deveres".

Examinemos agora o próprio estatuto:

"Foi fundada uma associação para obter um ponto central de comunicação e de cooperação entre os operários de diferentes países movidos pelo mesmo propósito, a saber: a ajuda mútua, o progresso e a libertação da classe operária. Seu nome é Associação Internacional dos Trabalhadores.

Em 1865 será convocada um congresso internacional operário na Bélgica composto por representantes de todas as sociedades operárias que aderiram à Internacional.

O congresso deverá proclamar ante Europa as reivindicações gerais da classe operária, aceitar em sua forma definitiva o estatuto da Associação, estudar os meios necessários para a eficácia de sua ação e designar o conselho central. O congresso se reunirá a cada ano. O conselho central residirá em Londres e será composto por operários de diferentes países representantes da Associação Internacional; ele elege do seu seio a todos os funcionários necessários para a gestão dos assuntos: um presidente, um tesoureiro, um secretário-geral, secretários específicos para as relações com os países.

A cada ano o conselho central apresentará um informe ao congresso sobre sua ação durante o mesmo período. Eleito pelo congresso, tem o direito de cooptação. Nos casos extraordinários poderá convocar o congresso antes que haja completado o período de um ano.

O conselho central estabelecerá relações com as diferentes associações operárias, de modo que os operários de cada país, estejam constantemente conscientes do movimento de sua classe nos outros países; fará simultaneamente e dentro do mesmo espírito uma pesquisa sobre a situação social; os problemas propostos por uma sociedade cuja discussão seja de interesse geral serão examinados por todos e, quando uma manifestação prática ou uma dificuldade internacional reclamem sua ação, este poderá atuar de modo uniforme. Quando se julgar necessário, o conselho poderá formular proposições e submetê-las às associações locais ou nacionais.

Posto que o êxito do movimento operário de cada país somente pode se assegurar pela força resultante da ação e de associação; que, por outra parte, a utilidade do conselho central depende de sua estreita vinculação com as sociedades operárias já locais, já nacionais, os membros da Associação Internacional deverão se esforçar, cada um em seu país, para reunir em uma associação nacional as diversas sociedades operárias existentes".

Os princípios fundamentais deste estatuto foram ratificados pelo congresso. Uma das principais modificações que foram feitas foi a supressão, por iniciativa de Marx, do posto de presidente do conselho central, que mais tarde foi chamado de "conselho geral".

A experiência da União Operária Geral Alemã fundada por Lassalle demonstrou quais inconvenientes tinha esta instituição completamente inútil. O conselho geral elegia presidente da sessão e para a ordenação dos assuntos dos secretários de países que se reuniam com o secretário-geral.

O estatuto da Internacional foi mais tarde largamente utilizado pelo movimento operário internacional. Não detalharei as modificações que foram introduzidas durante oito anos, mas o deixaram intacto em suas características fundamentais: somente os poderes do conselho geral foram ampliados ao fim da Primeira Internacional.

A tarefa primordial do conselho provisório era convocar o congresso internacional. Sobre este ponto ocorreram discussões acaloradas. Marx insistia que se fizesse desde o primeiro instante os trabalhos preparatórios para que os diferentes países tivessem tempo para conhecer melhor os propósitos da Internacional e poder se organizar. Pelo contrário, os ingleses, que colocavam em primeiro plano os interesses do seu movimento profissional, insistiam que o congresso fosse convocado o mais rápido possível, e nessa posição tinha como aliados os emigrados franceses do conselho central.

A querela terminou com um compromisso. Em 1865 foi convocado, não um congresso, mas uma conferência, realizada em Londres: onde se escutaram toda sorte de informes e foram elaborados os temas de debate do futuro congresso. Suíça, Inglaterra, Bélgica e França foram representadas; a situação não era promissora. Planejou-se o congresso para maio de 1866.

Era na Alemanha onde, apesar de existir a União Operária Geral, os assuntos iam de mal a pior. Lassalle havia morrido em 30 de agosto de 1864 em um duelo, e foi substituído, conforme os estatutos da União, por Bernhard Becker, homem incapaz e pouco influente. Muito maior era a influência de Schweitzer, redator o órgão central da União, o Social-democrata. Mas logo, entre este último e Wilhelm Liebknecht, que fazia parte da redação, surgiram fortes divergências sobre problemas de política interna. Marx e Engels, que haviam aceitado colaborar com o jornal, renunciaram a esta tarefa publicamente pouco tempo depois. O falecido Mehring se esforçou na defesa de Schweitzer para demonstrar que em tal circunstância Marx e Engels não tinham total razão. Mas se enganou completamente: todos os fatos estão contra ele.

Já vimos anteriormente que a tática de Lassalle padecia de defeitos consideráveis: Lassalle se permitia procedimentos inadmissíveis com o bando governamental. Schweitzer ia ainda mais longe. Publicou em seu jornal uma série de artigos que, conforme o próprio Mehring afirmou, por seus disparates sobre Bismarck, lhe produziu uma impressão extremamente desfavorável. Mas Mehring tratava de justificar Schweitzer mostrando que as condições da luta legal exigiam essa tática pretensiosa. Liebknecht, velho revolucionário, não podia, como ele mesmo dizia, adaptar-se a tais condições e exortava seus antigos amigos e mestres contra Schweitzer. Deste modo, Schweitzer foi obrigado a se separar de Liebknecht, e ao lado do último ficaram não somente Marx e Engels, mas também muitos dos seus velhos adversários, como Hesse, que tampouco aceitavam a tática de Schweitzer. A semelhança do que ocorreu na Rússia nas discussões entre bolcheviques e liquidacionistas, nas quais estes últimos foram batizados por Lenin como partido operário "stolypiniano", o de Schweitzer foi chamado pelos velhos militantes clandestinos de partido "bismarckiano".

De qualquer maneira, no momento em que se reuniu a conferência de Londres os alemães próximos a Marx não possuíam nenhum órgão de publicidade e somente se ocupavam em criar sua própria organização, enquanto os lassallianos, não queriam, nessa época, ouvir falar da Internacional. O resultado desta cisão foi que, durante os primeiros anos, os alemães somente participaram da Internacional com os velhos emigrados residentes na Inglaterra e na Suíça.

Os informes apresentados na conferência de Londres demonstram que a situação econômica da Internacional naquele momento era muito ruim. Durante todo o ano havia acumulado uma soma aproximada de 750 francos. Todas as operações de tesouraria, todas as entradas desse ano, representavam umas 33 libras esterlinas. Com tal soma é muito difícil fazer grandes coisas: apenas foi possível pagar o aluguel e satisfazer as necessidades urgentes.

As discussões da ordem do dia renovaram as divergências suscitadas anteriormente entre os franceses radicados em Londres e seus compatriotas que representavam a organização parisiense. Estes últimos não queriam então que se colocasse a questão da independência da Polônia como um assunto puramente político. Os emigrados franceses, apoiados por alguns ingleses, lutavam para que fosse inserido um ponto sobre a religião e reclamavam uma luta implacável contra a superstição religiosa. Marx se posicionou contrário a essa proposição. Sustentava com justeza que, dado o nível pouco elevado do movimento operário e a escassa relação entre os trabalhadores dos distintos países, o fato de colocar tal ponto no debate principal do congresso somente geraria conflitos inúteis. Mas, foi minoria neste debate.

Se passou ainda um ano antes da convocação do primeiro congresso, cuja realização ficou determinada para setembro de 1866. Durante esse tempo, alguns acontecimentos se desenvolveram, sobre os quais quero dizer algo. Na Inglaterra foi um ano de grande e intensa luta política. As trade unions, dirigidas pelos operários ingleses que compunham o conselho central, desenvolveram uma luta encarniçada para conquistar novos direitos eleitorais. Essa luta, repito, se efetuou sob a direção da Internacional. Marx realizava grandes esforços para que os operários não repetissem seus velhos erros e desenvolvessem a luta independentemente, sem coligar-se com os radicais. Mas no início de 1866 reapareceu a tática tão nociva na época do cartismo e que havia causado tanto dano. Com o propósito de conquistar o sufrágio universal, os líderes dos operários, em parte por razões financeiras, realizaram um acordo com o partido mais radical da burguesia democrática, que também reivindicava o sufrágio universal, e organizaram um comitê comum para dirigir esta luta. Havia elementos respeitáveis, como o professor Beesley, e democratas sinceros, mas também haviam indivíduos de profissões liberais, advogados e juízes, representantes da pequena e da média burguesia e, em particular, da burguesia comercial, que desde o começo foi partidária de um compromisso. A luta se realizou à maneira inglesa: organizaram-se encontros e manifestações. Em junho de 1866, Londres presenciou uma demonstração grandiosa, como nunca se havia visto, ainda na época do cartismo. Sob a pressão da multidão agrupada em Hyde Park, onde se reunia a manifestação, cederam as cercas. O governo entendeu que chegava o momento de fazer concessões.

Depois da Revolução de Julho, na Inglaterra um forte movimento a favor da reforma eleitoral foi desenvolvido e que culminou em um acordo. Os operários foram indignamente enganados e somente a burguesia industrial obteve o direito de voto. Ainda então, vendo que a efervescência era grande entre os operários urbanos e que estava obrigado a ceder, o governo propôs uma nova ampliação dos direitos eleitorais, que seria concedido a todos os operários das cidades.

Evidentemente, o direito de voto somente era reivindicado naquele momento para a população masculina; nem sequer se sonhava que pudesse também ser conferido as mulheres. Foi proposto aos operários o seguinte acordo, que foi imediatamente aceito pelos membros burgueses do comitê de reforma eleitoral: o direito de voto se estenderia a todos os operários que possuíam domicílio (ainda que seja de uma parte) e que pagassem um mínimo determinado de aluguel. Desta maneira, o direito de voto foi conferido a quase todos os operários urbanos, exceto os que se alojavam conjuntamente em um só domicílio (situação que era comum então), mas os operários rurais, pelo contrário, não foram contemplados. O autor desta hábil manobra foi o líder conservador inglês, Disraeli, para a qual consentiram os reformistas burgueses, incentivando os operários a aceitar essa concessão e indicando que depois da nova eleição parlamentar poderiam reclamar uma nova extensão dos direitos eleitorais. Todavia, os operários rurais tiveram que esperar ainda vinte anos, até 1885, e somente sob a influência da Revolução Russa de 1905, os que não pagavam aluguel ou não possuíam um domicílio obtiveram, enfim, o direito de voto.

Em 1865-1866 se produziram na Alemanha acontecimentos não menos importantes: uma encarniçada luta pela hegemonia se desenvolveu entre Prússia e Áustria. Bismarck propôs deixar definitivamente a Áustria fora da confederação germânica, fazer da Prússia a coluna vertebral da Alemanha e até reduzir as províncias alemãs que então eram da Áustria. A esta questão me referi ao expor as divergências entre Marx e Engels, de uma parte, e Lassalle, de outra.

O litígio entre Áustria e Prússia terminou em uma guerra. Em duas ou três semanas, a Prússia, que não se importava em se aliar com a Itália contra um Estado alemão, venceu facilmente a Áustria e anexou vários pequenos estados que estavam ao lado desta última: o reinado de Hannover, a cidade livre de Frankfurt, o grande ducado de Hesse, etc. A Áustria foi excluída definitivamente da confederação germânica e se organizou a união do norte da Alemanha, com a Prússia à frente e, para conquistar a simpatia dos operários, Bismarck introduziu o sufrágio universal.

Na França, Napoleão foi obrigado a fazer algumas concessões, com a revogação de determinados artigos do código penal estabelecidos contra as coalizões operárias. As perseguições contra as organizações econômicas, particularmente contra as cooperativas e as sociedades de socorro mútuo, diminuíram, e ganhou terreno entre os operários a corrente que se esforçava em utilizar as possibilidades legais. Além disso, as organizações blanquistas se desenvolveram e travaram uma violenta polêmica com os internacionalistas, a quem reprovavam a renúncia a toda luta revolucionária e flertavam com o governo bonapartista.

Em toda a Suíça francesa, alemã e italiana os operários se ocupavam dos seus assuntos locais e só os emigrados e os estrangeiros se interessavam pela Internacional. A seção alemã que, dirigida por Becker, editava a revista O Precursor, que cumpria então o papel de órgão central para as relações com o estrangeiro e para aqueles operários alemães que se desvincularam do lassallismo e aderiram à Internacional.

O congresso se reuniu em Genebra em setembro de 1866, quando a Prússia havia vencido a Áustria e os operários ingleses havia conquistado uma grande vitória política sobre a burguesia. O congresso se iniciou com um escândalo. Havia chegado da França, além dos proudhonianos, blanquistas que pretendiam participar dos trabalhos; quase todos eram estudantes muito revolucionários e o futuro comissário de justiça da Comuna de Paris, Protot. Ainda que não possuíssem nenhum mandato, eram os que mais causaram alvoroço. No final, foram expulsos. Diz-se que quiseram afogá-los no lago de Genebra, mas esta história é apenas uma lenda. Houve, sem dúvidas, brigas e algumas agressões, como acontece entre os franceses que, em sua luta de frações, nem sempre acabam por se limitar, como fazem os pacíficos eslavos, a simples resoluções de exclusão.

Após o início do trabalho, a batalha principal se desenvolveu entre os proudhonianos e a delegação do Conselho Geral composto por Eccarius e pelos operários ingleses. Marx não pode assistir; estava ocupado na redação definitiva do primeiro tomo de O Capital; ademais, doente e estreitamente vigiado pelos espiões franceses e alemães, teria que superar muitas dificuldades para conseguir fazer essa viagem. Mas escreveu para a delegação um informe minucioso sobre todos os pontos do debate.

Os delegados franceses apresentaram então um informe detalhado, que consistia em uma exposição das ideias econômicas de Proudhon, e se declararam energicamente contra o trabalho da mulher, sustentando que a natureza fez da casa seu lugar, que a mulher deveria se ocupar da família e não do trabalho na fábrica. Rechaçavam explicitamente as greves e os sindicatos, além de defender a cooperação e a organização do câmbio sobre a base do mutualismo. As condições primordiais para atualizar seu programa eram, segundo eles, a realização de um acordo entre as diferentes cooperativas e o estabelecimento do crédito sem interesse. Até insistiram para que o congresso ratificasse a organização do crédito internacional, mas somente conseguiram uma resolução que recomendava a todas as seções da Internacional o estudo da questão e a unificação de todas as sociedades operárias de crédito. Também se opuseram a limitação legal da jornada de trabalho. Foram combatidos pelos londrinos e pelos delegados alemães, que propuseram, como resolução sobre cada ponto da ordem do dia, uma passagem apropriada do informe de Marx, que colocava em destaque os assuntos que provinham das reivindicações da classe operária.

O informe pedia que a Internacional dedicasse toda sua atividade à união e ao agrupamento de todos os esforços dispersos da classe operária que lutavam por seus interesses. Era necessário criar uma vinculação estreita, que não somente permitiria aos operários dos diferentes países compreender sua fraternidade na luta, mas até chegar a atuar como combatentes de um exército emancipador único; organizar a ajuda mútua internacional para as greves e impedir a substituição dos operários de um país por estrangeiros, que é um dos procedimentos favoritos dos patrões.

Uma das principais tarefas que colocava Marx era o estudo metódico, científico, da situação da classe operária de todos os países, estudo que devia ser empreendido pelos próprios operários, e todos os materiais reunidos deveriam ser enviados ao Conselho Geral, que por sua vez os organizariam. Marx indicava, de forma geral, os principais assuntos aos quais os operários deveriam se ocupar.

O problema dos sindicatos provocou vivos debates. Os franceses se declararam contra as greves e contra qualquer organização de resistência aos patrões; viam exclusivamente na cooperação a salvação dos operários. Os delegados londrinos propuseram, em forma de resolução, toda a parte do informe de Marx sobre os sindicatos. Esta foi adotada pelo congresso, que originou o mesmo mal-entendido que as outras decisões da Primeira Internacional. Durante muito tempo, o texto exato da resolução não foi conhecido; os alemães somente o conhecia por uma tradução de Becker, que em todos os sentidos era insuficiente, publicada em O Percursor; a tradução francesa era ainda pior. Traduzida do original inglês, foi publicada pela primeira vez em 1914 no Sovremenny Mir.

A resolução repete, em uma forma ainda mais clara, tudo o que havia sido dito por Marx no Miséria da Filosofia e no Manifesto Comunista sobre os sindicatos, o núcleo fundamental da organização de classe do proletariado. Indica, ademais, as tarefas contemporâneas dos sindicatos e de quais defeitos padeciam fatalmente quando se convertiam em organizações estreitamente cooperativas. Portanto, convém que nos detenhamos nela.

Como surgiram os sindicatos? Como estes se desenvolveram? São o resultado direto da luta entre o capital e o trabalho assalariado. Nesta luta os operários estão em condições muito desvantajosas; o capital é uma força social concentrada nas mãos de um capitalista, enquanto que o operário somente dispõe de sua força de trabalho individual. Por isso, este assunto não é próprio da natureza de um contrato entre o capitalista e o operário. Quando os proudhonianos falavam sobre um contrato livre e justo, demonstravam sua total incompreensão do mecanismo da produção capitalista. O contrato entre o capital e o trabalho não pode ser celebrado em condições justas, ainda em uma sociedade que ponha de um lado, os meios materiais de vida e de trabalho e do outro, a energia produtiva viva. Detrás de cada capitalista está a força da sociedade, que só pode ser contraposta pelos operários com seu número, a força social de que dispõe. Mas a força do número, da massa, se reduz a um mínimo pela divisão dos operários, criada e mantida por sua concorrência inevitável. Em primeiro lugar é indispensável suprimir esta concorrência entre os operários; e das tentativas dos operários para suprimi-la ou ao menos para atenuá-la, para obter por um contrato determinado condições de trabalho que os tirem da escravidão, nasceram os sindicatos. No início, sua tarefa imediata se limitou as necessidades do salário; buscaram os meios para deter a contínua usurpação capitalista; em uma palavra, se ocuparam dos assuntos do salário e da jornada operária. A despeito das afirmações dos proudhonianos, esta ação não somente é legítima, mas necessária, inevitável enquanto subsista o atual sistema de produção e deve ser generalizada mediante a formação de novos sindicatos e por sua união em todos os países.

Mas os sindicatos desempenham um papel não menos importante, que os proudhonianos, em 1866, compreendem tão pouco como seu mestre em 1847. Inconscientemente, os sindicatos foram e ainda são centros de organização para a classe operária, como foram na Idade Média as comunas para a burguesia; e se são necessários para a guerra entre o capital e do trabalho, sua importância é ainda maior como fator de organização para a supressão do regime de assalariamento. Por desgraça, os sindicatos não compreenderam completamente tal tarefa. Demasiados absorvidos em sua luta local e imediata contra o capital, ainda não compreenderam cabalmente a força de sua ação dirigida contra o sistema da escravidão assalariada. Isso explica o porquê de ter se mantido e ainda se manter demasiadamente distantes dos movimentos gerais e políticos.

Marx destacava quais os sintomas que indicavam que os sindicatos começavam a ter a compreensão da sua missão histórica, dentre os quais citava a participação dos sindicatos ingleses (trade unions) na luta pelo sufrágio universal e a resolução que adotaram na conferência de Sheffield, com a recomendação a todos os sindicatos para a adesão à Internacional.

Em conclusão, Marx, que até então havia polemizado contra os proudhonianos, se pôs contra os tradeunionistas puros, que queriam limitar a ação dos sindicatos à assuntos salariais e da jornada de trabalho. Os sindicatos deveriam, ademais, aprender a atuar conscientemente como centros de organização da classe operária para a luta pela sua completa emancipação e seguir todo movimento social e político que tendam a este fim. Considerando-se combatentes e representantes da classe operária e agindo em concordância, assim hão de atrair a suas fileiras todos os operários; vigiar atentamente seus interesses nos ramos industriais menos lucrativos; preocupar-se, por exemplo, com os operários agrícolas que, em virtude de sua situação específica, são reduzidos à impotência; proclamar ante o mundo inteiro que suas aspirações não são estreitas e egoístas, mas que pretendem, concretamente, a libertação dos milhares de oprimidos.

Os debates do congresso de Genebra sobre a questão sindical têm um grande interesse para nós. Os delegados londrinos defenderam com muita inteligência sua posição, pois consideravam que a resolução não era mais que a dedução do extenso informe de Marx, que, infelizmente, somente eles conheciam. Assim, quando o Conselho Geral examinou as questões que deviam figurar na ordem do dia do futuro congresso, surgiram profundas divergências entre seus membros. Por isso, Marx leu no Conselho Geral um informe detalhado no qual explicava a importância dos sindicatos no regime capitalista. Aproveitou também essa ocasião para expor a sua audiência, de forma popular, sua nova teoria do valor e da mais valia, a dependência que existe entre o salário, o lucro e o preço das mercadorias. Estas discussões do Conselho Geral impressionaram por sua seriedade e gravidade dignas de uma sociedade de sábios burgueses. Toda a autoridade, todas as aquisições desta nova ciência econômica marxista foram postas a serviço da classe operária.

Os delegados londrinos defendiam com igual habilidade a resolução de Marx sobre a jornada laboral de oito horas; contrariamente aos franceses, demonstravam, com Marx, que "a condição prévia e sem a qual toda tentativa de melhorias e libertação da classe operária resulta infrutífera, é a limitação legal da jornada de trabalho". Era necessário restaurar a saúde e a energia de cada nação, assegurar a possibilidade do desenvolvimento intelectual, de comunhão social e de sua atividade política.

Tendo como base a proposição do Conselho Geral, o congresso fixou em 8 horas o limite legal da jornada de trabalho. E como esta era também uma reivindicação dos operários dos Estados Unidos, assim se transformou no programa geral da classe operária em todo o mundo. O trabalho noturno seria considerado em casos excepcionais, em alguns ramos da produção e em certas profissões que seria determinado claramente pela lei, mas com aspiração a ser suprimido.

Em sua nota-informe Marx não estudava em detalhe, infelizmente, a questão do trabalho da mulher; acreditou que bastava dizer que o parágrafo sobre a redução da jornada de trabalho se referia integralmente a todos os operários adultos, homens e mulheres. Por conseguinte, especificava que estas últimas não deviam empregar-se no trabalho noturno e não poderiam ser obrigadas a cumprir nenhuma função prejudicial para seu organismo nem exercer um ofício que requeresse a manipulação de substâncias venenosas ou nocivas à sua saúde. Assim, como a maioria dos franceses e dos suíços se manifestaram categoricamente contra o trabalho da mulher, o congresso adotou a tese de Marx e a resolução dos franceses, com a qual se declarou, em suma, que era preferível impedir o trabalho feminino, mas que, onde não fosse possível, teria que se contentar com os limites fixados por Marx.

Pelo contrário, a tese de Marx sobre o trabalho das crianças e dos adolescentes foram adotadas integralmente, sem ter sido feita nenhuma emenda proudhoniana. Dizia-se nestas que a tendência da indústria de fazer crianças e adolescentes de ambos sexos colaborar na obra da produção social, era uma tendência progressista, sã e legítima, ainda que, sob a dominação do capital, se transformava em horrível flagelo. Em uma sociedade racionalmente organizada, segundo Marx, todos as crianças, a partir dos 9 anos, deveriam ser produtores. De igual modo, nenhum adulto são pode escapar do cumprimento desta lei da natureza: trabalhar para ter a possibilidade de comer, e não somente trabalhar intelectualmente, mas também fisicamente. A este respeito, Marx propôs um programa de combinação do trabalho manual com o intelectual, programa que comportava o desenvolvimento intelectual geral, o politécnico, que proporcionaria às crianças conhecer as bases científicas de todos os procedimentos de produção.

Em sua nota-informe, Marx se referia a cooperação, oportunidade em que aproveitou não somente para criticar as ilusões dos cooperativistas puros, mas também para destacar a condição especial para a existência do movimento cooperativo. Como no Manifesto Inaugural, não concedeu sua preferência às cooperativas de consumo, mas às de produção; "mas não é com as cooperativas, quaisquer que sejam — agrega — que se pode suprimir o regime capitalista. Para isto é necessária uma mudança mais vasta, mais radical, que se estenda a sociedade inteira. Modificações tais que só podem se produzir por meio de uma força social organizada, o poder estatal, que passarão das mãos dos capitalistas e latifundiários as da classe operária". Assim, pois, proclamou Marx a necessidade da conquista do poder político pelo proletariado.

O projeto de estatuto que vocês já conhecem foi adotado sem nenhuma modificação. A tentativa dos franceses (que já haviam suscitado esta questão na conferência de Londres) de não entender por "operário" mais do que as pessoas ocupadas em um trabalho manual e excluir os representantes do trabalho intelectual, foi fortemente combatida. Os delegados ingleses declararam que para aceitar a proposição dos franceses seria necessário excluir o próprio Marx, que tanto havia feito pela Internacional.

O congresso de Genebra desempenhou um papel importante como instrumento de propaganda: todas suas resoluções para estabelecer as reivindicações primordiais da classe operária, escritas quase exclusivamente por Marx, entraram no programa mínimo prático de todos os partidos operários. O congresso teve uma imensa repercussão em todos os países, compreendida a Rússia, onde já, em 1865, o Sovremenny reproduziu grande parte do Manifesto Inaugural, apresentando-o como escrito de Marx. Após o congresso de Genebra, que deu forte impulso ao movimento operário internacional, a Internacional adquiriu grande popularidade e chamou a atenção de algumas organizações democráticas burguesas que tentaram utilizá-la para seus propósitos.

No congresso seguinte, realizado em Lausanne, a luta se deu ao redor da participação no congresso de uma nova sociedade internacional, a Liga para a Paz e a Liberdade, que deveria se reunir em Genebra. Triunfaram os partidários da participação. Só no congresso seguinte, realizado em Bruxelas, triunfaria o ponto de vista do Conselho Geral e se decidiu propor a Liga que aderisse à Internacional e se afiliassem às respectivas seções de cada país.

Marx não participou destes dois congressos. Ainda não havia sido encerrado o congresso de Lausanne, quando o primeiro tomo de O Capital foi publicado. No congresso seguinte, realizado na cidade de Bruxelas em 1868, foi adotada a proposição da delegação alemã, uma resolução que recomendava aos operários de todos os países o estudo de O Capital. Esta destacava o imenso mérito de Marx: é "o primeiro economista que submeteu o capital a uma análise minuciosa e reduziu a seus elementos fundamentais".

Entre outras coisas, examinou o congresso de Bruxelas a questão da influência das máquinas na situação da classe operária, as greves e a propriedade territorial. As resoluções adotadas são, mais ou menos, compromissos; pelo contrário e pela primeira vez, o ponto de vista do socialismo ou, como se dizia então, do coletivismo, triunfou contra o critério dos franceses; se reconhecia a necessidade de socializar os meios de transporte, de comunicação e o solo, mas esta resolução somente foi adotada de forma definitiva no congresso seguinte, realizado na Basileia em 1869.

A questão política fundamental que foi motivo de preocupação da Internacional após o congresso de Lausanne foi a guerra e os meios possíveis de ser empregados para combatê-la. A guerra de 1866, entre Prússia e Áustria, vencida pela primeira, fez surgir a opinião de que esta guerra originaria, em breve, outra entre a França e a Prússia. Em 1867, as relações entre ambos países estavam delicadas. As aventuras coloniais empreendidas por Napoleão para refazer seu prestígio, pelo contrário, prejudicaram consideravelmente sua situação. A expedição empreendida ao México, realizada sob a pressão dos grandes financeiros, o indispôs fortemente com os Estados Unidos, que eram categoricamente hostis a toda tentativa das potências europeias de intervir nos assuntos da América. O plano de Napoleão foi frustrado lastimavelmente. Urgia reparar suas desventuras na Europa, mas ali o perseguia também a desgraça; obrigado a fazer concessões na política interna, esperava, mediante uma anexação na Europa, ampliar as possessões francesas e consolidar sua situação. Assim, foi gerado o assunto de Luxemburgo em 1867; depois das tentativas frustradas para obter algum território à margem esquerda do Reno, Napoleão tentou comprar o grande ducado de Luxemburgo junto a Holanda, que até 1866 pertencera a Confederação alemã, mas cujo chefe supremo era o rei da Holanda. Em outro tempo havia neste ducado uma guarnição prussiana, que já havia se retirado. A notícia da transação entre Napoleão e os Países Baixos produziu efervescência entre os patriotas alemães; se respirava então uma atmosfera de guerra, mas Napoleão, não se considerando pronto, se bateu em retirada, e assim seu prestígio sofreu consideravelmente e teve que fazer novas concessões à oposição, que aumentava sua força sem cessar.

Quando se realizou o congresso de Bruxelas, a situação era tão aguda que a cada dia se esperava a guerra, com a convicção de que esta eclodiria assim que a França e a Prússia terminassem os preparativos e encontrassem um pretexto favorável. Estava posta ao movimento operário, que a cada dia se desenvolvia mais e mais, a questão alarmante das medidas a empregar para impedir essa guerra, que desferiria um terrível golpe aos operários franceses e alemães. Daí que a Internacional, que desde 1868 representava uma força considerável e estava à frente do movimento operário internacional, não podia senão se interessar profundamente pelo assunto. No congresso de Bruxelas, uns pediam a organização de uma greve geral em caso de guerra; outros demonstravam que somente o socialismo poria um fim, e depois de animados debates foi adotada uma resolução contemporizadora e bastante confusa.

Tal como no verão de 1869, o espectro da guerra parecia ter se esmorecido, e assim no congresso da Basileia os problemas econômicos e sociais ocuparam a posição principal; pela primeira vez, se colocou de maneira categórica o problema, já tratado brevemente em Bruxelas, da socialização dos meios de produção e, desta vez, os adversários da propriedade individual da terra, triunfaram definitivamente. A derrota dos proudhonianos foi completa, mas surgiram outras divergências, pois ali aparecia o representante de uma nova tendência, Bakunin. De onde vinha? Após 1840, o vemos em Berlim; sabemos que passou pela mesma escola filosófica que Marx e Engels; que no início da Revolução de 1848 se pôs ao lado dos emigrados alemães que, a partir de Paris, haviam organizado uma legião revolucionária para invadir a Alemanha. Durante o processo revolucionário, esforçou-se na Morávia para unificar os revolucionários eslavos; preso em seguida, foi condenado à morte, mas quando entregue à Nicolau I, foi encarcerado em Schlüsselburg. Alguns anos mais tarde, sob o reinado de Alexandre II, foi enviado à Sibéria. Isto ocorreu em 1862. Se envolveu nos assuntos russos, aliou-se com Herzen, escreveu alguns folhetos sobre as questões eslava e russa, onde demonstrava a necessidade da união revolucionária dos eslavos e cometeu uma tentativa desastrada de participar da insurreição polonesa. Em 1864, se encontrou com Marx em Londres e por ele soube da fundação da Internacional. Prometeu participar desta e se mudou para a Itália, onde se ocuparia de outras coisas. Como em 1848, Bakunin acreditava que Marx superestimava a importância da classe operária; opinava que os intelectuais, estudantes, representantes da democracia burguesa e, particularmente, o lumpemproletariado, constituem um elemento muito mais revolucionário.

Enquanto a Internacional lutava contra as primeiras dificuldades e chegava de forma gradual a ser a organização internacional mais influente, Bakunin trabalhava na Itália para organizar sua sociedade revolucionária; logo passou a Suíça, onde se afiliou a Liga burguesa para a Paz e a Liberdade, do qual comitê central chegou a ser preso. Dessa saiu em 1868, mas ao invés de entrar na Internacional fundou com seus camaradas uma nova sociedade: a Aliança Internacional da Democracia Social.

Essa sociedade era, pelo menos na aparência, muito revolucionária; declarava guerra implacável a Deus e ao Estado e exigia que todos seus membros fossem ateus; seu programa econômico não se destacava pela clareza e ao invés de tender a supressão das classes, postulava sua igualdade econômica e social. Apesar dos seus alardes revolucionários, nem sequer se mantinha consequente com um programa socialista e se limitava a reclamar a supressão do direito de herança. Sem dúvida, para não aterrorizar os fugitivos das outras classes, se recusava a destacar com nitidez seu caráter de classe.

A Aliança se dirigiu ao Conselho Geral para pedir seu ingresso na Internacional, mas em caráter de associação especial, com estatuto e programa próprios. Com isso abordamos um dos pontos mais espinhosos. Como Marx gozava de grande influência dentro do Conselho Geral, lhe responsabilizam correntemente por todas as decisões que aquele tomava, e isso é um exagero. Mas na decisão que concerne a Bakunin é efetivamente a Marx que devemos atribuir a maior responsabilidade. Se acreditamos, não somente nos partidários de Bakunin, mas também em alguns marxistas que defenderam o intriguista, mas sincero revolucionário, Marx foi demasiadamente grosseiro ao responder o pedido da Aliança com uma negativa categórica.

Para compreender a fundo a discussão imagine, por exemplo, que uma organização que acaba de se desvincular de uma sociedade democrática qualquer se dirige a Internacional Comunista pedindo para ser aceita em seu seio, mas reclama o direito de existir como uma sociedade que possui um programa, e ainda o de convocar seu congresso especial. Responderiam, com razão: certamente vale mais tarde do que nunca, e se compreenderam o erro de aliar-se com a burguesia, venham conosco, que serão bem-vindos, mas comecem por dissolver sua organização e ingressem em nossas diferentes seções. Não poderia estar nessa resposta uma prova de hostilidade ou de aversão contra a organização de outrora.

Ademais, convém não esquecer a seguinte circunstância: quando do programa de sua Aliança, Bakunin enviou uma carta pessoal a Marx quase quatro anos depois de ter-lhe escrito na Itália para propor que trabalharia ali pela Internacional, e não apenas não cumprir esta promessa, mas ali dedicou todas suas forças ao movimento burguês. Agora escrevia a Marx, é verdade, manifestando que compreendia melhor do que nunca quanta razão tinha ao escolher o largo caminho da revolução econômica enquanto ridicularizava os que cometiam equívocos nas ações nacionais ou ações puramente políticas. E agregava pateticamente: "desde o adeus público e solene que o congresso de Berna deu aos burgueses, não conheço outra sociedade nem outro meio que o mundo dos operários. Minha pátria será agora em diante a Internacional, da qual tu és um dos principais fundadores. Veja, meu amigo, sou teu discípulo e estou orgulhoso de sê-lo".

Esta carta tem a virtude de encher de lágrimas e de ternura os amigos de Bakunin e provocar indignação contra Marx, o homem sem coração que tão brutalmente rechaçou a mão que lhe fora estendida. Mehring disse que não é possível duvidar da sinceridade das declarações de Bakunin.

Tampouco tenho a intenção de suspeitar da sinceridade de Bakunin, mas rogo aos leitores que se ponham no lugar de Marx. Este era, áspero por natureza, mas o mesmo Mehring reconheceu que até o final de 1868, Marx deu provas de grande tolerância com Bakunin. Todos têm seus limites; e basta ler a carta de Bakunin com atenção para que se compreenda que seu tom sentimental tenha sido pouco convincente para Marx. Não é uma carta escrita por um jovem, mas por um homem de mais de 50 anos, que já anteriormente havia aderido ao "mundo dos operários" para esquecê-lo logo em seguida e se refugiar no "mundo da burguesia". Depois de quatro anos de permanência neste mundo, profundamente enganado e desejoso de entrar novamente na ampla via, Bakunin solicitou sua admissão na Internacional, mas exigindo condições verdadeiramente excessivas. Marx, pois, que em 1864 foi até benevolente com Bakunin, se colocou dessa vez, com razão, com um pé atrás.

Logo que o Conselho Geral rechaçou categoricamente o pedido de Bakunin, este anunciou que a Aliança seria dissolvida e que sua organização se transformaria em seções da Internacional, mas com a conservação do seu programa teórico. O Conselho não consentiu em admitir as seções da Aliança, mas em condições normais.

Tudo parecia encerrado. Mas Marx suspeitou que Bakunin havia enganado o Conselho Geral e que, ao dissolver sua associação oficialmente, ainda conservara efetivamente sua organização central, para que pudesse conseguir se apoderar da Internacional. E justamente esta foi a base do litígio. Estamos dispostos a admitir que Marx era um homem mal e Bakunin um anjo bondoso, mas não é esta a questão, porque Bakunin também tinha seus defeitos. E quem não os têm? O que devem responder seus defensores, de forma clara, é o seguinte: existia ou não uma organização secreta? Se permitiu ou não Bakunin enganar o conselho geral da Internacional, assegurando-lhe que havia dissolvido sua associação?

Apesar do cego amor a Marx do qual Mehring me acusa, eu estaria disposto a reconhecer juntamente a ele que Bakunin foi indignamente caluniado se o finado Guillaume, velho amigo daquele e historiador da Internacional, tivesse demonstrado que a Aliança foi, de fato, dissolvida. Mas o certo é que, infelizmente, ela existia e realizava uma luta encarniçada contra a Internacional. Nessa luta, nosso honrado Bakunin pôs em ação todos os meios que julgou necessários para alcançar seu objetivo, coisa que não lhe pareceu reprovável. Mas é ridículo ver seus partidários esforçando-se em apresentá-lo como um homem que jamais recorreu a meios perigosos e, como assegura um dos seus defensores menos inteligentes, que nunca teve um propósito oculto.

Qual foi o objetivo para o qual Bakunin não vacilou em utilizar todos os meios? Destruição da sociedade burguesa, revolução social, eis o que queria Bakunin: mas Marx tinha o mesmo propósito, de modo que as divergências devem ser buscadas em outro ponto, com efeito, Marx e Bakunin estavam em completo desacordo sobre a maneira como alcançar este objetivo. Antes de tudo há que destruir, para que, logo em seguida, tudo se reforme a si mesmo, e quanto mais rápido melhor. Basta sublevar aos intelectuais revolucionários e aos operários exasperados pela miséria. Para ele, somente era necessário um grupo composto por homens decididos, iluminados pelo fogo sagrado. Aqui, em essência, toda a doutrina de Bakunin, que à primeira vista, lembra a de Weitling, mas a semelhança é superficial somente e igualmente tem apenas uma superficial analogia com a de Blanqui. Bakunin se recusava a admitir a necessidade da conquista do poder político pelo proletariado, negava qualquer luta política realizada na sociedade burguesa existente, enquanto tinha a tendência para conquistar condições mais favoráveis para a organização da classe proletária. Daí que Marx e todos os que como ele, julgava necessário realizar a luta política e organizar o proletariado para a conquista do poder política, foram, aos olhos de Bakunin e seus adeptos, oportunistas inveterados que atrasavam a marcha da revolução social.

Os bakuninistas aproveitaram, pois, a ocasião, para associar a imagem de Marx a de um homem que para a realização das suas ideias não vacilou em falsificar os estatutos da Internacional; publicamente e em particular, em suas cartas e circulares, o encheram de injúrias, não retrocederam sequer diante de procedimento antissemitas e até chegar a acusá-lo de ser agente de Bismarck.

Na Itália e Suíça, Bakunin mantinham numerosas relações e nesse último, sobretudo na parte romana, tinha muitos partidários. Não estudarei este fato porque isso me levaria demasiado longe; mas me limitarei a dizer que sua propaganda foi produtiva, sobretudo entre os operários instáveis e os relojoeiros assediados pela concorrência da grande indústria da relojoaria.

Quando Bakunin se apresentou ao congresso da Basileia, seu grupo já era considerável e, como acontece em casos semelhantes, a primeira batalha se deu em torno de um assunto distinto do que constituía a base do desacordo. Bakunin, que protestava de forma violenta contra o oportunismo, reclamava com particular insistência que a supressão do direito de herança fosse adotada como uma das reivindicações do movimento. Atentando-se ao informe de Marx, os delegados do Conselho Geral demonstravam que essa medida, como já indicava o Manifesto Comunista, era uma das tantas medidas de transição que o proletariado tomaria imediatamente após a tomada do poder político; entretanto, somente se podia reclamar o aumento do imposto sobre as sucessões e a restrição do direito de testar. Mas Bakunin ignorava a lógica e as condições reais; o que buscava nesta reivindicação era o meio de agitação que ela comportava. No fim, nenhuma resolução obteve a maioria.

Outro conflito se desenvolveu entre Bakunin e o velho Liebknecht. O congresso de Basileia foi o primeiro no qual participaram um grupo considerável de delegados alemães, pois, nesse tempo, Liebknecht e Bebel haviam conseguido, após uma encarniçada luta fracionista contra Schweitzer, organizar um partido que em seu congresso constituinte de Eisenach, adotara o programa da Internacional. O órgão central deste novo partido criticou de maneira virulenta a ação de Bakunin na Liga da Paz e da Liberdade e revelou detalhadamente seus velhos pontos de vista pan-eslavistas. Mehring diz que muito tempo depois, Marx se declarou contra essa crítica, mas, como vimos no caso de Vogt, se considerava responsável por todos os atos dos marxistas, entre os quais estavam Liebknecht e Bebel. Bakunin aproveitou o congresso para efetuar um ajuste de contas com Liebknecht, que se encerrou com uma reconciliação, mas que somente foi temporária.

O congresso seguinte deveria reunir-se em Mainz, mas não pode ser realizado. Imediatamente após o congresso da Basileia, as relações entre a França e a Alemanha se acirraram te tal forma que se poderia esperar a qualquer momento a declaração de guerra. Bismarck, um dos grandes patifes que já existiu, enganou habilmente o seu velho mestre Napoleão e, assim que esteve preparado dos pés à cabeça para a guerra, organizou as coisas de modo que ante os olhos do mundo a França aparecesse como agressora. A guerra eclodiu, e nem os operários franceses nem os alemães estiveram em condições de impedi-la. Alguns dias depois da declaração de guerra, o Conselho Geral publicou um manifesto redigido por Marx. Esta começa com uma citação do Manifesto Inaugural da Internacional, na qual se condenava "a política exterior desenvolvida em concordância com os prejuízos nacionais, perseguindo propósitos criminosos e o desperdício do sangue e dos bens dos povos em guerras de rapina". Seguia uma requisitória contra Napoleão, na qual Marx descreve sucintamente a luta deste contra a Internacional, luta que se reforçou quando os internacionalistas franceses realizaram uma encarniçada agitação contra ele. De qualquer modo que a terra termine, acrescenta Marx, o Segundo Império está perdido; terminará como começou, como uma paródia.

Era Napoleão o único culpado pela situação? Não completamente. Todos os Estados europeus também o foram, pois não podemos esquecer que estes e as classes dominantes da Europa ajudaram Bonaparte durante quase 18 anos a desempenhar a comédia da restauração do Império.

Contra a Alemanha, Marx dirigiu os ataques mais violentos. A atual guerra é para os alemães, dizia, uma guerra defensiva, mas, quem colocou a Alemanha nesta posição com a necessidade de se defender? Quem sugeriu a Napoleão o ataque contra a Alemanha? Prússia. Esta realizou um acordo com Napoleão contra a Áustria. Se a Prússia tivesse sido derrotada, a França teria invadido a Alemanha. E o que fez a Prússia após sua vitória sobre a Áustria? Ao invés de opor à França escravizada uma Alemanha livre, não somente manteve intacto o velho regime prussiano, mas acrescentou a ele todos as características fundamentais do regime bonapartista.

A primeira fase, a fase decisiva da guerra, foi de uma rapidez aterradora. O exército francês não estava preparado; apesar da declaração presunçosa do ministro de guerra, que afirmava que tudo, até o último botão, estava pronto, se averiguou que ainda que estivessem prontos os botões, não haveria onde costurá-los. Em cerca de seis semanas, o exército regular francês foi derrotado completamente e Napoleão capitulou em 2 de setembro em Sedan. Em 4 de setembro se proclamou a República em Paris e, contrariamente à declaração da Prússia, afirmando que combatiam o império napoleônico somente, seguiram as hostilidades. Esta foi a segunda fase da guerra, a mais longa e encarniçada.

Imediatamente após à proclamação da República na França, o Conselho Geral publicou um segundo manifesto sobre aquela guerra. Este manifesto, também redigido por Marx, é, pela profunda análise da situação e agudeza de sua visão histórica, uma de suas obras mais geniais. E é interessante o fato de que Marx assinou como secretário do Conselho Geral não somente para a Alemanha, mas também para a Rússia, pois pouco tempo antes havia se constituído na Suíça uma seção russa da Internacional.

Como vimos, Marx preconizou no primeiro manifesto que a guerra resultaria na queda do Segundo Império. O segundo, se inicia com a recordação desta passagem, mas não se justificava menos a crítica que Marx fez anteriormente sobre a política prussiana, pois a guerra defensiva da Prússia se transformou em um ataque aberto contra o povo francês. Desde que a desagregação do exército francês ficou evidente, muito antes da capitulação de Sedan, o bando militar prussiano optou pela política de conquista. A crítica feita por Marx à hipócrita burguesia liberal alemã foi igualmente impiedosa. Aproveitando as indicações feitas por Engels, que como especialista militar, seguia atentamente o desenvolvimento da guerra e que na primeira quinzena de agosto profetizara a catástrofe de Sedan, Marx analisou os argumentos militares com que os generais prussianos e Bismarck se esforçaram para justificar a anexação da Alsácia e Lorena.

Se decidiu categoricamente contra toda anexação ou contribuição e mostrou que uma paz de violência conduzia a resultados diametralmente opostos aos esperados; uma nova guerra é a consequência de semelhante paz. A França iria querer retomar o que fora perdido e para conseguir trataria de se aliar com a Rússia. Deste modo, a Rússia czarista, que havia perdido sua hegemonia após a guerra da Crimeia, voltaria a ser árbitro dos destinos da Europa. Este prognóstico genial, essa previsão do desenvolvimento da história europeia, que é uma das provas práticas mais brilhantes da justeza da concepção materialista da história, termina com essas palavras:

"Acreditam verdadeiramente os patriotas alemães garantir efetivamente a paz e a liberdade da Alemanha, jogando a França nos braços da Rússia? Se o êxito do exército, a embriaguez da vitória e as intrigas dinásticas conduzem a espoliar territórios franceses, dois caminhos se abrem para a Alemanha. Ou se transforma em instrumento consciente dos planos prussianos, política alinhada com a tradição de Hohenzollern, ou ao cabo de certo tempo muito breve deverá se preparar para uma nova guerra "defensiva"; mas esta não será uma guerra "localizada", será uma guerra de raças, uma guerra contra eslavos e latinos aliados. Eis a paz "garantida" à Alemanha pelos obtusos patriotas burgueses".

Esta previsão se cumpriu ao pé da letra, como puderam ver os atuais patriotas alemães, não menos obtusos do que seus antepassados. O manifesto termina com a exposição das tarefas que se impunham então à classe operária: exortar aos trabalhadores alemães a exigir uma paz honrável e também o reconhecimento da república francesa. Aos operários franceses, que estavam em uma situação muito mais complicada, Marx lhes aconselhava a não perder de vista os republicanos burgueses e utilizar o regime da república para que pudessem desenvolver sua organização de classe e obter sua emancipação.

Os acontecimentos não tardaram em justificar a desconfiança de Marx perante os republicanos franceses. Sua conduta infame, sua disposição de conciliar com Bismarck antes mesmo que este fizesse a menor concessão à classe operária determinaram a eclosão da Comuna. Depois de três meses de luta heroica, este primeiro ensaio da ditadura do proletariado, realizado nas mais desfavoráveis condições, foi vencido. O Conselho Geral não estava em condições de prestar aos franceses a ajuda necessária; Paris estava isolada do mundo inteiro e do resto da França pelas tropas francesas e alemães. Certo é que a Comuna despertou simpatias gerais e podemos dizer com todo orgulho que sua sorte emocionou profundamente mesmo a Rússia, onde, já em abril de 1871, um grupo de revolucionários dirigidos por Gontcharov, publicou manifestos para exortar ao povo a seguir o exemplo dos communards.

Marx, que durante a Comuna, como comprova uma de suas cartas (encontrada por mim) ao iminente internacionalista e mártir da Comuna, Varin, esforçou-se em manter relações com Paris, foi encarregado pelo Conselho Geral de escrever um manifesto sobre a experiência francesa. Nele defendia os comunistas caluniados pela totalidade da imprensa burguesa e manifestava que a Comuna é uma nova e grande etapa do movimento proletário, o protótipo do Estado proletário, que assumirá a realização final do comunismo. Já com a experiência de 1848, Marx havia chegado à conclusão de que a classe operária não poderia se limitar à conquista do poder político burguês, mas que deveria destroçar esse organismo burocrático e policial, e a experiência da Comuna o convenceu definitivamente dessa verdade. Ela ensinou que o proletariado, uma vez dono do poder, está obrigado a criar seu próprio órgão estatal adaptado as suas necessidades. Ela ensinou igualmente que o Estado proletário não pode encerrar-se nos marcos de uma cidade, ainda que seja a capital. O poder do proletariado deve estender-se a todo o país para se consolidar, e a vários países capitalistas para obter a vitória definitiva.

Pelo contrário, Bakunin e seus seguidores extraíram outras distintas conclusões da experiência da Comuna. Seguiram combatendo, mas com mais violência, toda política e todo Estado, recomendando a organização, quando possível, de "comunas" nas cidades isoladas cujo exemplo seria imitado por outras.

A derrota da Comuna de Paris prejudicou consideravelmente a Internacional e o movimento operário francês foi praticamente interrompido durante vários anos. Na Internacional somente esteve representado pelas communards radicados na Inglaterra ou na França, que conseguiram escapar das duras perseguições e entre os quais se desenvolvia a mais encarniçada luta de fração, luta esta que foi levado ao seio do Conselho Geral.

O movimento operário alemão foi igualmente afetado. Liebknecht e Bebel, que protestaram firmemente contra a anexação de Alsácia e Lorena e se solidarizaram com a Comuna de Paris, foram detidos e condenados à prisão. O partido havia perdido a confiança em Schweitzer e se viu obrigado a abandoná-lo. Os seguidores de Liebknecht e de Bebel, os "eisenachianos", como se denominavam, continuavam trabalhando à margem dos lassallianos e somente iniciaram uma aproximação com estes quando o Estado perseguiu vigorosamente aos partidos em luta. Deste modo, a Internacional perdeu de um só golpe seu apoio nos dois principais países da Europa continental.

Até no movimento operário inglês também ocorreu uma reviravolta. A guerra entre os dois países mais desenvolvidos do continente, do ponto de vista industrial não foi menos proveitosa para a burguesia inglesa do que foi a Guerra Mundial para a burguesia dos Estados Unidos. Então foi possível à burguesia inglesa a possibilidade de retirar dos seus lucros fabulosos certa quantidade e distribuir esta soma entre os numerosos operários empregados nos principais ramos da indústria. Os sindicatos desfrutaram de liberdade de ação; algumas velhas leis dirigidas contra eles foram suprimidas e tais reformas influenciaram diretamente alguns membros do Conselho Geral, que tinham um papel importante no movimento tradeunionista. A medida em que a Internacional se tornava mais radical, muitos deles se tornavam cada vez mais moderados. No aspecto formal, eram membros do Conselho Geral, mas utilizavam tal título apenas para seus interesses pessoais. A Comuna e os furiosos ataques que ela provocou contra a Internacional os amedrontou; se apressaram em declarar que não se solidarizavam com o manifesto sobre a Comuna de Paris, ainda que Marx o tivesse escrito sob ordem do Conselho Geral. Tudo isso determinou uma cisão na seção inglesa da Internacional.

Nessas condições foi convocada, em Londres, no fim de setembro de 1871, a conferência da Internacional, que se ocupou principalmente de duas questões. Constituía a primeira a litigiosa questão da luta política, e um dos motivos que induziram a conferência a se ocupar desta foi a conduta dos bakuninistas que insistiam na acusação contra Marx de ter falsificado intencionalmente o estatuto da Internacional para impor-lhe sua opinião. A resolução desta vez é uma resposta que não permitia mias dúvida alguma e que significou a derrota completa dos bakuninistas. Como possivelmente poucos de vocês a conhecem e esta é muito importante, lerei a última parte:

"Considerando: Que a reação desenfreada reprime violentamente o movimento emancipador dos operários e tentar pela força brutal perpetuar a divisão de classes e a subsistência do domínio de uma classe que dela resulta; Que esta constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e o seu fim supremo, a abolição das classes; Que a união das forças operárias já conquistada pela luta econômica também deve servir de alavanca nas mãos desta classe em sua luta contra o poder político dos exploradores; A conferência relembra a todos os membros da Associação Internacional dos Trabalhadores que no plano de combate da classe operária o movimento econômico e o movimento político estão indissoluvelmente ligados".

Mas a conferência ainda teve que lidar com os bakuninistas por outra razão. O Conselho Geral estava cada vez mais persuadido de que apesar dos protestos feitos por Bakunin, sua sociedade secreta existia, motivo pelo qual a conferência adotou uma resolução que proibia dentro da Internacional a organização de sociedade alguma com programa especial. A este respeito se conseguiu novamente a declaração dos bakuninistas sobre a dissolução da Aliança e o incidente se declarou encerrado.

Porém, havia outra decisão que devia inquietar particularmente a Bakunin e a seus seguidores russos. A conferência declarou categoricamente que a Internacional nada tinha a ver com Nechayev, que havia reivindicado e explorado o título de membro da Internacional para seus fins particulares.

Tal decisão era exclusivamente contra Bakunin, que esteve, como se sabe, ligado por muito tempo a Nechayev, revolucionário russo que fugiu ao estrangeiro em março de 1869. No outono desse mesmo ano regressou à Rússia com plenos poderes outorgados por Bakunin e então organizou em Moscou um grupo especial. Suspeitando que o estudante Ivanov trairia a organização, o assassinou, com a ajuda de alguns camaradas, próximo a Academia Petrovsko-Razumovskoie, e teve que fugir do país novamente. Este fato motivou a prisão dos membros da nova organização e de muitos estudantes de Petersburgo, que estavam relacionados a esta. Todos foram denunciados aos tribunais durante o verão de 1871. Este acontecimento ficou conhecido com o nome de Nechayev. Foram publicados inúmeros documentos no curso do processo, e neste se confundia a sociedade de Bakunin e sua seção russa da Internacional, mas bastava comparar esses documentos com os escritos de Bakunin para reconhecer seu verdadeiro autor. Somente se diferenciavam de outros chamamentos análogos por sua franqueza e, nas partes retificadas e completadas por Nechayev, por uma certa imperícia na exposição.

Se acostumaram a dizer que Bakunin esteve submetido à influência de Nechayev, este que o enganava e o utilizava para fins pessoais. Nechayev, homem de talento, mas de pouca instrução, que rechaçava como inútil todo trabalho teórico, estava dotado de uma energia excepcional, de uma vontade de ferro; revolucionário entregue de corpo e alma à causa, demonstrou mais tarde, diante dos seus juízes e na prisão, sua firme coragem e seu irredutível ódio aos opressores e exploradores do povo. Disposto a tudo, não poupava meio algum para cumprir o propósito ao qual havia consagrado sua vida, mas não recorria jamais a meios sujos quando se tratava de sua pessoa. Aqui, neste ponto, era incomparavelmente superior a Bakunin que, em seus propósitos pessoais, estava sempre disposto a acordos espúrios, e a superioridade de Nechayev em tal aspecto não deixava dúvida alguma e tudo indicava que o próprio Bakunin o reconhecia e o apreciava altamente, ainda que do ponto de vista intelectual aquele lhe fosse muito inferior.

Seria ingênuo acreditar, porém, que Nechayev impunha a Bakunin seus próprios pontos de vista revolucionários, pois o mesmo era seu discípulo. Mas enquanto nosso apóstolo da destruição se mostrava, com certa frequência, ilógico e revolucionário não consequente, Nechayev era diferente deste por seguir uma lógica intransigente e extrair das teorias dos seus mestres todas as deduções práticas que comportavam. Quando Bakunin disse que não podia abandonar o trabalho que havia assumido (a tradução de O Capital), porque já haviam sido feitos alguns adiantamentos, Nechayev lhe ofereceu ajuda para tirá-lo dessa obrigação, o que seria simples: em nome do comitê revolucionário de Narodnaia Rasprava escreveu à pessoa que havia feito a intermediação entre o editor e Bakunin para que este deixasse o tradutor em paz caso não quisesse morrer. Como Bakunin colocava o lumpemproletariado em primeiro plano, considerando-o como o verdadeiro ator da revolução social e opunha este elemento ao proletariado da grande indústria, de igual modo acreditava que os criminosos e os bandidos eram a melhor peça do exército revolucionário. Nechayev chegou logicamente à conclusão de que era urgente organizar homens resolutos para iniciar com eles a expropriação na Suíça. Finalmente, Bakunin rompeu com seu discípulo, não por questões de princípio, mas unicamente porque a lógica implacável e simplista de Nechayev o espantava; mas nunca ousou separar-se dele publicamente, pois este tinha em suas mãos muitos documentos que o comprometiam.

Imediatamente após a conferência de Londres a luta redobrou sua intensidade; os bakuninistas declararam abertamente guerra ao Conselho Geral, acusando-o de ter ele mesmo preparado a conferência e imposto a toda a Internacional o dogma da necessidade de organizar o proletariado em partido especial para a conquista do poder político e requisitaram a realização de um congresso que resolveria definitivamente o assunto.

Este congresso foi realizado em setembro de 1872 e ambas partes se prepararam arduamente, com a participação, pela primeira vez, de Marx. Bakunin não o assistiu. Sobre a questão principal, o congresso ratificou a resolução da conferência, na qual acrescentou a seguinte frase, tomada quase literalmente do Manifesto Inaugural da Internacional: "como os proprietários de terras e do capital se aproveitam sempre dos seus privilégios políticos para defender e perpetuar seus monopólios econômicos e escravizar o trabalho, a conquista do poder político é o supremo dever do proletariado".

Após examinar todos os documentos relativos ao assunto da Aliança e chegar à conclusão de que esta subsistia dentro da Internacional como uma sociedade secreta, a comissão especial propôs, e foi aceita a exclusão sumária de Bakunin e Guillaume. Na resolução constava ainda que Bakunin estava excluído, ademais, por "um assunto pessoal", que se refere a já mencionada questão de Nechayev. Pessoalmente, acredito que as razões políticas bastavam para motivar a expulsão de Bakunin, mas é ridículo querer transformar esta triste história, na qual o russo foi vítima de sua própria falta de caráter, em um pretexto para acusar Marx. É ainda mais ridículo dizer que Bakunin acabou expulso porque, da mesma forma que muitos tradutores, havia solicitado um adiantamento ao editor e não finalizou o trabalho. Isso é uma fraude? Não, certamente. Contudo, quando os defensores de Bakunin, aos que se somaria Mehring mais tarde, afirmam que Marx não devia encarar aquilo como um crime, não compreendem ou esquecem que não se tratava da restituição dos adiantamentos recebidos, mas de um problema mais importante. Mehring, como aconteceu com frequência, se posicionou ao lado do tradutor. Muitos escritores, diz, não devolveram aos editores o valor que recebiam a título de adiantamento. Certo, acrescenta, que esse não é um procedimento muito louvável, mas não se pode julgar ao homem por semelhantes ninharias. Por isso, Mehring demonstrava que não compreendeu mais do que os anarquistas a discussão fundamental ocorrida do congresso de Haia. Ali, onde Bakunin e seus seguidores viram somente um fato perdoável, com prejuízo para o editor, os membros da comissão especial, com os documentos em mãos, viram o abuso criminoso do nome de uma organização operária revolucionária ligada estreitamente à Internacional, abuso este cometido para fins pessoais, para se livrar do pagamento de uma dívida. Havia sido escrito por Nechayev, mas no fundo concordava perfeitamente com os princípios defendidos por Bakunin. Há que se acrescentar que Bakunin não se separou de Nechayev por isto, mas porque lhe parecia que este o considerava como um instrumento para seus objetivos revolucionários. Basta ler as cartas de Bakunin a seus amigos para constatar o quão pouco se preocupava em lançar contra seus adversários, incluso Marx, acusações políticas, o que tinha o direito de fazer, mas, pelo contrário, era célebre por fazer acusações pessoais. Atualmente sabemos que Bakunin é o autor do célebre manual para uso dos revolucionários, atribuído a Nechayev, e cuja publicação no curso da polêmica provocou a indignação geral dos revolucionários. Os amigos de Bakunin negaram de forma obstinada a autoria e responsabilizaram Nechayev.

No final de suas tarefas, o congresso de Haia aceitou a proposição de Engels para transladar a sede do Conselho Geral para New York. Vimos que nessa época a Internacional havia perdido não somente o apoio na França, onde deste 1872, só o fato de pertencer a ela já era um crime, como também na Alemanha e na Inglaterra. A mudança da sede do organismo central para a América seria provisória. Mas o congresso de Haia acabou por ser o último realizado pela Internacional. Em 1876 o Conselho Geral anunciou em New York que a Primeira Internacional havia deixado de existir.


Inclusão: 15/11/2019