Como recebemos a revolução de fevereiro de 1917

Ossip Piatnitsky

1926


Primeira Edição: capítulo 17 do livro Memórias de um bolchevique (1896-1917) e publicado em 1926.

Fonte: Passa Palavra - https://passapalavra.info/2017/08/114739/

Tradução: Marcelo Mazzoni a partir da versão disponível em https://www.marxists.org/espanol/piatnitsky/1926/memorias/17.htm

HTML: Fernando Araújo.


À noite de 9 de março de 1917 encontrava-me tomado por uma tristeza espantosa. Para mim, este dia foi completamente negro. Não saí de casa. Estava deitado em minha cama, sem fogo e não abri a porta para ninguém. Já tarde, ouviram-se passos rápidos, seguidos de repetidas batidas na porta. Sem esperar minha resposta, o deportado político Goborek, que não vivia em nossa aldeia, anunciou-me com voz agitada que a revolução havia acabado de estourar na Rússia. Pedi para que me deixasse em paz, não estava com humor para brincadeiras. Vendo que eu o tomava deste modo, assegurou-me que a mulher de um deportado de Potchpt, que regressava de Kansk, havia visto lá uma grande reunião, na qual participavam os soldados. Os habitantes felicitavam-se uns aos outros pela ocasião do advento da liberdade e as casas estavam enfeitadas com bandeiras vermelhas.

Convocamos, em seguida, todos os deportados e examinamos de qual maneira poderíamos saber o que se passava na Rússia e nas grandes cidades da Sibéria. Decidimos enviar os deportados por todas as estradas para perguntar aos camponeses passantes o que haviam visto em Kansk ou em Aban, e para ler jornais, caso levassem algum consigo. Se durante a noite não conseguíssemos nos inteirar de nada, concordamos que Foma dirigir-se-ia a Kasnk para saber mais detalhes.

Mais tarde, um manifesto publicado pelos socialistas revolucionários e pelos social-democratas libertados da prisão caiu em minhas mãos. Eles convidavam para nos agruparmos em torno do Comitê de Salvação Pública. O manifesto indicava que o czarismo havia sido derrotado e o poder estava nas mãos do Comitê da Duma do Império.

Aquela noite nenhum deportado dormiu. Foi debatido o desarme da polícia e a detenção de seu respectivo chefe local, já que havia mais de uma semana que a polícia e os camponeses aguardavam dia e noite o que deveria ser feito na assembleia da aldeia. Mas a questão mais candente era saber como sair o mais rápido possível daquele buraco para nos unirmos ao movimento revolucionário na Rússia. Todas as questões deram lugar às mais absurdas propostas. Alguns propunham ir até as aldeias para deter e degolar os policiais. O mais interessante é que estas propostas vinham dos camaradas que antes da revolução retrocediam frente ao menor conflito de nossos inofensivos panoramas.

Pela manhã chegaram manifestos que indicavam a composição do Governo Provisório. Em seguida, o isolamento do “socialista” Kerenski, perdido no meio dos flibusteiros, cadetes e otimistas como Guchkov e Miliukov, saltou-me aos olhos. Disse a mim mesmo que Kerenski estava desempenhando o papel de testa de ferro contra as massas revolucionárias, papel este que Louis Blanc desempenhou na França durante a revolução de 1848.

Não conseguia acreditar que os trabalhadores revolucionários de Petersburgo tivessem posto à frente Kerenski, sujeito que conheciam tão pouco. Para mim tornou-se claro que era necessário agora, não mais combater o czarismo, mas a burguesia. O que não conseguia me dar conta, na época, era até que ponto a burguesia havia se fortalecido durante a guerra, e se conseguiríamos organizar rapidamente nosso partido bolchevique, já que agora era só ele que conseguiria agrupar em torno de si as massas proletárias e de guiá-las no caminho da luta contra a burguesia. A principal questão que eu me propunha era saber quem se organizaria mais rápido: O partido, e ao redor dele, o proletariado ou a burguesia? Não concebia que os socialistas revolucionários tomaram um papel preponderante após a revolução de fevereiro e que os mencheviques atuariam em bloco com eles. Portanto, era necessário esperar a que questão da hegemonia do proletariado ou da burguesia em nossa revolução fosse posta de novo frente à social-democracia.

Nosso partido se organizou rapidamente, e sua tática agrupou ao seu redor não somente o proletariado, mas também os camponeses. Venceu não somente a burguesia, mas também a pequena burguesia, personificada nos mencheviques, nos socialistas revolucionários, nos populistas e em outros “socialistas”.

Em Fedino estávamos tão separados do mundo que ignorávamos qual era a situação real nos fronts. Eis aqui o porquê de muitos deportados políticos não se darem conta da maneira que terminaria a guerra após a revolução de fevereiro. Mas, pouco depois desta revolução, continuei sendo um adversário da guerra. À medida que me aproximava de Kansk via que os soldados voltavam para suas casas por todas as estradas. De Kansk até Moscou, as estações e os trens estavam repletos de soldados que desertavam do front. Escutavam, com certa angústia, os deportados políticos que regressavam da Sibéria e falavam contra a guerra, e fugiam rapidamente quando um orador falava de continuá-la até a vitória. Compreendi, então, que a massa estava saturada da guerra, que ela se havia tornado odiosa e não duraria mais tempo.

Em 10 de março pedi emprestado dinheiro para a viagem e deixei a aldeia de Fédino. Toda a aldeia me acompanhou até a estação. Quando cheguei em Potchett, encontrei ali dois telegramas, um de Penza e outro de Moscou, informando-me que a anistia havia sido acordada, e assim poderia voltar à ação. Uma reviravolta vinha juntamente com estes telegramas. Fui a cavalo até Kansk, onde cheguei na manhã de 12 de março. Em Kansk, havia já um Soviet de deputados e soldados. O Soviet de deputados operários devia reunir-se na tarde de minha chegada. Em Kansk a cidade estava de pé. Os soldados, conduzidos pelos comissários, iam para todos os lados, registravam e levavam pessoas detidas. No Soviet a confusão era completa. O Comitê executivo do Soviet trabalhava de manhã até a noite. Perguntei-me: se num lugar perdido como este a efervescência poderia chegar a este nível, o que estaria se passando em Petrogrado e Moscou? Decidi dirigir-me até Moscou. Sem esperar mais, tomei um trem cheio de anistiados que saia à noite. Durante o caminho escrevi ao Comitê Central para perguntar-lhe para onde deveria dirigir-me e a que trabalho deveria me dedicar.

Em 18 de março, o dia de minha chegada em Moscou, dirigi-me ao Soviet, onde encontraria, em seguida, antigos camaradas: Smidovitch, Noguin e muitos outros. No Comitê do partido encontrei Zemliachka e a oficina regional do Comitê Central. Todas estas organizações encontravam-se no mesmo edifício: a escola de Kaptsov. Quando recebi a resposta do Comitê Central que me convidava a ir para Petrogrado, eu já estava militando entre os ferroviários de Moscou. Decidi não partir, a fim de continuar a ação que havia começado.

A revolução de fevereiro marcou o princípio de uma nova etapa na luta que teve que levar nosso partido a combater a influência dos mencheviques e dos socialistas revolucionários sobre a classe operária, para instaurar a ditadura do proletariado e por fim à Guerra Mundial. Com todas as minhas forças e com toda minha energia cooperei para a realização da tarefa que a revolução acabava de designar para nosso partido e para a classe operária.


Inclusão: 08/01/2020