Conversa do Presidente Mao Tsé-Tung com um Grupo de Delegados na Conferência de Paz

Mao Tsé-Tung

22 de Agosto de 1964


Observação: A seguinte conversa ocorreu em 22 de agosto de 1964, entre o Presidente Mao Tsé-Tung e um grupo de delegados que se alojaram em Pequim após participar da X Conferência Mundial da Paz no Japão. Nessa conferência teve lugar uma luta contra a linha revisionista soviética sobre a paz mundial, que consistia na repressão às lutas de libertação nacional e no conluio com o imperialismo norte-americano. Os delegados soviéticos e seus simpatizantes se retiraram e celebraram uma conferência separada. Os delegados deram uma calorosa saudação ao Presidente Mao, que falou sem anotações. O discurso foi reconstruído a partir de anotações quase literais feitas por um delegado. [A tradução para o espanhol é do Grupo Comunista Revolucionário da Colômbia].
Fonte: https://pensaryhacer.files.wordpress.com/2010/06/charla-del-presidente-mao-tsetung-ante-un-grupo-de-delegados-a-la-conferencia-de-paz.pdf
Tradução: Eduardo Vasco
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Fernando A. S. Araújo.
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Dou as boas-vindas a todos vocês aqui na China, e lhes dou os nossos agradecimentos. Esta é a primeira vez que nos reunimos mas temos um ponto comum em nosso pensamento. Somos todos de diferentes nacionalidades, países e crenças mas temos isto em comum: todos nos opomos ao imperialismo e ao velho e novo colonialismo. Seus países, e também a China, não têm bombas atômicas nem de hidrogênio. A França tem bombas atômicas, mas vocês, os delegados da França, se opõem à guerra atômica.

Para nosso país, no futuro é possível que possamos produzir uma pequena quantidade de bombas atômicas. Talvez nem sequer as testemos. Mas se esse é o caso, para que produzi-las? Porque necessitamos delas como armas defensivas. Atualmente, os países com bombas atômicas – particularmente os EUA – estão intimidando o povo com elas. Os EUA têm muitas, mas as utilizaram só uma vez, sobre Hiroshima e Nagasaki. Aqui há alguns amigos do Japão? O Japão é a vítima de um ataque com bombas atômicas. Os EUA soltaram duas bombas sobre o Japão, mas por isso ganharam uma reputação muito ruim entre a esmagadora maioria dos povos do mundo. Eles são contra o uso de armas atômicas para matar pessoas, contra uma terceira guerra mundial, e contrários à interferência de tropas estrangeiras em seus assuntos internos como estão fazendo as tropas norte-americanas no Vietnã com sua “guerra especial”. Como disse a França, “sofremos a derrota, agora vocês, os norte-americanos, estão combatendo no Vietnã, vocês também sofrerão a derrota”. Portanto, a França se opõe a resolver o problema por meio da guerra e prefere as negociações pacíficas. Devido à experiência francesa, eles têm direito a falar.

O Japão também tem certo direito a se opor à guerra. Durante a II Guerra Mundial, o governo japonês obrigou o povo japonês a entrar em uma guerra de agressão, mas posteriormente as coisas mudaram e o Japão sofreu a calamidade das bombas atômicas norte-americanas. Daí que o povo japonês – e inclusive o governo japonês – estejam dizendo que se opõe à guerra atômica.

A maior parte dos que estão sentados aqui representa países que, como o nosso, não têm bombas atômicas. Ao abordar a agressão norte-americana temos um interesse comum, não só entre nossos amigos aqui, mas com todo o mundo. O mundo não pode evitar as mudanças; quem se comprometer em atividades impopulares de agressão sofrerá a derrota. Vocês que estão sentados aqui representam uma grande proporção das nações do mundo. Suas ideias estão condenadas a conquistar a vitória. Obviamente, isso ainda não se converteu em um fato — isso dependerá das lutas que travem.

Agora direi uma coisa sobre minha experiência pessoal. Eu era um professor da escola primária. Aprendi uma coisa de Confúcio — a concepção do feudalismo. Depois aprendi algumas coisas da concepção do capitalismo. Aprendi sobre Cromwell da Inglaterra, sobre a revolução francesa, sobre a Alemanha. Também aprendi sobre as teorias de Kant, sobre as teorias do idealismo. Mas não sabia nada sobre as teorias do marxismo, nem do leninismo.

Não sei o que fez com que um homem como eu abandonasse minha profissão original e me metesse na política. Do meu ponto de vista, foi porque os imperialistas estrangeiros estavam oprimindo a China e o povo chinês. Devido às ações dos imperialistas e reacionários eles lançaram gente como eu nos braços do comunismo. Eu já não acreditava mais no confucionismo nem no capitalismo. Entrei no movimento operário, no movimento sindical e fui a greves. Depois organizei o movimento camponês e durante um tempo cooperei com o Kuomintang. Por um tempo estive no Comitê Central do Kuomintang e trabalhei em seu departamento de propaganda. Nessa época, Sun Yat-sen ainda estava vivo. Me reuni com ele e falei com ele. A senhora Sun Yat-sen ainda está viva, em Pequim. Ela não é membro do Partido Comunista. Um de nossos amigos, Kuo Mo-jo, é um comunista. Ele é membro do Comitê de Paz. Seu pai era membro do Comitê Central do Kuomintang. Ele era da ala esquerda do Kuomintang e foi assassinado por eles. Agora só sua mãe está viva, já que seu pai foi assassinado em 1925. No entanto, sua mãe ainda trabalha em Pequim. Ela está com 87 anos, é professora e uma personagem democrática. Ela é artista.

Nessa época eu não estava preparado para lutar em uma guerra. Não havia bombas atômicas, nem rádios, então o que me fez entrar para o exército? Novamente, porque os imperialistas e Chiang Kai-shek estavam assassinando o povo. Em 1927 tínhamos 50.000 membros no partido. Chiang Kai-shek reprimiu a revolução e executou um terror branco, assassinando pessoas em toda a parte. Dos membros do partido, um grupo foi assassinado, outro se rendeu, enquanto que um terceiro se deu por vencido. Dos 50.000 só restamos uns poucos milhares, e estes começamos uma guerra de guerrilhas. Depois combatemos durante dez anos.

Nessa época não sabíamos como combater. Quem nos ensinou? Chiang Kai-shek. Não tínhamos fuzis. Quem nos deu? Chiang Kai-shek. Nessa época Chiang Kai-shek não tinha muitos, mas os imperialistas lhe deram bastantes. Nós lhes tiramos tantos homens como armas. Crescemos nosso exército até 300.000. Nessa época nos chamávamos “Exército Vermelho de Operários e Camponeses” e pensávamos que éramos muito bons. Ao mesmo tempo, fomos derrotados. Tivemos que empreender a marcha e caminhamos 12.500 quilômetros, ou seja, o diâmetro do planeta. Caminhamos do sul até o norte da China, mas não culpamos Chiang Kai-shek por essa “Longa Marcha”, só a nós mesmos por cometermos erros. Dos 300.000, só restamos 25.000. Vendo as coisas da ótica de hoje, a marcha não parece ser nada espantoso, mas nessa época era difícil caminhar tal distância. Nós não tínhamos essas coisas [aponta ao redor da sala], nem bom chá, nem frutas, etc.

Cada pessoa consumia somente cerca de 3 onças de azeite de cozinha e 3 onças de arroz por dia. Mas não acredito que fôssemos mais fracos do que éramos antes. Pelo contrário, éramos mais fortes porque havíamos aprendido lições. Depois as tropas japonesas ocuparam a China, e combatemos durante outros oito anos. Durante esta tempo estivemos unidos para combater os japoneses(1). Nossas tropas, após combaterem os japoneses, cresceram de 25.000 para um milhão e meio. Depois o Japão se rendeu. No final da guerra, duas bombas atômicas causaram calamidade ao povo japonês. Nós, o povo chinês, também contribuímos para vencer a guerra. As tropas japonesas se retiraram, as norte-americanas entraram. A II Guerra Mundial terminou em 1945. Em 1946, Chiang Kai-shek lançou um ataque contra nós e combatemos por cerca de quatro anos. Depois Chiang Kai-shek disse: Eu não combato mais, e fujo para Taiwan.

Estive falando de mudanças que tiveram lugar na história. Com isso, quero dizer que as coisas mudam, que os imperialistas podem ser derrotados. Nós demonstramos que as milhões de tropas de Chiang Kai-shek podiam ser derrotadas e que o povo pode conquistar vitórias. Eu não acho que o povo não possa conseguir vitórias ou que vocês não podem vencer. Vocês são derrotistas? Devemos saudar o dia da libertação do mundo.

Pergunta: Qual é a saída para o problema do revisionismo?

Mao: Do meu ponto de vista não há saída para os revisionistas porque eles seguem os desejos dos extratos capitalistas no país e dos imperialistas estrangeiros, e não se ajustam aos interesses do povo. Durante um tempo eles têm a maioria. No futuro se demonstrará que eles não têm a maioria mas a minoria. Eles não falam de se opor ao revisionismo. Algumas vezes falam de se opor ao imperialismo, mas isto é falso. Aqui tem gente da Argélia e da França. Lá, os partidos são revisionistas e não podemos segui-los. Mas não seguimos Ben Bella e De Gaulle. Não em todos os assuntos a De Gaulle, mas seguimos De Gaulle no ponto de se opor aos EUA.

Pergunta: Qual é a sua opinião sobre os árabes palestinos estarem sendo privados de suas terras?

Mao: Nós os apoiamos (aplausos e animação). Os árabes palestinos devem voltar a sua pátria. Até hoje não temos tido relações diplomáticas com o governo israelense. Os árabes constituem a esmagadora maioria (quem fez a Pergunta era árabe). Todos os povos árabes se opõem a que seus companheiros árabes sejam expulsos da Palestina. Se não nos colocássemos a seu lado estaríamos cometendo um erro. É por isso que estamos com vocês. Mas não é só um assunto de Israel e sim de quem está por trás de Israel. Portanto é um assunto mundial e particularmente um assunto que concerne aos EUA.

Pergunta: Qual é o seu ponto de vista sobre a luta dos negros norte-americanos?

Mao: O povo negro é uma minoria nacional dentro dos EUA, mas também são uma muito numerosa nacionalidade de 20 milhões de pessoas e sua luta contra a opressão e a discriminação está se desenvolvendo. Com certeza chegará o dia em que conseguiremos a vitória e o proletariado norte-americano certamente despertará. Ou seja, a grande maioria de proletários e progressistas brancos se unirá ao povo negro e conquistarão a vitória. Porque os EUA estão divididos em classes. Chiang Kai-shek [neste momento ainda estava vivo] e nós também pertencemos a diferentes classes — eles não são como nós. No entanto, somos da mesma raça amarela, da mesma nação chinesa, falamos o mesmo idioma chinês. Alguns dizem, então, que todos somos nacionalistas chineses e, sendo assim, devemos nos unir com Chiang Kai-shek!

As pessoas que estão aqui hoje são de diferentes nacionalidades, mas sobre a questão de nos opor ao imperialismo e particularmente ao imperialismo norte-americano estamos todos unidos, nos conhecendo ou não. Eu não havia visto vocês antes de hoje e muitos não me haviam visto antes. A China tem 700 milhões de habitantes — eu não vi a todos. Nem vocês, da França, já viram todas as suas dezenas de milhões de habitantes — isto não é possível.

Pergunta: No meu país estamos em luta contra o imperialismo e agradecemos a China pelo seu apoio. Você poderia falar alguma coisa sobre a situação africana como, por exemplo, no Congo (Kinshasa)?

Mao: Hoje na África existe uma vigorosa luta contra o imperialismo. Os revisionistas não estão contentes com isso. Os imperialistas estão ainda menos contentes. O Congo deve pertencer ao povo do Congo, ao povo de Lumumba. Lumumba foi assassinado fisicamente, mas suas ideias não morrem. Nós apoiamos a luta do povo congolês não de maneira clandestina mas abertamente. Apoiamos abertamente sua luta contra seus opositores. Nosso coração está sempre com os povos oprimidos; estamos inclinados para um lado. Alguns consideram que não estamos sendo imparciais e nos pedem para olhar igualmente para ambos os lados. Eles dizem que devemos nos inclinar igualmente para os imperialistas e seus lacaios e para o povo. Nós não podemos fazer isso. Nós nos inclinamos somente para um lado. Se eles dizem: vocês são parciais sim, nós somos parciais, assim como com os árabes palestinos e com a X conferência, nós tomamos partido para um lado.

Este homem, Liu Ning-I, é um homem que está de um dos lados. Ele não tomou partido de ambas as conferências, somente de uma. A maioria dos que estão hoje aqui sentados também estão de um dos lados — não tomaram partido de ambas as conferências, só de uma.

Pergunta: Os governantes da África do Sul estão armados até os dentes e apoiados por outros imperialistas. Quais são as perspectivas para a África do Sul?

Mao: Se o povo quer conquistar a vitória muito rapidamente, poderia ser algo difícil. Devem passar por uma prolongada e tortuosa luta porque a situação na África do Sul é diferente da de outras partes da África, incluindo a Argélia. O povo argelino combateu durante oito anos e conquistou a vitória. O povo da África do Sul talvez tenha que travar uma guerra ainda mais longa e uma luta ainda mais tortuosa, e o tempo que precisem pode exceder inclusive o que foi necessário na Argélia. No entanto, o povo da África do Sul talvez não precise tanto quanto os chineses que travamos vinte e dois anos de guerra, e, se acrescentarmos a guerra coreana, então podemos dizer vinte e cinco anos de guerra. Mas mesmo assim podem gastar meia vida combatendo.

O povo de todo o mundo os está apoiando. Na África do Sul há mais de dez milhões de africanos e três milhões de estrangeiros. Dos três milhões de estrangeiros, uma pequena parte simpatiza com os africanos. Fiz a pergunta a alguns africanos se todos esses três milhões se opunham aos africanos, e me disseram: “não, nem todos”, dentre eles há alguns progressistas que ajudam o povo africano, alguns advogados que os defendem. É por isso que aconselho aos amigos africanos que vêm a mim, que trabalhem com os africanos brancos bons, que nem todos eles são maus. A esmagadora maioria dos brancos são bons, só uma pequena porcentagem são maus. A maioria despertará ou será despertada no futuro. Se isso acontecer ou não, a maioria seguirá sendo gente boa.

Alguns dizem que queremos unir todos os povos de cor contra todos os povos brancos. Não. Muitos que estão aqui representam o povo branco. Nem é o caso de que todas as pessoas de cor sejam boas – Chiang Kai-shek não é bom.


Notas de rodapé:

(1) Refere-se à frente única anti-japonesa com Chiang Kai-shek. (retornar ao texto)

Inclusão 04/05/2016