Sobre os "Problemas Econômicos do Socialismo na URSS" de Stalin

Mao Tse-Tung

Novembro de 1958


Observação: Este segundo documento encontra-se no Wan-sui de 1967 e no de 1969. O texto é idêntico em ambos os volumes. No Wan-sui de 1969, está precedido de uma nota redigida assim: “Este texto é o resumo de um importante discurso do presidente Mao em Cheghchow pronunciado a meados de novembro de 1958; se refere aos Problemas econômicos do socialismo na URSS. Está redigido a partir das anotações de um só camarada. Estas anotações são incompletas e podem conter erros ou inexatidões. Publica-se o texto para servir de base de estudo e de referência”. No Wan-sui de 1967, este documento está datado de novembro de 1959. Trata-se sem dúvida de um erro tipográfico pois sabe-se pelos demais textos de Mao que a primeira conferência de Cheghchow foi em novembro de 1958 e a segunda em março de 1959.
Fonte: https://pensaryhacer.files.wordpress.com/2008/06/acerca_de_los_problemas_del_socialismo_en_la_urss.pdf
Tradução: Eduardo Vasco
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Fernando A. S. Araújo.
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Os comitês provinciais e regionais do Partido devem estudar este livro. Sua leitura não deixou no passado uma impressão profunda. Daqui para frente convém estudá-lo confrontando-o com a realidade chinesa. Nos três primeiros capítulos muitas coisas merecem nossa atenção. Muitas coisas escritas nestes capítulos são corretas. Em certas passagens é possível, no entanto, que o próprio Stalin não tenha conseguido acertar. No primeiro capítulo, por exemplo, só dedica algumas frases às leis objetivas e à economia planificada sem desenvolver esses problemas. Talvez em seu espírito a economia planificada da União Soviética já refletisse essas leis objetivas. Em relação aos problemas da indústria pesada, da indústria leve e da agricultura, a União Soviética prestou pouca atenção aos dois últimos. Por isso teve que sofrer as consequências. Além disso, as relações entre o interesse imediato e o interesse a longo prazo do povo estão, entre os soviéticos, mal estabelecidas; essencialmente caminham com uma perna só.

Entre o Plano soviético e o Plano chinês, qual é, no final das contas, o mais adequado ao desenvolvimento planificado e proporcional? Enfim, Stalin não destaca mais do que a tecnologia e os quadros técnicos. Quer apenas a técnica e os quadros. Ignora a política e as massas. Aqui também caminha com uma perna só. No domínio da indústria, prioriza a indústria pesada e descuida da indústria leve. Novamente caminha com uma perna só. No que concerne à relação mútua entre os diferentes setores da indústria pesada, Stalin não indica tampouco o aspecto essencial da contradição. Ressalta a indústria pesada, dizendo que o aço é sua base e as máquinas seu coração. Enquanto a nós, acreditamos que no domínio da agricultura a produção de cereais constitui o princípio fundamental; e que no domínio da indústria é a produção de aço a que constitui o elemento principal. Considerando o aço como o princípio fundamental, procuramos a matéria-prima para nossas indústrias, e a indústria mecânica se desenvolve como consequência. No primeiro capítulo de seu livro, Stalin apresenta o problema e fala das leis objetivas. Mas não dá resposta satisfatória a este problema.

O segundo capítulo trata do problema das mercadorias e o terceiro da lei do valor. Eu estou bastante de acordo com muitos dos pontos de vista expressos ali. Stalin divide a produção em duas grandes categorias e afirma que os meios de produção não são mercadorias. Isso merece ser estudado. Na China, no setor da agricultura, um bom número de meios de produção devem ser considerados ainda como mercadorias. Na minha opinião, a última das três cartas de Stalin, colocadas como anexo de seu livro, expressa um ponto de vista quase totalmente errôneo(1). Descobre-se ali uma grande desconfiança a respeito dos camponeses, assim como a vontade de não afrouxar o controle sobre as máquinas agrícolas. De um lado, Stalin diz que os meios de produção pertencem ao Estado, enquanto de outro afirma que estes são muito caros para os camponeses. Na realidade, ele engana a si mesmo. O Estado exerce um controle asfixiante sobre os camponeses e Stalin não encontrou o bom método e o caminho correto que levem do capitalismo ao socialismo e do socialismo ao comunismo. Para ele isso é uma coisa sumamente embaraçosa.

A forma mercadoria é um legado do capitalismo. Provisoriamente devemos conservá-la. A troca de mercadorias e a lei do valor não desempenham um papel regulador em nossa produção. Na China, os que exercem uma função reguladora são a planificação, o Grande Salto para Frente planificado e o princípio da primazia da política. Stalin não fala mais do que de relações de produção. Não fala nem da superestrutura nem das relações entre esta e a base econômica. Entre nós, os quadros participam no trabalho manual e os operários participam na gestão das empresas. Enviamos os quadros para trabalhar no campo ou nas fábricas a fim de formá-los. Abolimos as velhas regras e os velhos sistemas. Tudo isso tem a ver com a superestrutura, ou seja, com a ideologia. Stalin fala unicamente de economia; não aborda a política. Mesmo que mencione o trabalho voluntário, na realidade em seu país ninguém quer se sacrificar trabalhando uma hora a mais. Não fala do papel do homem nem dos trabalhadores. É preciso saber que sem movimento comunista é difícil chegar ao comunismo. A expressão “todos por um, um por todos” não é apropriada porque ali segue estando o um. Alguns dizem que Marx empregou essa expressão. Mesmo se fosse verdade, não estamos obrigados a fazer-lhe propaganda. “Todos por um” significa que todos trabalham para mim. “Um por todos”: eu poderia servir a quantas pessoas?

O poder legal da burguesia se manifesta no ensino jurídico burguês. Devemos destruir uma parte da ideologia desse poder. Devemos resolutamente nos desprender da atitude arrogante, dos três maus estilos, dos cinco ares indesejáveis(2) e do desprezo aos trabalhadores comuns. Mas não se pode suprimir de um só golpe a circulação de mercadorias, a forma mercadoria e a lei do valor, mesmo que elas também pertençam à burguesia. A tese que preconiza sua destruição imediata é errônea. Em um momento em que fazemos propaganda para eliminar totalmente a ideologia do poder legal da burguesia, essa questão deve prender nossa atenção.

Em uma sociedade socialista, uma minoria que compreende os agricultores, os camponeses ricos, os elementos direitistas, etc., quer promover e restaurar o capitalismo. Mas a esmagadora maioria do povo quer progredir para o comunismo. Assim como não se pode alcançar o céu em um único salto, ao comunismo há que chegar etapa por etapa. Nas comunas populares, por exemplo, a produção de bens destinados ao consumo interno deve ser aumentada e a troca de mercadorias deve se desenvolver conjuntamente. Temos recorrido à troca de mercadorias e à lei do valor como instrumentos para facilitar o desenvolvimento da produção e a passagem para o comunismo. A China é um país no qual a produção mercantil está muito atrasada. No ano passado produzimos trezentos e setenta bilhões de chin em cereais(3), dos quais entre 80 e 90 bilhões foram para o mercado. Além dos cereais, a produção de fibras vegetais para a indústria como o algodão e o linho tampouco está muito desenvolvida. Por isso precisamos passar por uma etapa de desenvolvimento. Entre nós se encontram atualmente muitos distritos nos quais se fornece comida gratuitamente, decorrente da incapacidade de pagar salários. Na província de Hopei, há três distritos que se encontram nessa situação. Um dos três tem possibilidades de pagar salários, mas salários muito baixos, três ou cinco yuan. É por isso que devemos desenvolver a produção, inclusive produtos diferentes dos cereais que possam ser vendidos em troca de dinheiro. Na conferência de Sian sobre a agricultura, não demos atenção suficiente a este problema. Em resumo, no plano da produção para o mercado a China é um país subdesenvolvido que, no entanto, se comprometeu profundamente com o socialismo. Certamente devemos destruir uma parte do poder legal da burguesia. Mas ainda é preciso conservar a produção para o mercado e a troca de mercadorias. Atualmente se pensa entre nós que quanto mais rápido se passe para o comunismo melhor será. Alguns inclusive preconizam a passagem para o comunismo em três ou quatro anos. No distrito de Fan, província de Shantung, por exemplo, este prazo já foi fixado em quatro anos. Melhor ir mais lentamente.

Atualmente certos economistas não gostam da ciência econômica. Iarochenko, por exemplo, se enquadra neste caso. Agora, e inclusive num certo período no futuro, devemos ampliar as trocas de produtos entre as comunas populares e aumentar ainda mais a produção mercantil. De outro modo não se poderá assegurar o pagamento de salários, nem o nível de vida poderá ser melhorado. Certos camaradas cometem erros cada vez que tem que resolver um problema referente às mercadorias e à produção mercantil. É preciso eliminar, cotidianamente, as leis e os poderes da burguesia: o sistema de qualificação do trabalho, a hierarquia, a atitude negativa em relação às vantagens do sistema da distribuição gratuita... Em 1953 substituímos o sistema de remunerações pelo sistema da distribuição gratuita. Esta medida era essencialmente correta, mas era um retrocesso absolutamente necessário. Cometemos, no entanto, uma falta, ao ceder sobre o problema da hierarquia. Disso resultou que, durante um certo período, o povo se esforçasse para subir na escala da hierarquia. Só depois de uma campanha de retificação se conseguiu que este fenômeno perdesse sua importância. O sistema da hierarquia reflete as relações entre pais e filhos, entre gatos e ratos. É preciso destruí-lo dia após dia. Enviar os quadros ao campo para trabalhar nas fazendas experimentais é um dos métodos para transformar o sistema da hierarquia. Sem a transformação deste sistema não há o Grande Salto para Frente.

Os elementos da burguesia podem ser aceitos como membros nas comunas populares urbanas. Mas guardam então seu estatuto de classe.

Socialismo ou comunismo? Em que momento se pode dizer que se concluiu a construção do socialismo? Formulamos dois critérios:

  1. A conquista da construção do socialismo se manifesta pela aplicação geral do sistema socialista da propriedade de todo o povo.
  2. Quando o sistema da propriedade de todo o povo tenha substituído o sistema da propriedade coletiva das comunas populares.

Alguns camaradas não estão de acordo com que se faça uma distinção entre esses dois sistemas de propriedade. Pretendem que o que existe nas comunas populares não é mais que o sistema de propriedade de todo o povo. Na realidade há dois sistemas: um é o sistema da propriedade de todo o povo como na “Aciaria de Anshan”(4); outro é o sistema da propriedade da grande coletividade das comunas populares. Se isso é ignorado, para que serve pois, ainda, a edificação socialista? Stalin traçou uma linha de demarcação entre os dois sistemas e preconizou três condições para passar ao comunismo. Essas três condições fundamentais não são más.

As duas primeiras podem se resumir da seguinte maneira:

  1. aumento da produção social;
  2. passagem do sistema da propriedade coletiva para o sistema da propriedade de todo o povo, substituição por um sistema de troca de produtos do sistema de troca de mercadorias, passagem da etapa do valor de troca para a etapa do valor de uso.

Na China, essas duas condições significam: primeiro, aumentar energicamente a produção e desenvolver simultaneamente a indústria e a agricultura mantendo sempre o princípio do crescimento preferencial da indústria pesada; segundo, levar o sistema da propriedade das pequenas coletividades até o nível da propriedade do povo inteiro. Estão equivocados aqueles entre nós que não querem traçar a linha de demarcação e que pretendem que já tenhamos entrado na era do sistema da propriedade de todo o povo.

A terceira condição fixada por Stalin concerne à cultura: preconiza um desenvolvimento da educação física e da educação de todo o povo. Para alcançar este objetivo Stalin propõe quatro medidas:

  1. a jornada de trabalho de seis horas;
  2. a instituição de uma educação polítécnica;
  3. o melhoramento das condições do habitat;
  4. o aumento dos salários e a diminuição dos preços.

As três condições de Stalin são excelentes. Mas entre elas falta uma condição político-ideológica.

As condições que acabamos de citar se orientam essencialmente a orientar a produção. Uma abundância muito grande de produtos facilita de fato a passagem do sistema da propriedade coletiva ao sistema da propriedade de todo o povo. Mas para aumentar a produção é preciso produzir mais, mais rapidamente, melhor, e de uma maneira mais econômica. E se a intenção é conseguir este resultado é preciso colocar a política no posto de comando e se esforçar para alcançar simultaneamente os quatro objetivos: quantidade, rapidez, qualidade, economia. Há que lançar também movimentos de retificação com a finalidade de destruir a ideologia do poder legal da burguesia. Agregar uma forma de estrutura como a comuna popular a um país como a China é fazer ainda mais fácil a realização dos quatro objetivos: quantidade, rapidez, qualidade, economia.

Qual é o significado do sistema geral da propriedade de todo o povo? Este sistema significa:

  1. que os meios de produção da sociedade pertençam a todo o povo;
  2. que os produtos da sociedade pertençam a todo o povo.

Qual é a natureza da comuna popular? Esta é a unidade de base da estrutura social chinesa que reúne operários, camponeses, soldados, intelectuais e comerciantes. Atualmente constitui a organização administrativa de base. Enquanto à milícia, está destinada a fazer frente ao estrangeiro, especialmente ao imperialismo. A comuna popular é a melhor forma de organização para a realização dos dois passos: o passo do socialismo de hoje ao sistema geral da propriedade de todo o povo, e o passo do sistema geral da propriedade de todo o povo para o comunismo. Depois desses passos, a comuna popular constituirá a estrutura de base da sociedade comunista.


Notas de rodapé:

(1) Trata-se de uma carta de Stalin datada de 28 de setembro de 1952 e dirigida a dois economistas soviéticos, A. V. Sanina e V. G. Venger. Estes haviam apresentado a Stalin uma proposta preconizando a venda aos kolkoses dos principais instrumentos de produção agrupados nas estações de máquinas e de tratores. Em sua resposta, Stalin afirmava que tal medida faria os kolkoses sofrerem perdas enormes, os arruinaria, comprometeria a mecanização da agricultura, retardaria a cadência da produção kolkosiana. (retornar ao texto)

(2) Na terminologia maoísta, os três maus estilos são os estilos burocrático, subjetivo e dogmático. Os cinco ares indesejáveis são os ares arrogante, orgulhoso, suficiente, preguiçoso e apático. (retornar ao texto)

(3) Ou seja, 185 milhões de toneladas (um chin equivale a 500 gramas). (retornar ao texto)

(4) Anshan é a maior central siderúrgica chinesa, situada na província de Liaoning, no nordeste. (retornar ao texto)

Fonte do Texto
Inclusão 17/11/2015