Entrevista com o Jornalista Inglês James Bertram

Mao Tsetung

25 de Outubro de 1937


Tradução: A presente tradução está conforme à nova edição das Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Tomo II (Edições do Povo, Pequim, Agosto de 1952). Nas notas introduziram-se alterações, para atender as necessidades de edição em línguas estrangeiras.
Fonte: Obras Escolhidas de Mao Tsetung, Pequim, 1975, Tomo II, pág: 53-75
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

O Partido Comunista da China e a Guerra de Resistência Contra o Japão

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James Bertram: Que posição concreta adoptou o Partido Comunista da China, antes e depois do rebentamento da Guerra Sino-Japonesa?

Mao Tsetung: Antes que a guerra rebentasse, o Partido Comunista da China advertiu repetidas vezes a totalidade da nação que a guerra com o Japão era inevitável e o palavreado dos imperialistas japoneses sobre a “solução pacífica”, bem como todas as frases bonitas dos diplomatas japoneses, constituía apenas uma granada de fumos destinada a dissimular os seus preparativos de guerra. Repetidamente sublinhámos que uma guerra vitoriosa de libertação nacional não podia fazer-se sem o reforço da Frente Única e a adopção duma política revolucionária. O ponto de maior importância nessa política revolucionária era que o governo chinês devia proceder a reformas democráticas, para mobilizar a totalidade do povo no sentido da adesão à frente anti-japonesa. Repetidamente sublinhámos o erro dos que acreditavam nas “garantias de paz” japonesas e pensavam que a guerra podia evitar-se, tanto como o dos que acreditavam na possibilidade de resistir-se ao invasor japonês sem mobilização das massas. O próprio rebentamento e desenrolar da guerra provaram que as nossas opiniões estavam correctas. No dia seguinte ao Incidente de Lucouquiao, o Partido Comunista dirigiu um manifesto à nação inteira, apelando para que todos os partidos e grupos políticos e todas as camadas da população opusessem, em comum, uma resistência à agressão japonesa e reforçassem a Frente Única Nacional. Pouco tempo depois publicámos o “Programa em Dez Pontos para a Resistência ao Japão e Salvação da Pátria”, onde definimos a política que o governo chinês devia adoptar na Guerra de Resistência contra o Japão. E ao estabelecer-se a cooperação entre o Kuomintang e o Partido Comunista fizemos uma outra declaração importante. Tudo isso prova a nossa firme adesão ao princípio de que é necessário reforçar a Frente Única e adoptar uma política revolucionária, para fazer-se a Guerra de Resistência. No período actual, a nossa palavra de ordem fundamental é “Resistência geral da totalidade da nação”.

A Situação da Guerra de Resistência Contra o Japão e as Respectivas Lições

Pergunta: Em sua opinião, quais foram, até hoje, os resultados da guerra?

Resposta: Há dois aspectos que são principais. Por um lado, com a captura de cidades, ocupações de território, violações, pilhagem, incêndios e massacre, os imperialistas japoneses acabaram por colocar o povo chinês face a face com o perigo de subjugação nacional. Por outro lado, a maioria do povo chinês acabou por ficar profundamente convencida de que a crise não pode ser vencida sem uma unidade ainda mais estreita e sem a resistência da totalidade da nação. Ao mesmo tempo, a guerra fez com que, no mundo, os países que amam a paz começassem a tornar-se conscientes da necessidade de resistir à ameaça japonesa. Tais foram até hoje os resultados da guerra.

Pergunta: Quais pensa serem os objectivos japoneses e até que ponto foram eles atingidos?

Resposta: O plano japonês consiste em ocupar o Norte da China e Xangai, numa primeira fase, e, depois, ocupar as outras regiões da China. Quanto à medida em que realizaram já o seu plano, os agressores japoneses ocuparam em pouco tempo as três províncias de Hopei, Tchahar e Sui-iuan, e ameaçam agora gravemente o Xansi. Isso aconteceu porque, até aqui, a resistência da China tem sido confinada à resistência exclusiva do governo e do exército. Essa situação crítica só poderá ultrapassar-se com a resistência conjunta das massas populares e do governo.

Pergunta: E terá, em sua opinião, conseguido já a China quaisquer resultados na Guerra de Resistência? E no caso de haver lições a tirar, quais são essas lições?

Resposta: Sobre essa questão eu preferiria pronunciar-me com algum detalhe. Antes de mais, tem havido resultados, e grandes, como pode ver-se pelo seguinte:

  1. Desde que começou a agressão imperialista à China, nunca se verificou algo comparável à actual Guerra de Resistência contra o Japão. Do ponto de vista geográfico, trata-se realmente duma guerra que envolve a totalidade do país. E essa guerra é revolucionária por natureza.
  2. A guerra transformou o país desunido num país relativamente unido. E a base dessa unidade é a cooperação entre o Kuomintang e o Partido Comunista.
  3. A guerra beneficia da simpatia da opinião pública mundial; os que antes desprezavam a China, porque não resistia, passaram agora a respeitá-la pela resistência que opõe.
  4. A guerra causou graves perdas aos agressores japoneses. A drenagem diária dos recursos destes parece cifrar-se em vinte milhões de yuan japonês e as perdas humanas, embora não disponhamos já de todas as cifras, também são, sem dúvida, muito pesadas. Pode dizer-se que, se no passado os agressores japoneses ocuparam as quatro províncias do Nordeste com facilidade, praticamente sem qualquer esforço, sem levantar um braço, agora já não podem ocupar a menor parcela de território chinês sem que para isso tenham de travar sangrentas batalhas. Os agressores japoneses contavam saciar na China o seu enorme apetite, mas a resistência prolongada desta vai provocar o colapso do imperialismo japonês. A China não está pois a bater-se apenas pela própria salvação, ela bate-se também em cumprimento do alto dever que lhe cabe na frente anti-fascista mundial. Por aí se revela igualmente o carácter revolucionário da Guerra de Resistência contra o Japão.
  5. Nós aprendemos algumas lições com a guerra, lições pagas com o nosso próprio sangue e território.

Quanto a lições, também há as que são muito importantes. Vários meses de resistência revelaram muitas das debilidades da China, sobretudo manifestas na esfera política. Embora envolva geograficamente o país inteiro, a guerra não tem sido nacional quanto à composição das forças que a fazem. Como no passado, as grandes massas populares são impedidas de participar pelo próprio governo, razão por que a actual guerra não é ainda uma guerra de massas. Enquanto não tiver um carácter de massas, a guerra contra a agressão imperialista japonesa não pode conquistar de modo algum a vitória. Alguns dizem que “a actual guerra já é uma guerra geral”, mas isso só é verdade enquanto significa que estão envolvidas extensas regiões do nosso território. Pelo que respeita à participação na guerra, esta ainda é parcial, na medida em que vem sendo realizada pelo governo, pelo exército, mas não pelo povo. Nisso está precisamente a causa principal das importantes perdas de território, bem como dos muitos reveses militares nestes últimos meses. Assim, embora a actual resistência seja revolucionária, o seu carácter revolucionário é incompleto porque ainda não é uma guerra de massas. Aí há também uma questão de unidade. Embora os partidos e grupos políticos da China estejam relativamente unidos, em comparação com o passado, a unidade ainda está longe daquilo que se necessita. Na sua maioria os presos políticos ainda não foram libertados nem a interdição dos partidos políticos inteiramente anulada. As relações entre governo e povo, entre exército e povo e entre oficiais e soldados, continuam muito más, registrando-se uma divisão em vez de unidade. Essa é uma questão primordial. Enquanto tal questão não for resolvida não se pode sequer pensar em vitória na guerra. Além disso, as faltas militares constituem outra razão maior das nossas perdas em homens e território. Os combates travados foram passivos na maioria dos casos, dizendo em termos militares, foram combates de “pura defesa”. Jamais poderemos vencer batendo-nos dessa maneira. Para que se conquiste a vitória são necessárias medidas radicalmente diferentes das actuais, tanto no plano político como no militar. Essas são as lições que aprendemos.

Pergunta: Quais são então os indispensáveis requisitos prévios, políticos e militares?

Resposta: No plano político, primeiramente, o actual governo deve ser convertido num governo de frente única em que participem representantes do povo. Esse governo será simultâneamente democrático e centralizado e aplicará a política revolucionária conveniente. Segundo, devem garantir-se ao povo as liberdades de palavra, imprensa, reunião e associação, bem como o direito de pegar em armas contra o inimigo, para que a guerra ganhe um carácter de massas. Terceiro, as condições de vida do povo devem ser melhoradas por meio de medidas como a abolição dos impostos exorbitantes e das taxas múltiplas, redução das rendas e taxas de juro, efectivação da melhoria de condições de vida para os operários, oficiais subalternos e soldados, tratamento preferencial às famílias dos militares que combatem os japoneses e assistência às vítimas das calamidades naturais, refugiados de guerra, etc. As finanças do governo devem basear-se no princípio da repartição racional das cargas, isto é, os que têm dinheiro contribuem com dinheiro. Quarto, deve activar-se a política exterior. Quinto, deve reformar-se a política relativa à cultura e educação. Sexto, os traidores devem ser energicamente reprimidos. Esta questão atingiu agora extrema gravidade: os traidores têm o campo livre, na frente de combate ajudam o inimigo e, na retaguarda, criam distúrbios, chegando alguns a posar de anti-japoneses, ao mesmo tempo que denunciam como traidores e levam ao cárcere gente que é patriota. Uma repressão efectiva dos traidores só será possível quando o povo for livre para cooperar com o governo. No domínio militar, necessitam-se igualmente reformas completas, as mais importantes das quais são a substituição dos princípios de pura defesa, estratégica e táctica, pelo princípio do ataque activo; a transformação dos exércitos de tipo velho em exércitos de tipo novo; a substituição do método de recrutar pela força pelo método de despertar o povo para a frente de combate; a substituição do comando múltiplo pelo comando unificado; a substituição da indisciplina que divorcia o exército do povo pela disciplina consciente que proibe a mais pequena violação dos interesses populares; a transformação da actual situação, em que o exército regular se bate isoladamente, numa situação em que uma ampla guerra de guerrilhas é realizada pelo povo em coordenação com as acções do exército regular; etc., etc. Todos esses requisitos prévios, políticos e militares, estão inscritos no Programa em Dez Pontos que publicámos; conformam-se todos ao espírito dos Três Princípios do Povo, das Três Grandes Políticas e do testamento do Dr. Sun Yat-sen. Enquanto tais requisitos não forem preenchidos na prática, a guerra não pode ser ganha.

Pergunta: E o que faz o Partido Comunista no sentido da realização de tal programa?

Resposta: Nós consideramos que constitui tarefa nossa explicar incansavelmente a situação actual e unir-nos ao Kuomintang e a todos os partidos e grupos políticos patrióticos na luta para alargar e consolidar a Frente Única Nacional Anti-Japonesa, mobilizar todas as forças e conquistar a vitória na Guerra de Resistência. A Frente Única Nacional Anti-Japonesa ainda se apresenta com um quadro muito limitado, havendo por isso que ampliá-la, quer dizer, “despertar as massas populares”, como recomenda o testamento do Dr. Sun Yat-sen, mobilizando-as a partir da base, a fim de que participem nessa frente única. A consolidação da Frente Única significa a realização dum programa comum que vincule todos os partidos e grupos políticos. Nós estamos de acordo quanto à aceitação dos Três Princípios do Povo revolucionários do Dr. Sun Yat-sen, das suas Três Grandes Políticas e testamento, como programa comum da Frente Única de todos os partidos e grupos políticos e sectores da população. Até hoje, porém, esse programa não foi aceite por todos os partidos e grupos políticos, em particular o Kuomintang, que não reconheceu nem proclamou esse programa assim completo. O nacionalismo do Dr. Sun Yat-sen foi parcialmente posto em prática pelo Kuomintang, como se vê pela sua resistência ao Japão, mas o princípio da democracia e o do bem-estar do povo ainda não foram aplicados, daí resultando a grave crise actual no desenrolar da resistência. Agora que a guerra está tão intensa, já é tempo de o Kuomintang aplicar integralmente os Três Princípios do Povo; depois, os arrependimentos de nada valerão. Constitui dever do Partido Comunista elevar a voz para, sem descanso, explicar e persuadir o Kuomintang e o conjunto da nação a esse respeito, de maneira que os genuínos Três Princípios do Povo revolucionários, as Três Grandes Políticas e o testamento do Dr. Sun sejam aplicados de forma completa, radical, por todo o país, e se amplie e consolide a Frente Única Nacional Anti-Japonesa.

O VIII Exército na Guerra de Resistência Contra o Japão

Pergunta: Poderia falar-me, por favor, desse VIII Exército que a tanta gente interessa — por exemplo, sobre a sua estratégia, táctica e trabalho político?

Resposta: Na verdade já são muitas as pessoas que começam a interessar-se pela acção do Exército Vermelho, desde que este passou a chamar-se VIII Exército e avançou para a frente de combate. Dar-lhe-ei de seguida uma ideia geral sobre isso.

Comecemos pela acção no campo de batalha. Estrategicamente, o VIII Exército tem Xansi como centro de operações. Como sabe, esse exército conquistou muitas vitórias, de que são exemplos a batalha de Pinsinquan, a recuperação de Tsimpim, Pinlu e Ninvu, a recuperação de Lai-iuan e Cuanlim, a captura de Tzitsinquan, o corte das três linhas principais de transporte das tropas japonesas (entre Tatom e lemenquan, entre Vui-cien e Pinsinquan e entre Suocien e Ninvu), o assalto à retaguarda das forças japonesas no sul de Temenquan. a recuperação, por duas vezes, de Pinsinquan e lenaenquan, bem como a recuperação recente de Quiu-iam e Tancien. As tropas japonesas que penetraram no Xansi estão estrategicamente cercadas pelo VIII Exército e outras forças chinesas. Podemos afirmar que as tropas japonesas hão-de deparar-se com a mais tenaz das resistências no Norte da China. Se tentarem agir no Xansi como bem lhes apetecer, seguramente que esbarrarão com dificuldades maiores do que nunca.

Passemos à estratégia e à táctica. Nós fazemos o que as outras forças chinesas não fizeram, quer dizer, operamos principalmente sobre os flancos e retaguarda do inimigo. Esse processo de combate é bem distinto da pura defesa frontal. Nós não estamos contra o emprego duma parte das forças em operações frontais, isso é necessário; mas as forças principais devem empregar-se contra os flancos do inimigo, adoptando-se tácticas de cerco e movimento torneante, para atacar o inimigo com independência e autonomia, já que essa é a única via possível de preservação das nossas forças e liquidação das forças do inimigo. Além disso, o emprego de algumas das nossas forças armadas contra a retaguarda do inimigo revela-se particularmente eficaz, uma vez que rompe as linhas de transporte e as bases de apoio deste. As próprias forças frontais devem recorrer sobretudo ao “contra-assalto” e não às tácticas de defesa pura. Uma razão importante dos reveses militares destes últimos meses foi o emprego de métodos de acção inadequados. Os métodos de combate adoptados actualmente pelo VIII Exército são aquilo que designamos por guerra de guerrilhas e guerra de movimento realizadas com independência e autonomia. Em princípio, esses métodos são fundamentalmente os mesmos que adoptámos durante a guerra civil, mas há certas diferenças. Por exemplo, na etapa actual, a fim de facilitar o ataque de surpresa sobre os flancos e retaguarda do inimigo em áreas extensas, nós dividimos as nossas forças muito mais vezes do que as concentramos. Como, tomadas no conjunto, as forças armadas do país são numericamente fortes, algumas devem ser aplicadas na defesa frontal e outras dispersas para a realização de acções de guerrilhas, havendo no entanto que concentrar com frequência as forças principais contra os flancos do inimigo. Militarmente, o primordial é preservar-se a si próprio e destruir o inimigo, sendo necessário, para tal efeito, fazer guerra de guerrilhas e guerra de movimento com independência e autonomia, e evitar todas as tácticas passivas e inflexíveis. Teremos a vitória na mão se os grandes efectivos fazem uma guerra de movimento, tendo o VIII Exército a apoiá-los com uma guerra de guerrilhas.

Agora o trabalho político. Outro traço altamente significativo e distintivo do VIII Exército é o seu trabalho político, que está guiado por três princípios fundamentais:

Com a perda de Hopei, Tchahar, Sui-iuan e parte de Xansi, nós não ficámos nada desencorajados, pelo contrário, lançámos resolutamente um apelo à totalidade do nosso exército para que se coordene com todos os exércitos amigos e combata encarniçadamente, até ao fim, pela defesa de Xansi e recuperação dos territórios perdidos. O VIII Exército coordenará a sua acção com as demais forças chinesas e prosseguirá a resistência em Xansi. Isso há-de revelar-se muito importante para todo o curso da guerra, em especial para as acções no Norte da China.

Pergunta: Em sua opinião, essas qualidades do VIII Exército convêm também aos demais exércitos chineses?

Resposta: Convêm totalmente. Originàriamente, o espírito das tropas do Kuomintang era em muito semelhante ao espírito que hoje reina no VIII Exército. Mas isso era em 1924-1927; nessa altura, o Partido Comunista da China e o Kuomintang cooperavam na organização de forças armadas de tipo novo, as quais, começando apenas com dois regimentos, reuniram à volta de si muitas outras tropas e conquistaram uma primeira vitória sobre Tchen Tchiom-mim. Essas forças desenvolveram-se posteriormente em corpo de exército e passaram a influenciar muitas mais tropas. Só nessa altura se tornou possível a Expedição do Norte. Um espírito novo prevalecia então entre tais forças. No conjunto, reinava a unidade entre oficiais e soldados e entre exército e povo, vivendo o exército imbuído desse espírito revolucionário de avançar corajosamente. Nessa época foi instituído no exército o sistema de representantes do Partido e departamentos políticos, sistema desconhecido até então na história da China, com o que mudou totalmente a fisionomia do exército. O Exército Vermelho de 1927, hoje VIII Exército, herdou e desenvolveu esse sistema. Impregnadas desse espírito novo, as forças armadas no período revolucionário de 1924-1927 empregaram, naturalmente, os métodos de combate correspondentes à sua visão política, não agindo de modo passivo nem sem flexibilidade, mas sim com iniciativa, flexibilidade e espírito ofensivo, razão por que saíram vitoriosas da Expedição do Norte. É de tropas desse tipo que necessitamos hoje nos campos de batalha da Guerra de Resistência. E não é que necessitemos absolutamente delas aos milhões; basta-nos um núcleo dumas quantas centenas de milhares de homens assim para derrotarmos o imperialismo japonês. Nós temos em alto preço todos os exércitos do país pelo sacrifício heróico que fazem desde o começo da resistência, mas há lições que devem extrair-se das sangrentas batalhas que travaram.

Pergunta: Sendo a disciplina do exército japonês aquilo que é, acaso não vai revelar-se inoperante essa vossa política de clemência no tratamento dos prisioneiros de guerra? O comando japonês pode, por exemplo, matar os prisioneiros que vocês tenham posto em liberdade, ficando o exército japonês, no seu conjunto, sem compreender o significado da vossa política.

Resposta: Impossível. Quantos mais o comando inimigo matasse, tanto maior seria a simpatia dos soldados japoneses pelas forças chinesas. Factos desses não podem ser escondidos das massas de soldados. Nós perseveraremos nessa política. Não a modificaremos mesmo que, por exemplo, o exército japonês execute a sua declaração no sentido de passar ao emprego de gazes venenosos contra o VIII Exército. Insistiremos na clemência para com os soldados japoneses aprisionados, bem como para com os oficiais subalternos que, combatendo sob coacção, venham a ser capturados por nós; não os humilharemos nem insultaremos, pelo contrário, deixá-los-emos partir em liberdade, assim que lhes tenhamos explicado a identidade de interesses dos povos dos nossos dois países. Aqueles que não quiserem regressar terão a possibilidade de servir no VIII Exército. E se uma brigada internacional se constitui na frente de combate anti-japonesa, eles poderão integrar-se nela e pegar em armas contra o imperialismo japonês.

O Capitulacionismo na Guerra de Resistência Contra o Japão

Pergunta: Segundo entendi, ao mesmo tempo que mantém a guerra, o Japão propaga rumores de paz em Xangai. Quais serão os seus objectivos reais?

Resposta: Depois de alcançarem certos resultados com os seus planos, os imperialistas japoneses voltarão a lançar uma granada de fumos quanto a paz, para atingirem três objectivos; 1) consolidação das posições capturadas a fim de usá-las como trampolim estratégico de novas ofensivas; 2) ruptura da frente anti-japonesa da China; 3) ruptura da frente internacional de apoio à China. Os actuais rumores de paz não são mais do que uma primeira granada de fumos sobre a paz. O perigoso é que existem na China elementos hesitantes prontos a cair na armadilha do inimigo, e os traidores e os vende-pátrias manobram junto destes e propagam todo o tipo de boatos tentando conduzir a China à capitulação frente ao agressor.

Pergunta: Em sua opinião, a que poderá levar esse perigo?

Resposta: Só duas vias são possíveis — ou o povo chinês supera o capitulacionismo ou o capitulacionismo leva a melhor, registrando-se então a queda da China no caos e a ruptura da frente anti-japonesa.

Pergunta: Qual das duas é mais provável?

Resposta: A totalidade do povo chinês exige que a resistência seja levada até ao fim. Se um sector do grupo governante tomar o caminho da capitulação, os que permanecerem firmes seguramente se lhe oporão e resistirão ao lado do povo. Nem é necessário dizer que isso seria uma desgraça para a frente anti-japonesa da China. Contudo, estou seguro que os capitulacionistas não hão-de conseguir o apoio das massas, estas ultrapassarão o capitulacionismo, perseverarão na guerra e conquistarão a vitória.

Pergunta: Pode saber-se como se combaterá o capitulacionismo?

Resposta: Pela palavra, isto é, denunciando o perigo do capitulacionismo, e pela acção, quer dizer, organizando as massas para que impeçam os actos de capitulação. O capitulacionismo origina-se no derrotismo nacional, quer dizer, no pessimismo nacional, na ideia de que, por ter perdido algumas batalhas, a China já não dispõe de forças para resistir ao Japão. Os pessimistas não compreendem que a derrota é a mãe da vitória, que as lições aprendidas das derrotas constituem a base de triunfos futuros. Vêem apenas as derrotas, não os sucessos na Guerra de Resistência, não compreendem sobretudo que as nossas derrotas contêm os elementos da nossa vitória, ao passo que as vitórias do inimigo contêm os elementos da derrota deste. Há que mostrar às massas populares as perspectivas de vitória nesta guerra, ajudá-las a compreender que as nossas derrotas e dificuldades são temporárias e que, se nos batermos sem fraquejar, a vitória final pertencer-nos-á. Privados duma base de massas, os capitulacionistas não terão oportunidade para maquinações e a frente anti-japonesa resultará consolidada.

O Regime Democrático e a Guerra de Resistência Contra o Japão

Pergunta: Que significa a expressão “democracia” inscrita pelo Partido Comunista no seu programa? Não será porventura isso incompatível com um “governo de tempo de guerra”?

Resposta: De modo nenhum. Foi logo em Agosto de 1936 que o Partido Comunista avançou a palavra de ordem de “república democrática”. Nos planos político e organizacional, essa palavra de ordem significa que:

  1. o Estado e o governo não devem ser de uma só classe mas sim basear-se na aliança de todas as classes anti-japonesas, excluindo-se os traidores e os vende-pátrias e incluindo-se necessáriamente os operários, os camponeses e os demais sectores da pequena burguesia;
  2. a forma organizacional desse governo será o centralismo democrático, simultâneamente democrático e centralizado, com os dois aparentes contrários, democracia e centralização, unidos numa forma determinada;
  3. o governo garantirá ao povo toda a liberdade política que este necessita, especialmente a liberdade de organizar-se, treinar-se e armar-se para a auto-defesa. Sob esses três aspectos, vê-se que a república democrática nada tem de incompatível com um “governo de tempo de guerra”, pelo contrário, constitui exactamente o sistema de Estado e de governo vantajoso à Guerra de Resistência contra o Japão.

Pergunta: Mas não será contraditória a expressão “centralismo democrático”?

Resposta: O que importa é olhar não apenas para as expressões mas também para a realidade. Não há abismo intransponível entre a democracia e o centralismo, ambos são essenciais á China. Por um lado, o governo a que aspiramos deve ser realmente representativo da vontade popular e beneficiar da aprovação e apoio das grandes massas em todo o país, ficando o povo com a liberdade de apoiá-lo e a possibilidade de influir na respectiva política. É esse o significado da democracia. Por outro lado, a centralização do poder administrativo também é necessária, e uma vez que as medidas políticas exigidas pelo povo sejam aprovadas pelo órgão representativo da vontade popular e transmitidas ao governo que o próprio povo tenha eleito, este realizá-las-á, podendo seguramente fazê-lo com facilidade, sempre que não viole a política adoptada conformemente à vontade popular. É esse o significado do centralismo. Um governo só pode ser forte quando observa o centralismo democrático, sistema que o governo de defesa nacional deve adoptar na Guerra de Resistência contra o Japão.

Pergunta: Mas isso não corresponde a um sistema de gabinete de tempo de guerra, não é assim?

Resposta: Não, não corresponde a determinados gabinetes de tempo de guerra registrados pela História.

Pergunta: Mas terá havido alguma vez um gabinete de tempo de guerra desse tipo?

Resposta: Sim. Dum modo geral, os regimes políticos de tempo de guerra podem dividir-se em dois tipos, de acordo com a natureza da guerra; o centralismo democrático é um dos tipos, o outro é o centralismo absoluto. As guerras da história podem dividir-se em dois tipos, de acordo com a sua natureza: guerras justas e guerras injustas. Por exemplo, a guerra europeia que se desenrolou há mais de vinte anos foi uma guerra injusta, imperialista. Os governos dos países imperialistas forçaram os povos a combater pelos interesses do imperialismo, contra os interesses desses mesmos povos pois, circunstâncias que exigiram a adopção de tipos de governo como o de Lloyd George, na Inglaterra. Lloyd George reprimia o povo inglês, proibindo-o de pronunciar-se contra a guerra imperialista e banindo as organizações e assembleias que expressavam o sentimento popular, contrário à guerra. O parlamento mantinha-se de pé, mas não era mais que um parlamento limitado à votação dócil do orçamento de guerra, um órgão pertencente a um grupo de imperialistas. A ausência de unidade entre governo e povo numa guerra dá lugar a governos de centralismo absoluto, só centralização, nada de democracia. Mas a História também registra guerras revolucionárias, como na França, na Rússia, na Espanha actual. Nessas guerras os governos não temem uma desaprovação do povo, pois este está de todo disposto a fazer tal tipo de guerra. Longe de recearem o povo, esses governos empenham-se em mobilizá-lo e encorajá-lo a expressar as suas opiniões, de modo a que participe activamente na guerra, pois os governos assim repousam no apoio voluntário do povo. A guerra de libertação nacional da China beneficia do inteiro apoio do povo e não pode ganhar-se sem a participação deste. O centralismo democrático resulta pois uma necessidade. Na China, a vitória na Expedição do Norte, 1926-1927, foi igualmente conquistada graças à observação do centralismo democrático. Assim, quando o objectivo da guerra reflecte directamente os interesses do povo, quanto anais democrático for o governo tanto mais eficientemente pode a guerra ser prosseguida. Os governos desse tipo não receiam que o povo se oponha à guerra, pelo contrário, preocupam-se quando o povo fica inactivo, indiferente à guerra. A natureza da guerra determina as relações entre o governo e o povo — é uma lei da história.

Pergunta: Que medidas pois contam tomar no sentido do estabelecimento do novo regime político?

Resposta: A chave da questão é a cooperação entre o Kuomintang e o Partido Comunista.

Pergunta: Por quê?

Resposta: Nos últimos quinze anos, as relações entre o Kuomintang e o Partido Comunista têm sido o factor decisivo na situação política na China. A cooperação entre os dois partidos, de 1924 a 1927, permitiu as vitórias da primeira revolução. A ruptura entre os dois partidos, em 1927, deu lugar à desgraçada situação desta última década. E não é nossa a responsabilidade pela ruptura; nós fomos compelidos a resistir à opressão do Kuomintang e persistimos em levantar alta a gloriosa bandeira da libertação da China. Agora, encontramo-nos na terceira etapa, os dois partidos devem cooperar plenamente na base dum programa determinado, para resistir ao Japão e salvar a Pátria. Graças aos nossos esforços continuados, a cooperação já pode considerar-se estabelecida; mas a questão está em ambos os lados aceitarem um programa comum e agirem de acordo com isso. A instituição do novo regime político constitui uma das partes essenciais de tal programa.

Pergunta: E como pode instituir-se o sistema novo através da cooperação dos dois partidos?

Resposta: Nós propomos a reconstrução da máquina governativa e do sistema de exército. Propomos que se convoque uma assembleia nacional provisória para enfrentar a situação crítica actual. Os delegados a essa assembleia devem escolher-se, na proporção adequada, dentre os vários partidos e grupos políticos, exércitos, organizações populares e empresas industriais e comerciais, ganhos à causa anti-japonesa, no geral como o Dr. Sun Yat-sen sugeriu em 1924. Essa assembleia deverá funcionar como órgão máximo do poder do Estado, definir a política de salvação da nação, adoptar o programa constitucional e eleger o governo. Sustentamos que a Guerra de Resistência chegou a um ponto crítico de viragem e só a convocação imediata dessa assembleia nacional, investida de autoridade e representativa da vontade popular, pode dar nova fisionomia política à China e debelar a crise. Actualmente, nós procedemos a uma troca de ideias com o Kuomintang sobre essa proposta e esperamos obter o seu acordo.

Pergunta: Mas o governo nacional não anunciou já que a convocação da assembleia nacional tinha sido suspensa?

Resposta: Essa suspensão foi justa. O que se suspendeu foi a assembleia nacional que o Kuomintang se preparava para convocar. Com as estipulações do Kuomintang, ela não iria dispor de quaisquer poderes, e o próprio processo de eleição estava, aliás, em conflito total com a vontade popular. Juntamente com todos os sectores sociais, nós desaprovámos esse tipo de assembleia nacional. A assembleia nacional provisória que propomos é radicalmente distinta da que foi suspensa. A convocação duma assembleia nacional provisória dará sem dúvida um novo aspecto ao país inteiro e proporcionará os requisitos indispensáveis para a reconstrução da máquina governativa e do exército, bem como para a mobilização do povo. É de tudo isso que depende a verificação duma viragem favorável na Guerra de Resistência.


Inclusão 20/08/2012