Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo IV - Os Filósofos Idealistas, Irmãos de Armas e Sucessores do Empiro-Criticismo


20. Como o "Empiro-Simbolista" Iuchkévitch ridiculariza o "Empiro-Criticista" Tchernov


"Certamente — escreve P. Iuchkévitch —, é ridículo ver-se o sr. Tchernov esforçar-se por fazer do positivista agnóstico, comtista e spenceriano, Mirrailóvski, o precursor de Mach e Avenarius" (loc. cit., p. 73).

O que é ridículo, aqui, é, antes de tudo, a prodigiosa ignorância de Iuchkévitch. Como todos os Vorochílovs, dissimula essa ignorância sob uma multidão de palavras sábias e de nomes. O trecho citado encontra-se no parágrafo dedicado às relações da doutrina de Mach e do marxismo. E o sr. Iuchkévitch, abordando esse assunto, ignora que, para Engels (como para todo o materialista), os discípulos de Hume e os de Kant são, pela mesma razão, agnósticos. Em consequência, opor à doutrina de Mach o agnosticismo em geral, quando o próprio Mach se aproxima de Hume, significa, pura e simplesmente, crassa ignorância em matéria de filosofia. As palavras "positivismo agnóstico" são igualmente absurdas, uma vez que os discípulos de Hume se qualificam precisamente de positivistas. Iuchkévitch, que tomou Petzoldt por mestre, deveria saber que esse autor relaciona o empiro-criticismo com o positivismo. E, finalmente, é ainda absurdo aproximar aqui os nomes de Auguste Comte e de Herbert Spencer, quando o marxismo repudia não o que distingue um positivista do outro, mas o que eles têm de comum, o que faz de um filósofo um positivista, diversamente do materialista.

Nosso Vorochílov necessita de todo esse montão de termos para "embasbacar" o leitor, para aturdi-lo sob um estrepito de palavras, para desviar sua atenção do fundo da questão e fixá-la em bagatelas. Ora, o fundo da questão é o desacordo radical do materialismo em relação à ampla corrente do positivismo, em que figuram Auguste Comte e H. Spencer, Mirrailóvski e diversos neokantistas, Mach e Avenarius. Esse fundo da questão que Engels expunha com a maior clareza em seu Ludwig Feuerbach, quando classificava todos os kantistas e os discípulos de Hume dessa época (1880-90) entre os mesquinhos ecléticos e os cortadores de cabelo em quatro (Flohknacker; literalmente, catadores de pulgas), etc. A quem podem e devem aplicar-se essas definições? Nossos Vorochílovs não o quiseram saber. E como eles não sabem pensar, faremos uma aproximação edificante. Referindo-se aos kantistas e aos discípulos de Hume em geral, Engels não citava, em 1888 e em 1891, nenhum nome. A única referência que se encontra em seu livro se relaciona a uma obra de Starcke sobre Feuerbach.

"Starcke — diz Engels — esforça-se zelosamente por defender Feuerbach contra os ataques e as doutrinas dos professores que, presentemente, com o nome de filósofos, provocam rumor na Alemanha. Isso é importante para as pessoas que se interessam pela descendência degenerada da filosofia clássica alemã. Isso podia parecer necessário a Starcke. Quanto a nós, disso livraremos o leitor" (Ludwig Feuerbach, p. 25).

Engels pretendia "poupar o leitor", isto é, livrar os social democratas do desprazer de conhecer os tagarelas degenerados que se intitulam filósofos. Mas quais são os representantes dessa "descendência degenerada"?

Vejamos o livro de Starcke (C. N. Starcke, Ludwig Feuerbach, Stuttgart, 1885) e nele encontraremos frequentes referências aos partidários de Hume e de Kant. É contra as correntes desses dois filósofos que Starcke defende Feuerbach. Ele cita A. Riehl, Windelband, A. Lange (pp. 3, 18, 19, 127 e seguintes).

Vejamos A concepção humana do mundo, de R. Avenarius, publicada em 1891, e nela podemos ler, na página 120 da primeira edição alemã:

"O resultado final da nossa análise concorda não absolutamente (durchgehend), é verdade, o que se explica pela diversidade dos pontos de vista com o resultado a que chegaram outros pesquisadores, E. Laas, E. Mach, A. Riehl, W. Wundt, por exemplo. Ver igualmente Schopenhauer."

De que, se riu, então, o nosso Vorochílov—Iuchkévitch?

Avenarius não dúvida, absolutamente, da sua profunda afinidade com os kantistas Riehl e Laas e com o idealista Wundt, não num problema particular, mas na questão geral do "objetivo final" do empiro-criticismo. Ele menciona Mach entre dois kantistas. Não é, realmente, uma só e mesma companhia? Riehl e Laas acomodam Kant a Hume; Mach e Avenarius acomodam Hume e Berkeley.

Admirável que Engels tenha querido "poupar" os operários alemães e livrá-los de conhecer mais de perto todo esse bando de professores, de catadores de pulgas!

Engels sabia poupar os operários alemães; os Vorochílovs não poupam o leitor russo.

Deve-se observar que a associação, eclética no fundo, de Kant e Hume, ou de Hume e Berkeley, é possível em proporções diferentes, por assim dizer, podendo ser sublinhado de preferência esse ou aquele elemento. Vimos, por exemplo, que o discípulo de Mach, Kleinpeter, é o único a considerar-se e a considerar Mach solipsista (o que quer dizer discípulo consequente de Berkeley). Muitos discípulos e partidários de Mach e Avenarius, tais como Petzoldt, Willy, Pearson, o empiro-criticista russo Lessevitch, o francês Henri Delacroix(1), ao contrário, sublinham o que toca a Hume nas concepções de Mach e Avenarius. Citemos ainda o exemplo de um sábio particularmente eminente, que também aliou, em filosofia, Hume e Berkeley, mas acentuando os elementos materialistas dessa união. Trata-se do célebre naturalista inglês T. Huxley, que lançou o termo "agnóstico" e em quem, sem dúvida, Engels pensava, em primeiro lugar e mais do que em qualquer outro, quando falava do agnosticismo inglês. Engels qualificou, em 1891, de "materialistas pudicos" esse tipo de agnóstico. Em seu livro intitulado Naturalismo e agnosticismo, em que ataca principalmente o "lider científico do agnosticismo", Huxley (vol. II, p. 229), o espiritualista inglês James Ward confirma nesses termos a apreciação de Engels:

"A tendência de Huxley para reconhecer o primado do físico (da "série de elementos", segundo Mach) é muitas vezes expressa de maneira tão nítida que não é possível falar aqui em paralelismo. Embora Huxley rejeite vivamente o epiteto de materialista, comprometedor para seu agnosticismo sem mácula, não conheço autor que o mereça mais do que ele" (t. II, p. 30).

E James Ward cita em apoio de sua tese afirmações de Huxley, do gênero das seguintes:

"Todos os que conhecem a história da ciência concordarão que seus progressos sempre significaram e ainda significam, mais do que nunca, a extensão do domínio do que chamamos matéria e causalidade a todos os domínios do pensamento humano e, pela mesma razão, a dissipação progressiva de tudo quanto chamamos de espírito e espontaneísmo".

Ou então:

"Pouco importa que exprimamos os fenômenos materiais nos termos do espírito ou os fenômenos do espírito nos termos da matéria: uma e outra formulações são verdadeiras em certo sentido relativo (complexos de elementos relativamente estáveis, de Mach). Mas, do ponto de vista do progresso científico, a terminologia materialista é preferível sob todos os aspectos uma vez que relaciona o pensamento com os outros fenômenos do universo... enquanto a terminologia contrária ou espiritualista é inteiramente estéril (utterly barren) e não conduz a nada, senão às trevas e à confusão... Não se pode duvidar de que, quanto mais a ciência realize progressos, mais amplamente e mais rigorosamente os fenômenos naturais serão expressos em fórmulas ou em símbolos materialistas" (t. I, pp. 17 e 19).

Assim raciocinava Huxley, "materialista pudico", que não queria admitir por nenhum preço o materialismo, essa "metafísica" que ultrapassa ilegitimamente os "grupos de sensações". Escrevia ainda:

"Se eu tivesse de escolher entre o materialismo absoluto e o idealismo absoluto, ver-me-ia na contingência de optar por esse último.

A única coisa que conhecemos com certeza é a existência do mundo espiritual" (J. Ward, II, p. 226 loc. cit.).

A filosofia de Huxley também é, como a de Mach, uma mistura de Hume e de Berkeley. Mas os ataques à maneira de Berkeley são ocasionados em Huxley e seu agnosticismo não passa do véu pudico do seu materialismo. A proporção da mistura é outra em Mach, e o espiritualista Ward, tão vigoroso no combate a Huxley, mostra-se, para com Avenarius e Mach, de uma comovedora cortesia.


Notas de rodapé:

(1) Bibliotkèque du Congrès International de Philosophie, volume IV; Henri Delacroix, David Hume et la philosophie critique. O autor classifica entre os partidários de Hume: Avenarius e os imanentes na Alemanha, Ch. Renouvier e sua escola dos "neo-criticistas" na França. — N. L. (retornar ao texto)

Inclusão