Parte V


n) O Quadro Geral da Luta no Congresso. A Ala revolucionária e a Ala Oportunista do Partido 

Agora que terminamos a análise dos debates e das votações do congresso, precisamos de fazer o balanço para podermos, baseando-nos em todos os materiais do congresso, responder à pergunta seguinte: que elementos, grupos e matizes acabaram por formar a maioria e a minoria que vimos nas eleições e que estavam destinadas a constituir durante um certo tempo a divisão fundamental do nosso partido? É necessário fazer o balanço de todo o material sobre matizes de princípio, em matéria de teoria e táctica, que as atas do congresso nos oferecem com tanta abundância. Sem um "resumo" geral, sem um quadro geral de todo o congresso e de todos os principais agrupamentos nas votações, estes materiais ficam demasiado fragmentados, dispersos, de maneira que à primeira vista os diversos agrupamentos parecem acidentais, sobretudo a quem não se der ao cuidado de estudar, de modo independente e em todos os seus aspectos, as atas do congresso (e entre os leitores haverá muitos que se tenham dado a esse cuidado?).

Nos relatórios parlamentares ingleses encontra-se frequentemente a característica palavra division - divisão. A câmara "dividiu-se" em determinada maioria e minoria, diz-se, numa votação. A "divisão" da nossa câmara social-democrata na discussão de diversas questões no congresso, dá-nos um quadro único no seu género, insubstituível pela sua plenitude e exactidão, da luta interna do partido, dos seus matizes de opinião e dos seus grupos. Para tomar mais nítido este quadro, para obter um verdadeiro quadro, e não um amontoado de fatos e fatozinhos desligados, fragmentados e isolados, para pôr fim às discussões intermináveis e sem sentido, sobre as diversas votações (quem votou por quem e quem apoiou quem?), decidi tentar representar, sob a forma de diagrama, todos os tipos fundamentais de "divisões" no nosso congresso. Este processo parecerá seguramente estranho a muita gente, mas duvido que se possa encontrar outro método que verdadeiramente permita sintetizar e resumir os resultados de maneira tão completa e tão precisa. No caso de votação nominal, pode-se determinar com absoluta precisão se tal ou tal delegado votou a favor ou contra uma proposta; quanto a certas votações importantes não nominais pode-se, com base nas atas, determiná-lo com um elevado grau de probabilidade, com um grau suficiente de aproximação da verdade. E se se tomar em consideração todas as votações nominais, assim como todas as votações não nominais sobre questões de certa importância (a julgar, por exemplo, pelo pormenor e a paixão dos debates), obteremos um quadro da luta interna do nosso partido, um quadro que terá a máxima objectividade que é possível alcançar com os materiais de que dispomos. Ao fazê-lo, em vez de dar uma imagem fotográfica, ou seja, uma imagem de cada votação tomada separadamente, tentaremos elaborar um quadro, isto é, apresentar os principais tipos de votações, ignorando as excepções e variações relativamente pouco importantes e que apenas complicariam as coisas. Em todo o caso cada qual poderá, baseando-se nas atas, verificar cada pormenor do nosso quadro, completá-lo com qualquer votação particular, numa palavra, criticá-lo não só com argumentos, dúvidas ou referências a casos isolados, mas traçando um quadro diferente com base nos mesmos materiais.

Inscrevendo no diagrama cada um dos delegados que tomaram parte nas votações, indicaremos com sombreado diferente os quatro grupos fundamentais que seguimos pormenorizadamente ao longo de todos os debates no congresso, a saber: 1) iskristas da maioria; 2) iskristas da minoria; 3) "centro" e 4) anti-iskristas. Vimos às diferenças de matizes de princípios entre estes grupos numa imensidade de exemplos, e se há alguém a quem os nomes desses grupos desagradam, porque lembram demasiadamente aos amadores de ziguezagues a organização do Iskra e a tendência do Iskra, dir-lhe-emos que não é o nome que importa. Agora que seguimos já os matizes através de todos os debates do congresso, podem ser facilmente substituidos os nomes já estabelecidos e familiares no partido (mas que ferem os ouvidos de alguns), pela caracterização do que constitui a essência dos matizes entre os grupos. Com tal substituição teríamos para esses mesmos quatro grupos as designações seguintes: 1) sociais-democratas revolucionários consequentes; 2) pequenos oportunistas; 3) oportunistas médios e 4) grandes oportunistas (grandes à nossa escala russa). Esperemos que estas designações choquem menos os que há algum tempo começaram a assegurar a si próprios e aos outros de que "iskristas" é um nome que apenas designa um "círculo", e não uma tendência.

Passemos à descrição detalhada dos tipos de votações "fotografadas" no diagrama junto (ver o diagrama: "Quadro geral da luta no congresso").

O primeiro tipo de votação (A) engloba os casos em que o "centro" se uniu aos iskristas contra os antí-ískristas ou contra uma parte deles. Inclui a votação do programa no conjunto (só Akimov se absteve, os outros votaram a favor), a votação da resolução de princípio condenando a federação (todos votaram a favor à excepçâo de cinco bundistas), a votação do § 2 dos estatutos do Bund (os cinco bundistas votaram contra nós e houve cinco abstenções: Martínov, Akímov, Brúker e Mákhov, com dois votos, os outros conosco); esta é a votação que é representada no diagrama A. Em seguida, as três votações sobre a questão da confirmação do Iskra como Orgão Central do partido foram também do mesmo tipo; a redação (cinco votos) absteve-se, nas três votações dois votaram contra (Akímov e Brúker) e além disso, na votação dos motivos da confirmação do Iskra abstiveram-se os cinco bundistas e o camarada Martínov(1).

O tipo de votação que acabamos de examinar responde a uma questão de grande interesse e importância: quando é que o "centro" do congresso votou com os iskristas? Quando, com raras excepções, os anti-iskristas também estavam conosco (aprovação do programa, confirmação do Iskra independentemente dos motivos), ou quando se tratava de declarações que ainda não obrigavam diretamente a uma atitude política precisa (reconhecer o trabalho de organização do Iskra não obriga ainda a aplicar de fato a sua política de organização em relação aos grupos particulares; rejeitar a federação não impede ainda uma abstenção quando se trata de um projeto concreto de federação, como vimos no exemplo do camarada Mákhov). Já vimos anteriormente, a propósito do significado dos agrupamentos no congresso em geral, quão inexatamente esta questão é apresentada na exposição oficial do Iskra oficial que (pela boca do camarada Mártov) apaga e escamoteja a diferença entre os iskristas e o "centro", entre os sociais-democratas revolucionários consequentes e os oportunistas, citando os casos em que os anti-iskristas também votaram conosco! Mesmo os mais "direitistas" dos oportunistas alemães e franceses nos partidos sociais-democratas não votam contra quando se trata de questões como a adopção do programa no seu conjunto.

O segundo tipo de votação (B) compreende os casos em que os iskristas, consequentes e inconsequentes, se uniram contra todos os anti-iskristas e todo o "centro". Eram sobretudo os casos em que se tratava de aplicar os planos concretos e definidos da política iskrista, em que se tratava do reconhecimento do "Iskra" de fato, e não só em palavras. Incluem o incidente do CO(2), a colocação em primeiro lugar da questão relativa àsituação do Bund no partido, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi, as duas votações sobre o programa agrário e, por fim, em sexto lugar, a votação contra a União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro (Rabótcheie Dielo), ou seja o reconhecimento da Liga como a única organização do partido no estrangeiro. O velho espírito de círculo, anterior à formação do partido, os interesses de organizações ou grupinhos oportunistas, uma concepção estreita do marxismo, lutavam aqui contra a política consequênte e de princípios da social-democracia revolucionaria; os iskristas da minoria ainda estiveram ao nosso lado várias vezes numa série de casos, numa série de votações extremamente importantes (do ponto de vista do CO, do Iújni Rabótchi, da Rabótcheie Dielo) ... enquanto não se tratou do seu próprio espírito de círculo, da sua própria inconsequência. As "divisões" deste tipo mostram claramente que, numa série de questões relativas à aplicação dos nossos princípios, o centro estava ao lado dos anti-iskristas, estava muito mais perto deles que de nós, muito mais inclinado na prática para a ala oportunista que para a ala revolucionaria da social-democracia. Os "iskristas" de nome, que sentiam vergonha por serem iskristas, mostraram a sua verdadeira natureza, e a luta inevitável provocou não pouca irritação, que escondia aos olhos dos elementos menos refletidos e mais impressionáveis o significado dos matizes de princípio que se revelavam nesta luta. Mas agora que o ardor da luta se acalmou um pouco, e que as atas ficaram como um extrato desapaixonado duma série de lutas encarniçadas, agora só os que fecham propositadamente os olhos podem deixar de ver que a união dos Mákhov e dos Egórov com os Akímov e os Líber não era nem podia ser um fenômeno casual. Só resta a Mártov e a Axelrod evitar uma análise completa e minuciosa das atas ou tentar modificar retrospectivamente a sua conduta no congresso com toda a espécie de expressões de pesar. Como se se pudesse, como pesar, suprimir a diferença de pontos de vista e a diferença de política! Como se a atual aliança de Mártov e Axelrod com Akímov, Brúker e Martínov pudesse fazer o nosso partido, reconstituido no segundo congresso, esquecer a luta que os skristas travaram contra os anti-iskristas durante quase todo o congresso!

O que caracteriza o terceiro tipo de votação no congresso, representado pelas três últimas das cinco partes do diagrama, a saber: (C, D e E), é o fato de uma pequena parte dos iskristas se desligar e passar para o lado dos anti-iskristas que, por esta razão, vencem (enquanto continuam no congresso). Para seguir com exatidão absoluta o desenvolvimento desta célebre coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas, coligação cuja simples menção provocava cm Mártov mensagens histéricas ao congresso, citamos todos os três tipos essenciais de votações nominais deste gênero. C - votação sobre a igualdade de direitos das línguas (tomamos a última das três votações nominais desta questão por ser a mais completa). Todos os anti-iskristas e todo o centro se levantam contra nós como um só homem, enquanto uma parte da maioria e uma parte da minoria se separam dos iskristas. Não se vê ainda quais OS iskristas capazes de formar uma coligação definitiva e sólida com a "direita" oportunista do congresso. Depois vem o tipo D - votação sobre o parágrafo primeiro dos estatutos (das duas votações tomamos a mais precisa, isto é, em que não houve nenhuma abstenção). A coligação adquire contornos de maior relevo e torna-se mais sólida(3): os iskristas da minoria estão já todos do lado de Akímov e Líber; dos iskristas da maioria estão muito poucos, o que compensa os três delegados do "centro" e um anti-iskrisra que passaram para o nosso lado. Basta um simples olhar para o diagrama para ver quais os elementos que, por acaso e temporariamente, passavam ora por um lado, ora para outro, e quais os que caminhavam irresistivelmente para uma sólida coligação com os Akímov. Na última votação (E - eleições para o OC, o CC e o Conselho do partido), que representa justamente a divisão definitiva em maioria e minoria, percebe-se claramente a fusão total da minoria ískrista com todo o "centro" e com os restos dos anti-iskristas. Dos oito anti-iskristas, só o camarada Brúker permanecia então no congresso (Akímov já lhe tinha explicado o seu erro e ele tinha tomado o lugar que lhe pertencia por direito nas fileiras dos martovistas). A retirada dos sete oportunistas mais "direitistas" decidiu a sorte das eleições contra Mártov. (4)

E agora, apoiando-nos em dados objetivos sobre as votações de todos os tipos, façamos o balanço do congresso.

Muito se falou do caráter "casual" da maioria no nosso congresso. Era com este único argumento que se consolava o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O diagrama mostra claramente que num sentido, mas só num, se pode qualificar a maioria de casual: no sentido de a retirada dos sete delegados mais oportunistas da "direita" ter sido pretensamente casual. Na medida em que esta retirada foi casual (mas apenas nessa medida) a nossa maioria foi também casual. Um simples olhar ao diagrama mostrará melhor do que longas dissertações de que lado estaria, deveria ter estado, esse grupo de sete(5). Mas cabe perguntar até que ponto podemos verdadeiramente considerar casual a retirada deste grupo de sete? Esta é uma questão que não gostam de pôr-se as pessoas que gostam de falar do caráter "casual" da maioria. E uma questão desagradável para eles. Será por acaso que foram os representantes mais acérrimos da ala direita do nosso partido que se retiraram, e não os da ala esquerda? Será por acaso que foram os oportunistas que se retiraram, e não os sociais-democratas revolucionários consequentes? Esta retirada "casual" não terá qualquer relação com a luta contra a ala oportunista, que se travou durante todo o congresso, e que aparece com tão grande evidência no nosso diagrama?

Basta fazer estas perguntas, tão desagradáveis para a minoria, para compreender que fato encobre este falatório sobre o caráter casual da maioria. E o fato indubitável e indiscutível de que a minoria era composta pelos membros do nosso partido mais inclinados para o oportunismo. A minoria era composta pelos elementos do partido menos estáveis no plano teórico, menos consequentes no campo dos princípios. A minoria foi formada precisamente pela ala direita do partido. A divisão em maioria e minoria é a continuação direta e inevitável da divisão da social-democracia em revolucionária e oportunista, em Montanha e Gironda, divisão que não data de ontem, que não existe só no partido operário russo, e que certamente não desaparecerá amanhã.

Este fato é de capital importância para explicar as causas e as peripécias das nossas divergências. Tentar eludir este fato, negando ou encobrindo a luta no congresso e os matizes de princípios que nela se manifestaram, é passar a si próprio um atestado de completa indigência intelectual e política. E para refutar esse fato seria necessário, em primeiro lugar, demonstrar que o quadro geral das votações e das "divisões" no nosso congresso do partido é diferente daquele que esbocei; seria necessário, em segundo lugar, demonstrar que em todas as questões nas quais o congresso se "dividiu", os sociais-democratas revolucionários mais consequentes, que na Rússia têm o nome de iskristas(6), estavam em erro quanto ao fundo. Tentai demonstrá-lo, senhores!

O fato de a minoria ser composta pelos elementos do partido mais oportunistas, menos estáveis e menos consequentes dá-nos, entre outras, a resposta às numerosas dúvidas e objeções dirigidas à maioria por pessoas que conhecem mal a questão ou não pensaram suficentemente nela. Não será mesquinho, dizem-nos, querer explicar a divergência por um pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod? Sim, senhores, o erro do camarada Mártov foi pequeno (eu próprio declarei isso no congresso, no ardor da luta); mas este pequeno erro podia causar (e causou) um grande dano, em virtude do fato de o camarada Mártov se ter deixado atrair por delegados que tinham cometido toda uma série de erros e que, a propósito duma série de questões, tinham evidenciado a sua inclinação para o oportunismo e a sua inconsequência no terreno dos princípios. Que os camaradas Mártov e Axelrod tenham revelado falta de firmeza é um fato individual e sem importância; mas não foi um fato individual, antes de partido e não de todo sem importância, a formação de uma minoria muito considerável de todos os elementos menos estáveis, de todos aqueles que não reconheciam em absoluto a tendência do Iskra e a combatiam abertamente, ou que reconhecendo-a verbalmente de fato se colocavam repetidamente ao lado dos anti-iskristas.

Não será ridículo querer explicar as divergências pelo predomínio do espírito de círculo endurecido e pelo filistinismo revolucionário no pequeno círculo da antiga redação do Iskra? Não, não é ridículo, porque em apoio desse espírito individual de círculo se levantou tudo aquilo que no nosso partido, durante todo o congresso, tinha lutado pelo espírito de círculo em todas as suas formas, tudo aquilo que em geral não pudera elevar-se acima do filistinismo revolucionário, tudo aquilo que invocava o caráter "histórico" do mal do espírito de círculo e do filistinismo para justificar e manter esse mal. Ainda se poderia talvez considerar casual o fato de estreitos interesses de círculo se terem sobreposto ao espírito de partido no pequeno círculo da redação do Iskra. Mas não é por acaso que, para defender esse espírito de círculo, se tenham levantado como um só os camaradas Akímov e Brúker, aos quais não era menos cara (talvez mais) a continuidade histórica do célebre comitê de Vorónej e da famosa "Organização Operária" de Petersburgo208. Os camaradas Egórov que choravam o "assassínio" da Rabôtchcic Dielo tão amargamente (talvez mais) como o "assassínio" da velha redação, os camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, diz a sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei qual a tua fisionomia política.

O pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod permanecia e podia permanecer pequeno enquanto não servisse de ponto de partida para uma aliança sólida entre eles e toda a ala oportunista do nosso partido, enquanto não conduzisse, em virtude desta aliança, a urna reincidência do oportunismo, á desforra de todos os que o Iskra tinha combatido, e que com imenso gozo agarravam a ocasião de poder descarregara sua cólera sobre os partidários consequentes da social-democracia revolucionária. Os acontecimentos posteriores ao congresso conduziram precisamente a que, no novo Iskra, víssemos justamente uma reincidência do oportunismo, a desforra dos Akímov e dos Brúker (ver a folha publicada pelo comitê de Vorónej(7)), o júbilo dos Martínov, aos quais foi enfim permitido (enfim!) escoicear, no odiado Iskra, o odiado "inimigo" por todos os velhos agravos, quaisquer que fossem. Isto mostra-nos com particular clareza quanto era essencial "o restabelecimento da antiga redação do Iskra" (citado do ultimato do camarada Starover datado de 3 de Novembro de 1903) para salvaguardar "a continuidade" iskrista.

Tomado em si mesmo, não havia nada de terrível, nem de crítico, nem sequer absolutamente nada de anormal, no fato de o congresso (e o partido) se terem dividido numa ala esquerda e numa direita, numa revolucionária e numa oportunista. Pelo contrário, estes últimos dez anos da história da social-democracia russa (e não só da russa) conduziram necessariamente, inelutavelmente, a esta divisão. Que uma série de erros bem pequenos cometidos pela ala direita, de divergências sem grande importância (relativamente) tenham provocado a divisão, é uma circunstância que (parecendo chocante a um observador superficial e a um espírito filistino) foi um grande passo em frente para todo o nosso partido no seu conjunto. Antes divergiamos sobre grandes questões que, por vezes, podiam até justificar uma cisão; hoje chegamos a acordo sobre todos os pontos grandes e importantes; o que nos separa agora são simplesmente certos matizes que se podem e devem discutir, mas pelos quais seria absurdo e pueril separarmo-nos (como justamente disse o camarada Plekhánov no interessante artigo intitulado O Que Se não Deve Fazer, ao qual ainda voltaremos). Agora que a conduta anarquista da minoria, depois do congresso, quase conduziu o partido à cisão, é frequente encontrar sabichões que dizem: acaso teria valido a pena em geral lutar no congresso por ninharias como o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi ou da Rabótcheie Dielo, o §1, a dissolução da antiga redação, etc.? Quem assim raciocina(8) introduz de fato o ponto de vista de círculo nos assuntos do partido: a luta de matizes no partido é inevitável e necessária enquanto não conduz à anarquia e à cisão, enquanto se desenvolve dentro dos limites aprovados, de comum acordo, por todos os camaradas e membros do partido. E a nossa luta no congresso contra a ala direita do partido, contra Akímov e Axelrod, contra Martínov e Mártov, em nada ultrapassou esses limites. Basta lembrar dois fatos que o testemunham da maneira mais incontestável: 1) quando os camaradas Martínov e Akímov estavam para se retirar do congresso, estávamos todos prontos a afastar por todos os meios a idéia de uma "ofensa", todos adotamos (por 32 votos) a resolução do camarada Trótski convidando esses camaradas a dar-se por satisfeitos com as explicações, e a retirarem a sua declaração; 2) quando chegamos à eleição dos centros, demos à minoria (ou ala oportunista) do congresso a minoria nos dois centros: Mártov no OC, Popov no CC. Não podíamos agir de outro modo, do ponto de vista de partido, visto que tínhamos decidido já antes do congresso eleger dois grupos de três. Se a diferença de matizes que se tinham manifestado no congresso não era grande, a conclusão prática que tiramos da luta desses matizes também não era grande: esta conclusão reduzia-se exclusivamente ao fato de dois terços dos dois grupos de três deverem ser atribuídos à maioria do congresso do partido.

Apenas a recusa da minoria do congresso do partido de ser minoria nos centros levou, primeiro, aos "chorosos queixumes" de intelectuais vencidos e, depois, à frase anarquista e a atos anarquistas.

Para concluir, lancemos um novo olhar ao diagrama do ponto de vista da composição dos centros. E perfeitamente natural que, além da questão dos matizes, se pusesse também aos delegados, durante as eleições, a questão da adequação, da capacidade de trabalho, etc., desta ou daquela pessoa. Agora a minoria confunde de bom grado esses problemas. Mas é evidente que são questões diferentes, como o demonstra, por exemplo, o simples fato de a eleição de um grupo de três inicial para o OC ter sido projetada ainda antes do congresso, quando ninguém podia prever a aliança de Mártov e Axelrod com Martínov e Akímov. Para perguntas diferentes deve obter-se a resposta por processos diferentes: relativamente aos matizes, deve-se procurar a resposta nas atas do congresso, nos debates públicos e na votação de todos e cada um dos pontos. A questão da adequação das pessoas, toda a gente tinha decidido no congresso que devia ser resolvida em votações secretas. Porque é que todo o congresso aprovou unanimemente tal decisão? A questão é de tal modo elementar que seria estranho que nos detivéssemos nela. No entanto, a minoria começou a esquecer (depois da sua derrota nas eleições) mesmo o á-bê-cê. Ouvimos torrentes de discursos ardentes, apaixonados, exaltados até à irresponsabilidade para defender a antiga redação, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes que no congresso estavam relacionados com a luta pelo grupo de seis e pelo grupo de três. Ouvimos falar e discursar por toda a parte sobre a incapacidade para o trabalho, a inépcia, as más intenções, etc., das pessoas eleitas para o CC, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes no congresso que se bateram pelo predomínio no CC. Parece-me que fora do congresso é indigno e indecoroso falar e discursar sobre as capacidades e atos das pessoas (porque estes atos em 99 casos em 100 constituem um segredo de organização, que só deve ser revelado à instância superior do partido). Lutar fora do congresso através de tais falatórios equivale na minha opinião a atuar por meio de mexericos. E a única resposta que eu poderia trazer a público sobre esses falatórios seria lembrar a luta no congresso: dizeis que o CC foi eleito por uma pequena maioria. Está certo. Mas esta pequena maioria era composta por todos aqueles que da maneira mais consequente, não em palavras, mas na prática, lutaram pela concretização dos planos do Iskra. A autoridade moral desta maioria deve, pois ser ainda infinitamente superior à sua autoridade formal - superior para todos aqueles que sobrepõem a continuidade da tendência do Iskra à continuidade deste ou daquele círculo do Iskra. Quem eram os mais competentes para julgar da capacidade desta ou daquela pessoa para levar à prática a política do Iskra? Aqueles que tinham aplicado esta política no congresso ou os que, em toda uma série de casos, combateram esta política e defenderam todo o tipo de atraso, todo o tipo de velharias, todo o tipo de espírito de círculo? 

o) Depois do Congresso. Dois Métodos de Luta.

A análise dos debates e votações do congresso que acabamos de traçar explica propriamente in nuce (em embrião) tudo o que se passou depois do congresso, e podemos ser breves ao assinalar as etapas seguintes na crise do nosso partido.

A recusa por Mártov e Popov das eleições criou logo uma atmosfera de querela mesquinha na luta dos matizes de partido no seio do partido. O camarada Glébov, considerando inverosímil que redactores não eleitos tivessem decidido seriamente voltar-se para Akímov e Martínov, e explicando o fato apenas por irritação, propôs-nos, a Plekhánov e a mim, no dia a seguir ao fim do congresso, acabar com isso amigavelmente, "cooptando" todos os quatro na condição de se assegurar uma representação da redação no Conselho (ou seja, que, de dois representantes, um pertencesse necessariamente à maioria do partido). Esta condição pareceu-nos razoável, a Plekhánov e a mim, porque a sua aceitação equivalia ao reconhecimento tácíto do erro cometido no congresso, significava o desejo de paz e não de guerra, o desejo de estar mais perto de Plekhánov e de mim do que de Akímov e Martínov, Egórov e Mákhov. A cedência em matéria de "cooptação" revestia-se assim de um caráter pessoal, e não valia a pena recusar uma cedência pessoal que devia acalmar a irritação e restabelecer a paz. Assim, Plekhánov e eu demos o nosso assentimento. A maioria da redação recusou esta condição. Glébov partiu. Nós esperamos as consequências: conservar-se-ia Mártov no terreno leal em que se tinha colocado (contra o representante do centro, o camarada Popov) no congresso, ou os elementos instáveis e propensos à cisão que ele seguiu levariam a melhor?

Estavamos perante o dilema seguinte: desejaria o camarada Mártov considerar a sua "coligação" no congresso como um fato político isolado (tal como a coligação de Bebel com Vollmar em 1895 - si licet parva componere magnis(9)), ou desejaria consolidar essa coligação e empregaria todos os esforços a demonstrar o erro cometido por mim e por Plekhánov no congresso tornando-se então um verdadeiro chefe da ala oportunista do nosso partido? Por outras palavras, este dilema formulava-se assim: querela a mesquinha ou luta política de partido? De nós os três, que éramos no dia a seguir ao congresso os únicos membros presentes dos organismos centrais, Glébov inclinava-se mais para a primeira solução e dedicou-se ao máximo a reconciliar os meninos zangados. O camarada Plekhánov inclinava-se antes para a segunda solução, mostrava-se por assim dizer inabordável. Quanto a mim, desta vez, representava papel de "centro" ou de "pântano" e tentava usar de persuasão. Tentar hoje reproduzir os argumuiltos verbais seria empresa desesperada e intrincada, e não seguirei o mau exemplo do camarada Mártov nem do camarada Plekhánov. No entanto, faço questão de reproduzir aqui certas passagens de uma tentativa de persuasão escrita dirigida a um dos iskristas da "minoria".

..."A recusa de Mártov de fazer parte da redação, a sua recusa, assim como a de outros literatos do partido, a colaborar, a recusa de várias outras pessoas a trabalhar para o CC, a propaganda da idéia de boicote ou de resistência passiva, tudo isso conduzirá inevitavelmente, mesmo contra a es vontade de Mártov e dos seus amigos, a uma cisão no partido. Ainda que Mártov se mantenha no plano da lealdade (no qual se colocou tão decididamente no congresso), os outros não se manterão nele, e o fim que indiquei será inevitável ...

"E assim pergunto-me agora: por que razão, ao certo, temos de separar-nos? ... Revejo todos os acontecimentos e todas as impressões do congresso e reconheço que muitas vezes agi e me comportei dominado por uma extrema irritação, "freneticamente"; de boa vontade estou pronto a reconhecer o meu erro perante quem quer que seja, se erro se pode chamar ao que foi naturalmente suscitado pela atmosfera, a reação, a réplica, a luta, etc. Mas, encarando hoje sem nenhum frenesi os resultados obtidos, o que se realizou nessa luta frenética, decididamente não posso ver nesses resultados nada, absolutamente nada, de prejudicial ao partido, nem absolutamente nenhuma afronta ou ofensa à minoria.

"Claro, o que não podia deixar de causar-me pena era o fato de ficar em minoria, mas protesto categoricamente contra a idéia de que teríamos "manchado a honra" de quem quer que seja, teríamos querido ofender ou humilhar quem quer que seja. Nada disso. E não se pode tolerar que uma divergência política leve a interpretar os fatos acusando a outra parte de má fé, vilania, intrigas e outras coisas simpáticas de que cada vez mais se ouve falar numa atmosfera de cisão que se avizinha. Não se pode tolerar isto, porque isso seria, pelo menos, o nec plus ultra(10) da irracionalidade.

Estou em desacordo com Mártov no terreno político (e no da organização) como já o tinha estado antes dezenas de vezes. Batido na questão do § 1 dos estatutos, eu não podia deixar de procurar com o máximo empenho uma desforra nos problemas que restavam para mim (e também para o congresso). Não podia impedir-me de aspirar, por um lado, a um CC rigorosamente iskrista, e, por outro, a um grupo de três na redação ... Considero este grupo de três o único capaz de ser um organismo de funcionários e não um organismo de direção baseado no espírito de família e de negligência, o único centro autêntico onde cada um pode levar e defender sempre o seu ponto de vista de partido, nada mais, e irrespective" de tudo o que seja pessoal, de qualquer idéia de ofensa, de retirada, etc.

"Este grupo de três, depois dos acontecimentos no congresso, legitimava indubitavelmente uma linha política e de organização em certo sentido dirigida contra Mártov. Isto sem qualquer dúvida. Provocar uma ruptura por isso? Cindir o partido por isso?? Mas não estiveram contra mim Mártov e Plekhánov na questão das manifestações? Não estivemos, Mártov e eu, contra Plekhánov na questão do programa? Não volta qualquer grupo de três sempre um dos lados contra um dos seus membros? Se a maioria dos iskristas tanto na organização do Iskra como no congresso julgou errado este matiz particular da linha de Mártov, no terreno político e de organização, não serão de fato loucas as tentativas de querer explicar isso por "maquinações" e "incitamentos", etc.? Não seria louco furtar-se a este fato insultando a maioria da "gentalha"?(11)

"Repito: tal como a maioria dos iskristas no congresso, tenho a convicção profunda de que Mártov seguiu uma linha falsa e que era necessário corrigi-lo. Considerar-se ofendido com esta correção, deduzir dela um insulto, etc., é insensato. Nós em nada "manchamos a honra?", não "manchamos a honra" de ninguém, e não afastamos ninguém do trabalho. Mas provocar uma cisão porque se é afastado de um centro seria uma loucura, para mim incompreensível.(12)

Considerei necessário reproduzir agora estas declarações minhas, feitas por escrito, porque mostram exatamente a vontade da maioria de traçar de uma vez uma linha divisória precisa entre, por um lado, as possíveis (e inevitáveis numa luta acalorada) ofensas pessoais, a irritação pessoal devida à violência e ao "frenesi" dos ataques, etc., e, por outro, determinado erro político, determinada linha política (a coligação com a ala direita).

Estas declarações mostram que a resistência passiva da minoria tinha começado imediatamente a seguir ao congresso e provocou logo da nossa parte a advertência de que isso era um passo para a cisão do partido, que isso contradizia manifestamente as declarações de lealdade feitas no congresso e que dela resultaria uma cisão devida unicamente à exclusão de alguém dos organismos centrais (isto é, em consequência de uma não eleição), porque nunca ninguém pensou sequer em afastar do trabalho nenhum membro do partido; que a divergência política entre nós (inevitável, enquanto não estiver esclarecida e resolvida a questão de qual foi no congresso a linha errada: a de Mártov ou a nossa) cada vez mais começa a degenerar em querela mesquinha, com injúrias, suspeitas, etc., etc.

As advertências não serviram de nada. A conduta da minoria mostrava que os seus elementos menos estáveis e que menos estimam o partido se impunham nela. Isso obrigou-nos, a Plekhánov e a mim, a retirar o nosso assentimento à proposta de Glébov: com efeito, se pelos seus atos a minoria dava provas de instabilidade política, não só no domínio dos princípios, mas também no da mais elementar lealdade ao partido, que importância podiam ter as palavras sobre a famosa "continuidade"? Ninguém como Plekhánov ridicularizou com tanto espírito todo o absurdo de exigir a "cooptação" para a redação do órgão do partido de uma maioria de pessoas que proclamavam abertamente as suas novas e crescentes divergências! Em que parte do mundo já se viu a maioria de um partido nos organismos centrais transformar-se ela mesma em minoria, antes de ter esclarecido na imprensa, perante o partido, as novas divergências? Que se exponham antes as divergências, que o partido examine a sua profundidade e significado, que o partido corrija ele próprio o erro que cometeu no segundo congresso, se se demonstra que houve algum erro! O simples fato de formular este pedido em nome de divergências ainda desconhecidas revelava a total instabilidade dos que o faziam, o total esmagamento das divergências políticas pelo peso das querelas mesquinhas, o total desrespeito para com todo o partido e as suas próprias convicções. Não houve ainda, nem haverá nunca no mundo, pessoas de convicções de princípios que renunciem a convencer antes de obter (por via privada) a maioria no organismo que se propõem convencer.

Enfim, a 4 de Outubro o camarada Plekhánov declara querer fazer uma última tentativa para acabar com este absurdo. Reúnem-se os seis membros da antiga redação na presença de um novo membro do CC(13). Durante três horas inteiras, o camarada Plekhánov empenha-se em demonstrar o absurdo de querer exigir a "cooptação" de quatro da "minoria" por dois da "maioria". Ele propõe a cooptação de dois, para afastar, por um lado, qualquer receio de que queiramos "atropelar", esmagar, rejeitar, executar e enterrar alguém e, por outro lado, para proteger os direitos e a posição da "maioria" do partido. A cooptação de dois é igualmente rejeitada.

A 6 de Outubro Plekhánov e eu escrevemos uma carta oficial a todos os antigos redatores do Iskra e ao colaborador, camarada Trótski, nestes termos:

"Estimados camaradas! A redação do OC considera-se no dever de exprimir oficialmente quanto lamenta o vosso afastamento da colaboração no Iskra e na Zariá. Apesar dos repetidos convites a colaborar que fizemos logo depois do segundo congresso do partido e que repetimos mais de uma vez posteriormente, não recebemos nenhum trabalho vosso. A redação do OC declara julgar não ter feito nada que tenha provocado a vossa recusa de colaboração. Nenhuma irritação pessoal deve, naturalmente, ser obstáculo ao trabalho no Órgão Central do partido. Mas se o vosso afastamento foi provocado por esta ou aquela divergência de pontos de vista entre vós e nós, julgaríamos de extraordinária utilidade para o partido que essas divergências fossem expostas circunstanciadamente. Mais ainda: consideraríamos desejável que o caráter e a profundidade dessas divergências fossem elucidados o mais rapidamente possível perante todo o partido nas páginas das publicações que editamos."(14)

Como o leitor vê, ainda não nos apercebíamos claramente se era uma irritação pessoal que predominava nos atos da "minoria", ou se era o desejo de dar ao órgão (e ao partido) um rumo novo, qual e em que sentido. Penso que se mesmo agora se encarregasse 70 exegetas de proceder à clarificação deste problema, com base na literatura e testemunhos que se quiser, também eles não conseguiriam nunca desembaraçar-se nesta confusão. Muito poucas vezes se pode esclarecer uma querela mesquinha: deve-se cortá-la pelo são ou  afastar-se(15).

À carta de 6 de Outubro, Axelrod, Zassúlitch, Starover, Trótski e Koltsov responderam-nos em breves linhas dizendo que os abaixo assinados não participavam no Iskra desde que ele tinha passado para as mãos da nova redação. O camarada Mártov foi mais explícito e honrou-nos com a seguinte resposta:

"À redação do OC do POSDR. Estimados camaradas! Em resposta à vossa carta de 6 de Outubro, declaro o seguinte: Considero que todas as nossas explicações sobre trabalho em comum num mesmo órgão terminaram depois da reunião realizada a 4 de Outubro, na presença de um membro do CC, na qual vos recusastes a responder à pergunta sobre as razões por que retirastes a proposta que havíeis feito no sentido de que Axelrod, Zassólitch, Starover e eu entrássemos para a redação, com a condição de nos comprometermos a eleger o camarada Lénine nosso "representante" no Conselho. Depois de na referida reunião terdes fugido repetidas vezes a formular as vossas próprias declarações, que tínheis feito na presença de testemunhas, não acho necessário explicar numa carta dirigida a vós os motivos da minha recusa de trabalhar no lskra nas atuais condições. Se for necessário, pronunciar-me-ei sobre isso pormenorizadamente perante todo o partido, que já saberá pelas atas do segundo congresso a razão por que rejeitei a proposta, que hoje renovais, de ocupar um lugar na redação e no Conselho ..." (16)

L. Mártov

  Esta carta, juntamente com os documentos anteriores, explica irrefutavelmente a questão do boicote, da desorganização, da anarquia e dos preparativos da cisão, questão que o camarada Mártov evita com tanto zelo (com pontos de exclamação e reticências) no seu Estado de Sítio: questão sobre os meios de luta leais e desleais.

Oferece-se ao camarada Mártov e aos outros que exponham as divergências, pede-se-lhes que digam francamente do que se trata e quais as suas intenções, exortam-se a acabar os seus caprichos e a analisar tranquilamente o erro relativo ao § 1 (erro indissoluvelmente ligado à viragem para a direita), e o camarada Mártov e C.ª recusam-se a falar e gritam: cercam-nos, atropelam-nos! O sarcasmo de que foi objeto a "palavra terríveis" não arrefeceu o ardor destas cômicas lamentações.

Como se pode cercar quem se recusa a trabalhar em comum? perguntamos ao camarada Mártov. Como se pode ofender, "atropelar" e oprimir uma minoria que se recusa a ser minoria?? Porque estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens para quem fica em minoria. Estas desvantagens consistem ou na necessidade de fazer parte de um organismo de direção no qual a maioria se imporá em certas questões, ou na de permanecer fora do organismo, atacando-o e, por conseguinte, expondo-se ao fogo de baterias bem fortificadas.

Nos seus gritos sobre o "estado de sítios", o camarada Mártov queria dizer que se lutava de modo injusto e desleal contra os que ficaram em minoria, ou que eram dirigidos por nós de modo injusto e desleal? Só uma tese semelhante podia ter (aos olhos de Mártov) um mínimo de razão, porque, repito, estar em minoria implica necessária e inevitavelmente certas desvantagens. Mas o cômico está precisamente em que não se podia de maneira nenhuma lutar contra o camarada Mártov enquanto ele se recusasse a falar! Não se podia de maneira nenhuma dirigir a minoria enquanto ela se recusasse a ser minoria!

O camarada Márrov não pôde citar um único caso de excesso ou de abuso de poder da parte da redação do OC quando Plekhánov e eu dela fazíamos parte. Os militantes práticos da minoria também não puderam citar um único caso deste género da parte do Comitê Central. Por mais voltas que dê agora o camarada Mártov no seu Estado de Sítio, é inteiramente incontroverso que não havia absolutamente nada, a não ser "chorosos queixumes", nas lamentações sobre o estado de sítio.
A total carência de argumentos razoáveis por parte do camarada Mártov e C.ª contra a redação designada pelo congresso é ilustrada melhor que por qualquer outra coisa pela palavrinha: "nós não somos servos!"(Estado de sítio, p. 34). A psicologia do intelectual burguês que se considera entre os "espíritos de elite", colocados acima da organização de massas e da disciplina de massas, surge aqui com notável clareza. Explicar a recusa de trabalhar no partido dizendo "nós não somos servos" é descobrir-se inteiramente, é reconhecer uma completa carência de argumentos, uma incapacidade absoluta para dar explicações, uma ausência total de motivos justificados de descontentamento. Plekhánov e eu declaramos considerar que da nossa parte nada provocou a recusa, pedimos para expor as divergências, e respondem-nos: "nós não somos servos< (acrescentando: ainda não chegamos a um acordo quanto à cooptação).

Toda a organização e disciplina proletárias parecem servidão ao individualismo próprio de intelectuais, que já se tinha manifestado nas discussões §1, mostrando a sua inclinação para os raciocínios oportunistas e a fraseologia anarquista. O público leitor em breve saberá que também o novo congresso do partido parece a estes "membros do partido" e a estes "funcionários" do partido uma instituição feudal, terrível e intolerável para os "espíritos de elite" ... De fato, esta "instituição" é terrível para os que querem aproveitar-se do título de membros do partido, mas que se dão conta de que este título não corresponde aos interesses do partido e à vontade do partido.

As resoluções dos comitês, que enumerei na minha carta à redação do novo Iskra, e que o camarada Mártov reproduziu no seu Estado de Sítio, demonstram de fato que a conduta da minoria foi uma insubmissão constante às decisões do congresso, uma desorganização do trabalho prático positivo. A minoria, formada pelos oportunistas e pessoas que odiavam o Iskra, destroçava o partido, arruinava e desorganizava o trabalho, no seu desejo de se vingar da derrota no congresso, tendo-se apercebido de que por meios honestos e leais (explicando as coisas na imprensa ou perante o congresso) não conseguiria nunca refutar a acusação de oportunismo e de inconsequência própria de intelectuais que lhe fora lançada no segundo congresso. Conscientes da sua impotência para convencer o partido, agiam desorganizando o partido e entravando todo o trabalho. Foram censurados por terem provocado (embrulhando as coisas no congresso) uma fenda no nosso vaso; eles replicavam a esta censura procurando com todas as suas forças quebrar completamente o vaso rachado.

As idéias baralharam-se de tal modo que o boicote e a recusa de trabalhar eram proclamados "meios honestos"9 de luta. Agora o camarada Mártov não cessa de andará volta deste ponto delicado. O camarada Mártov é de tal modo um "homem de princípios" que defende o boicote ... quando este é praticado pela minoria, e condena o boicote quando ele ameaça o próprio Mártov, quando acontece que ele se encontra na maioria!

Penso que se pode deixar sem exame a questão de saber se se trata aqui de uma querela mesquinha ou de uma "divergência de princípio" sobre os meios de luta honestos no partido operário social-democrata.

Depois das tentativas goradas (de 4 e 6 de Outubro) para obter uma explicação dos camaradas que tinham levantado problemas sobre a "cooptação", só restava aos organismos centrais ver qual seria na pratica a luta leal que eles tinham prometido em palavras. A 10 de Outubro, o CC envia uma circular à Liga (ver as atas da Liga, pp. 3-5) informando que está a elaborar os estatutos e convidando os membros da Liga a prestarem a sua colaboração. O congresso da Liga foi então rejeitado pela administração desta (dois votos contra um, cf. ibid., p. 20). As respostas dadas a esta circular pelos partidários da minoria mostraram logo que a famosa lealdade e reconhecimento das decisões do congresso eram apenas frases, que na realidade a minoria tinha decidido terminantemente não se submeter aos organismos centrais do partido, respondendo aos seus apelos para o trabalho em comum com evasivas cheias de sofismas e frases anarquistas. À famosa carta aberta de Deutsch, um dos membros da administração (p. 10.), nós respondemos, Plekhánov e eu, assim como os outros partidários da maioria, com um enérgico "protesto contra as grosseiras infrações da disciplina de partido, pelas quais um funcionário da Liga toma a liberdade de entravar o trabalho de organização de um organismo do partido e convida outros camaradas a infrações semelhantes à disciplina e aos estatutos. Frases como "não me julgo no direito de participar em tal trabalho a pedido do CC" ou "camaradas, nós não devemos de modo nenhum confiar-lhe (ao CC) a tarefa da elaboração de novos estatutos para a Liga", etc., são métodos de agitação que apenas podem suscitar a indignação de qualquer pessoa que compreenda minimamente as noções de partido, de organização, de disciplina de partido. Métodos deste gênero são tanto mais revoltantes quanto são usados para com um organismo do partido que acaba de ser criado e constituem, portanto, uma tentativa indubitável para o privar da confiança dos camaradas do partido; além disso, são postos em circulação sob o nome de um membro da administração da Liga e nas costas do CC" (p. 17).(17)

O congresso da Liga, nestas condições, prometia não ser mais do que um escândalo.

O camarada Mártov prosseguiu desde o princípio a táctica que tinha aplicado no congresso de "introduzir-se na consciência alheia", desta vez na do camarada Plekhánov, desvirtuando conversas privadas. O camarada Plekhánov protestou, e o camarada Mártov viu-se obrigado a retirar (pp. 39 e 134 das atas da Liga) as palavras de censura pronunciadas levianamente ou por irritação.

Chega o momento do relatório. Era eu que tinha sido o delegado da Liga ao congresso do partido. Um simples olhar ao resumo do meu relatório (pp. 43 e seguintes)(18) mostrará ao leitor que apresentei um esboço da mesma análise das votações no congresso, análise que, de forma pormenorizada, constitui o conteúdo também da presente brochura. O centro de gravidade deste relatório era a demonstração de como Mártov e C.ª, em consequência dos erros que tinham cometido, acabaram por ficar na ala oportunista do nosso partido. Embora o relatório tenha sido feito perante uma maioria dos mais furiosos adversários, eles nada puderam descobrir nele que se afastasse dos processos leais de luta e polêmica de partido.

O relatório de Mártov, pelo contrário, à parte pequenas "emendas" de pormenor à minha exposição (mostramos anteriormente a inexatidão dessas emendas), era ... como que um produto de nervos doentes.

Não é de espantar que a maioria se recusasse a continuar a luta em tal atmosfera. O camarada Plekhánov protestou contra a cena (p. 68) - era de fato uma verdadeira "cena"! - e retirou-se do congresso, não querendo expor as objeções que já tinha preparado quanto ao conteúdo do relatório. Quase todos os outros partidários da maioria se retiraram também do congresso depois de terem apresentado um protesto escrito contra a "conduta indigna" do camarada Mártov (p. 75 das atas da Liga).

Os métodos de luta da minoria manifestaram-se aos olhos de todos com inteira evidência. Nós acusávamos a minoria de ter cometido um erro político no congresso, de se ter efetuado uma viragem para o oportunismo, de ter coligado com os bundistas, os Akímov, os Brúker, os Egórov e os Mákhov. A minoria tinha sofrido uma derrota no congresso e "elaborou" então dois métodos de luta que englobavam toda uma variedade infinita de sortidas, ataques, agressões, etc.

Primeiro método: desorganizar todo o trabalho do partido, estragá-lo, procurar entravar tudo "sem explicar as razões".

Segundo método: fazer "cenas", etc., etc.(19)

Este "segundo método de luta" aparece também nas famosas resoluções "de princípio" da Liga, na análise das quais a "maioria", claro está, não participou. Vejamos mais de perto essas resoluções que o camarada Mártov reproduziu agora no seu Estado de Sítio.

A primeira resolução, assinada pelos camaradas Trótski, Fomine, Deutsch e outros, contém duas teses dirigidas contra a "maioria" do congresso do partido: 1) "A Liga exprime o seu profundo pesar pelo fato de que, em consequência das tendências que se manifestaram no congresso e que no fundo são contrárias à política anterior do Iskra, se não tenha prestado uma atenção devida, ao elaborar os estatutos do partido, à criação das garantias suficientes para assegurar a independência e autoridade do CC" (p. 83 das atas da Liga).

Esta tese "de princípio" reduz-se, segundo já vimos, a uma frase akimovista, cujo caráter oportunista foi denunciado no congresso do partido até pelo camarada Popov! No fundo, as afirmações de que a "maioria" não pensava em salvaguardar a independência e a autoridade do CC nunca foram mais do que mexericos. Basta dizer que, quando Plekhánov e eu fazíamos parte da redação, o OC não tinha no Conselho predomínio sobre o CC, ao passo que quando os martovistas entraram para a redação surgiu no Conselho um predomínio do OC sobre o CC! Quando nós estávamos na redação os militantes práticos que trabalhavam na Rússia predominavam no Conselho sobre os literatos residentes no estrangeiro; com os martovistas aconteceu o contrário. Quando nós estávamos na redação o Conselho não tentou uma única vez intervir em nenhuma questão prática; depois da cooptação por unanimidade esta intervenção começou, como o leitor poderá ver em pormenor dentro em pouco.

Tese seguinte da resolução que estamos a examinar: "... o congresso, ao constituir os centros oficiais do partido, não teve em conta a necessidade de manter a continuidade com os centros já formados de fato..."

Esta tese reduz-se inteiramente à questão da composição pessoal dos centros. A "minoria" preferiu eludir o fato de que os velhos centros tinham mostrado no congresso a sua incapacidade e cometido numerosos erros. Mas o mais cômico é a referência à "continuidade" relativamente ao Comitê de Organização. No congresso, como vimos, ninguém disse uma só palavra acerca da confirmação de todos os membros do CO. Mártov, num acesso de exaltação, proferiu até exaltados gritos no congresso sobre a vergonha que para ele representava figurar numa lista com três membros do CO. No congresso a "minoria" apresentou a sua última lista com um membro do CO (Popov, Glébov ou Fomine e Trótski), enquanto a "maioria" fez triunfar uma lista com dois membros do CO em três (Travínski, Vassíliev e Glébov). Cabe perguntar: será que esta referência à "continuidade" pode ser considerada uma "divergência de princípio"?

Passemos à outra resolução assinada por quatro membros da velha redação, com o camarada Axelrod à cabeça. Encontramos nela todas as principais acusações contra a "maioria", depois repetidas mais de uma vez na imprensa. A melhor maneira de as analisar é justamente na formulação que lhe deram os membros do círculo redatorial. As acusações são dirigidas contra o "sistema de direção autocrático-burocrático do partido", contra o "centralismo burocrático" que, ao contrário do "centralismo verdadeiramente social-democrata", se define do seguinte modo: "põe em primeiro plano não a unidade interna, mas a unidade externa, formal, realizada e defendida por meios puramente mecânicos, esmagando sistematicamente a iniciativa individual e a atividade social independente"; deste modo "pela sua própria essência, é incapaz de unificar organicamente os elementos constitutivos da sociedade".

De que "sociedade" falam aqui o camarada Axelrod e C.ª, só Alá o sabe. Pelos vistos o próprio camarada Axelrod não sabia muito bem se redigia uma mensagem de um zemstvo sobre as reformas desejáveis na administração ou se expunha as lamentações da "minoria". Que pode significar isso da "autocracia" no partido, sobre a qual gritam os "redatores" descontentes? A autocracia é o poder supremo, incontrolado, irresponsável e não eletivo de uma única pessoa. Pelas publicações da "minoria" sabe-se perfeitamente que sou eu que sou considerado o autocrata, e mais ninguém. Quando se redigiu e adotou a resolução que estamos a examinar eu estava no OC juntamente com Plekhánov. Por conseguinte, o camarada Axelrod e C.ª exprimem a sua convicção de que Plekhánov e todos os membros do CC "dirigiam o partido", não segundo os seus pontos de vista sobre o bem da causa, mas segundo a vontade do autocrata Lénine. A acusação de direção autocrática leva necessária e inevitavelmente a considerar todos os outros membros da direção, exceto o autocrata, como simples instrumentos em mãos alheias, como piões, executores da vontade de outrem. E nós perguntamos mais e mais uma vez: será esta de fato a "divergência de princípio" do respeitabilíssimo camarada Axelrod?

Prossigamos. De que unidade externa, formal, falam aqui os nossos "membros do partido" que acabavam de chegar do congresso do partido, cujas decisões reconheceram solenemente como legítimas? Conhecerão algum outro meio de conseguir a unidade num partido organizado em bases mais ou menos sólidas a não ser o congresso? Se sim, porque não têm a coragem de dizer claramente que já não consideram o segundo congresso um congresso legitimo? Porque não tentam expor-nos as suas novas idéias e os novos meios de conseguir a unidade num pretenso partido, pretensamente organizado?

Prossigamos. De que "esmagamento da iniciativa individual" falam os nossos intelectuais-individualistas, que o OC do partido acabava de exortar a expor as suas divergências e que, em vez disso, se puseram a regatear sobre a "cooptação"? E como, em geral, podíamos, Plekhánov e eu, ou o CC, esmagar a iniciativa e atividade independente de pessoas que se recusavam a qualquer "atividade" conosco? Como se pode "esmagar" alguém numa instituição ou organismo, no qual o esmagado se recusou a participar? Como é que os redatores não eleitos podem queixar-se do "sistema de direção", quando se recusaram a "ser dirigidos"? Não pudemos cometer nenhum erro ao dirigir os nossos camaradas, pela simples razão de que estes camaradas não trabalharam em absoluto sob a nossa direção.

Parece evidente que os gritos a propósito do famoso burocratismo são apenas um meio de dissimular o descontentamento com a composição pessoal dos centros; são apenas uma parra destinada a ocultar a infração à palavra solenemente dada no congresso. Es um burocrata, porque foste designado pelo congresso não de acordo com a minha vontade, mas contra ela; és um formalista, porque te apóias nas decisões formais do congresso e não no meu consentimento; ages de modo grosseiramente mecânico, porque invocas a maioria "mecânica" do congresso do partido, e não tens em conta o meu desejo de ser cooptado; és um autocrata, porque não queres pôr o poder nas mãos da velha panelinha, que defende a sua "continuidade" de espírito de círculo com tanta mais energia quanto lhes desagrada a desaprovação direta desse mesmo espírito de circulo pelo congresso.

Estes gritos sobre o burocratismo não têm nem nunca tiveram nenhum conteúdo real senão aquele que acabamos de indicar(20). E precisamente este método de luta demonstra uma vez mais a instabilidade própria de intelectuais da minoria. Ela queria convencer o partido de que os centros tinham sido mal escolhidos. Convencer, mas como? Criticando o Iskra, que eu e Plekhánov tínhamos dirigido? Não, não tinham a força para o fazer. Queriam convencer pela recusa de um sector do partido de trabalhar sob a direção dos odiados centros. Mas nenhum organismo central de nenhum partido do mundo poderá demonstrar a sua capacidade de dirigir pessoas que se recusam a submeter-se à sua direção. A recusa de submeter-se à direção dos centros equivale à recusa de continuar no partido, equivale à destruição do partido, não é uma medida de persuasão, mas uma medida de destruição. E precisamente esta substituição da persuasão pela destruição demonstra falta de firmeza de princípios, falta de fé nas idéias próprias.

Fala-se de burocratismo. O burocratismo pode traduzir-se em russo pela palavra "localismo". O burocratismo significa a submissão dos interesses da causa aos interesses da carreira, significa prestar uma atenção constante aos cargos e ignorar o trabalho; bater-se pela cooptação em vez de lutar pelas idéias. Tal burocratismo, de fato, é sem dúvida indesejável e prejudicial ao partido, e tranquilamente deixo ao leitor o cuidado de julgar qual dos dois lados atualmente em luta no nosso partido enferma desse burocratismo ... Fala-se de processos de conseguir a unidade grosseiramente mecânicos. Sem dúvida, os processos grosseiramente mecânicos são prejudiciais, mas torno a deixar ao leitor o cuidado de julgar se se pode imaginar um processo mais grosseiro e mecânico de luta entre a nova tendência e a velha que a introdução de pessoas nos organismos do partido antes de se ter convencido o partido da justeza das novas concepções, antes de se ter exposto ao partido essas concepções.

Mas talvez as palavrinhas preferidas da minoria tenham um certo significado de princípio, exprimam certo grupo especial de idéias, independentemente do motivo insignificante e particular que indubitavelmente serviu neste caso de ponto de partida para a "viragem"? Talvez, abstraindo da briga pela "cooptação", essas palavrinhas sejam contudo reflexo de um sistema de concepções diferente?

Examinemos a questão sob este aspecto. Antes de mais, deveremos observar que o primeiro a tentar este exame foi o camarada Plekhánov, que na Liga assinalou a viragem operada na minoria para o anarquismo e o oportunismo, e que precisamente o camarada Mártov (que se mostra agora muito ofendido porque nem todos querem reconhecer que a sua posição é uma posição de princípio(21)) preferiu ignorar totalmente este incidente no seu Estado de Sítio.

No congresso da Liga levantou-se a questão geral de saber se seriam válidos ou não os estatutos que a Liga ou um comitê elaborem para si próprios sem a confirmação do CC ou contra a sua confirmação. Nada mais evidente, poderia parecer: os estatutos são uma expressão formal de organização, e o direito de organizar comitês é expressamente reservado ao CC pelo § seis dos estatutos do nosso partido; os estatutos fixam os limites da autonomia do comitê, e o voto decisivo na fixação desses limites pertence ao organismo central e não ao organismo local do partido. Isto é o á-bê-ce, e é pura infantilidade afirmar com ar sábio que "organizar" nem sempre implica a idéia de "confirmar estatutos" (como se a própria Liga não tivesse exprimido com toda a independência o seu desejo de ser organizada com base em estatutos formais). Mas o camarada Mártov até esqueceu (temporariamente, esperemos) o á-bê-cê da social-democracia. Na sua opinião, exigir a confirmação dos estatutos significa apenas "substituir o anterior centralismo revolucionário iskrista pelo centralismo burocrático" (p. 95 das atas da Liga); e o camarada Mártov declara no mesmo discurso que é precisamente nisto que ele vê o "aspecto de princípio" das coisas (p. 96), aspecto de princípio que preferiu contornar no seu Estado de Sítio!

O camarada Plekhánov responde imediatamente a Mártov, pedindo-lhe que se abstenha de expressões "atentatórias da dignidade do congresso", expressões como burocratismo, pompadurismo, etc. (p. 96). Segue-se uma troca de observações com o camarada Mártov, para quem essas expressões encerram "uma caracterização de princípio de determinada tendência". O camarada Plekhánov, como de resto todos os partidários da maioria, considerava então essas expressões no seu significado concreto, percebendo claramente o seu sentido não de princípio, mas exclusivamente "cooptacionista", se se me permite usar esta expressão. No entanto, cede à insistência dos Mártov e dos Deutsch (pp. 96-97) e passa a analisar do ponto de vista dos princípios pretensas concepções de princípio. "Se assim fosse -diz (isto é, se os comitês tivessem autonomia para criar a sua própria organização, para elaborar os seus estatutos) -, seriam autônomos relativamente ao todo, relativamente ao partido. Isto já não é um ponto de vista bundista, mas simplesmente anarquista. Com efeito, os anarquistas raciocinam assim: os direitos do indivíduo são ilimitados; podem entrar em conflito; cada individuo define ele próprio os limites dos seus direitos. Os limites da autonomia devem ser fixados não pelo próprio grupo, mas pelo todo de que esse grupo faz parte. O Bund oferece um exemplo flagrante da violação deste princípio. Por consequência, os limites da autonomia são fixados ou pelo congresso ou pelo organismo superior que o congresso tenha criado. O poder do organismo central deve assentar na sua autoridade moral e intelectual. Com este ponto estou de acordo, bem entendido. Qualquer representante de uma organização deve velar para que ela tenha autoridade moral. Mas não se deduza disto que, se a autoridade é necessária, o poder não o seja ... Opor a autoridade do poder à autoridade das idéias é uma frase anarquista que não deve ter lugar aqui" (98). Estas teses são o mais elementares possível, são verdadeiros axiomas que até seria estranho pôr à votação (p. 102) e que só foram postos em dúvida porque "no momento atual as noções se baralharam" (ibid.) Mas o individualismo próprio de intelectuais conduziu inevitavelmente a minoria ao desejo de fazer fracassar o congresso, a não se submeter à maioria; era impossível justificar este desejo, a não ser com frases anarquistas. E sumamente curioso que a minoria não pudesse replicar nada a Plekhánov, a não ser lamentações por ele usar expressões demasiado fortes como oportunismo, anarquismo, etc. Plekhánov, muito justamente, pôs a ridículo estas lamentações, perguntando porque é que não é conveniente empregar jauressismo e anarquismo, enquanto o emprego de lêse-majesté (lesa-majestade) e de pompadurismo é conveniente". Não houve resposta a estas perguntas. Este qui pro quo(22) original acontece constantemente com os camaradas Mártov, Axelrod e C.a: as suas novas palavrinhas têm uma marca evidente de ressentimento; ofendem-se quando se lhes aponta isto - somos pessoas de princípios; mas se por princípio recusais a submissão da parte ao todo, sois anarquistas, diz-se-lhes. Nova ofensa com uma expressão forte! Por outras palavras: querem bater-se com Plekhánov, mas com a condição de este não os atacar a sério! 

Quantas vezes o camarada Mártov e vários outros "mencheviques" de toda a espécie se empenharam, de maneira não menos pueril, em imputar-me a "contradição" seguinte. Extraem uma citação de Que Fazer? ou da Carta aUm Camarada, em que se fala da ação ideológica, luta pela influência, etc.,  e opõem-lhe o método "burocrático" da ação por meio dos estatutos, a tendência "autocrática" para se apoiar no poder, etc. Gente ingénua! Já esqueceram que antes o nosso partido não era um todo formalmente organizado, mas apenas uma soma de grupos particulares, pelo que entre esses grupos não podia haver outras ligações senão a ação ideológica. Agorasomos um partido organizado; e isto implica a criação de um poder, a transformação da autoridade das idéias em autoridade do poder, a subordinação das instâncias inferiores às instâncias superiores do partido. Verdadeiramente, chega a ser desagradável repisar a velhos camaradas o á-bê-cê, sobretudo quando nos damos conta de que tudo se reduz simplesmente à recusa da minoria a submeter-se à maioria quanto às eleições! Mas do ponto de vista de princípios, todas estas intermináveis tentativas para me imputar contradições se reduzem inteiramente a frases anarquistas. Ao novo Iskra  não desagrada beneficiar do título e dos direitos de organismo do partido,  mas não quer submeter-se à maioria do partido.

Se as frases sobre o burocratismo contêm algum princípio, se não são uma negação anarquista do dever da parte de se submeter ao todo, estamos em presença do princípio do oportunismo que pretende diminuir a responsabilidade de certos intelectuais perante o partido do proletariado, enfraquecer a influência dos organismos centrais, reforçar a autonomia dos elementos menos firmes do partido, reduzir as relações de organização ao seu reconhecimento meramente platônico, em palavras. Vimo-lo no congresso do partido, em que os Akímov e os Líber pronunciavam sobre o "monstruoso" centralismo exatamente os mesmos discursos que os que saíram em torrentes da boca de Mártov e C.ª no congresso da Liga. Que o oportunismo, não por acaso mas pela sua própria natureza, e não só na

Rússia como no mundo inteiro, conduz ao "ponto de vista" martovista e axelrodista no terreno da organização, vê-lo-emos a seguir, ao examinar o artigo do camarada Axelrod no novo Iskra.

p) Pequenas Contrariedades Não Devem Prejudicar um Grande Prazer

A rejeição pela Liga da resolução sobre a necessidade da confirmação dos seus estatutos pelo CC (p. 105 das atas da Liga) era, como toda a maioria do congresso observou imediatamente, "uma violação gritante dos estatutos do partido". Tal violação, se a considerarmos um ato cometido por homens de princípios, era puro anarquismo; mas na atmosfera da luta que se travou depois do congresso, ela dava inevitavelmente a impressão de um "ajuste de contas" da minoria do partido com a maioria do partido (p. 112 das atas da Liga); ela significava a recusa de submissão ao partido e de permanecer no partido. A recusa da Liga de adotar uma resolução relativa à declaração do CC sobre a necessidade de modificar os estatutos (pp. 124-125) teve como consequência inevitável que se declarasse ilegítima uma reunião que queria ser considerada como reunião de uma organização do partido, embora reusasse submeter-se ao organismo central do partido. Os adeptos da maioria abandonaram imediatamente esta pretensa reunião de partido para não tomar parte numa comédia indigna.

O individualismo próprio de intelectuais, com o seu reconhecimento platônico das relações de organização, que se tinha já revelado nas hesitações sobre a questão do § 1 dos estatutos, chegava deste modo na prática ao fim lógico, que eu previra já em Setembro, ou seja, com mês e meio de antecipação: a destruição da organização do partido. E naquele momento, na noite do mesmo dia em que terminou o congresso da Liga, o camarada Plekhánov declarou aos seus colegas dos dois organismos centrais do partido que não tinha coragem de "disparar contra os seus", que "era preferível dar um tiro na cabeça do que ir para a cisão", que era necessário, para evitar um mal maior, fazer o máximo de cedências pessoais, à volta das quais, propriamente falando (bem mais que à volta dos princípios que se tinham manifestado na falsa posição sobre o §1), prossegue esta luta encarniçada. Para caracterizar com maior exatidão esta viragem efetuada pelo camarada Plekhánov, e que teve uma certa projeção em todo o partido, considero mais conveniente apoiar-me, não em conversas privadas ou cartas privadas (este recurso deve usar-se apenas em última instância), mas na própria exposição do assunto que faz o próprio Plekhánov a todo o partido no seu artigo O Que não Se Deve Fazer do n.0 52 do Iskra, escrito precisamente depois do congresso da Liga, depois da minha retirada da redação do OC (1 de Novembro de 1903) e antes da cooptação dos martovistas (26 de Novembro de 1903).

A idéia fundamental do artigo O Que não Se Deve Fazer é que, em política, não se deve ser rectilíneo, inoportunamente áspero e inoportuna-mente intransigente, que por vezes, para evitar a cisão, é indispensável fazer cedências tanto aos revisionistas (dos que se aproximam de nós ou dos inconsequentes) como aos individualistas anarquistas. É perfeitamente natural que estas teses abstratas, de ordem geral, tenham provocado a perplexidade geral entre os leitores do Iskra. Não se pode ler sem riso as magníficas e altivas declarações do camarada Plekhánov (em artigos posteriores) de que não o compreenderam em virtude da novidade das suas idéias, por não se conhecer a dialética. De fato, apenas puderam compreender o artigo O Que não Se Deve Fazer, quando este foi redigido, umas dez pessoas de dois arrabaldes de Genebra, cujos nomes começam pelas mesmas letras210. A infelicidade do camarada Plekhánov foi ter lançado em circulação perante uns dez mil leitores uma série de alusões, censuras, sinais algébricos e enigmas dirigidos apenas a estas dez pessoas que tinham participado, depois do congresso, em todas as peripécias da luta contra a minoria. O camarada Plekhánov incorreu nessa infelicidade por ter infringido o princípio fundamental da dialética, que com tão pouca felicidade invocara: não há verdades abstratas, a verdade é sempre concreta. Por isso mesmo, era deslocado apresentar sob uma forma abstrata a idéia muito concreta de fazer uma cedência aos martovistas depois do congresso da Liga.

A cedência, que o camarada Plekhánov apresentou como um novo lema de combate, é legítima e imprescindível em dois casos: ou quando aquele que cede está convencido da razão dos que querem obter essa cedência (os políticos honestos, neste caso, reconhecem franca e abertamente o seu erro), ou quando a cedência a uma exigência insensata ou prejudicial para a causa é feita para evitar um mal maior. Ressalta com toda a clareza do artigo que examinamos que o autor pensa no segundo caso: fala abertamente de fazer uma cedência a revisionistas e a individualistas anarquistas (ou seja, aos martovistas, como o sabem agora todos os membros do partido pelas atas da Liga), cedência imprescindível para evitar a cisão. Como vedes, a idéia pretensamente nova do camarada Plekhánov resume-se inteiramente a uma sabedoria da vida nada nova: as pequenas contrariedades não devem prejudicar um grande prazer, uma pequena tolice oportunista e uma pequena frase anarquista são preferíveis a uma grande cisão no partido. O camarada Plekhánov, ao escrever este artigo, percebia claramente que a minoria representa a ala oportunista do nosso partido, que ela combate com métodos anarquistas. O camarada Plekhánov formulou um projeto: lutar contra esta minoria através de cedências pessoais, algo semelhante (mais uma vez, si licet parva com ponere magnis) à luta da social-democracia alemã contra Bernstein. Bebel declarava publicamente nos congressos do seu partido que não conhecia homem mais sensível à influência do ambiente que o camarada  Bernstein (não o senhor Bernstein, como gostava de dizer antigamente o camarada Plekhánov, mas o camarada Bernstein): acolhê-lo-emos entre nós, faremos dele um delegado ao Reischstag, combateremos o revisionismo, mas não combateremos o revisionista com inoportuna aspereza (à la, Sobakêvitch211-Parvus), antes o "mataremos com delicadezas" (kíll with Kindness), como o caracterizava, se bem me lembro, o camarada M. Beer numa reunião social-democrata inglesa ao defender o espírito de cedência dos alemães, o seu espírito pacífico, delicado, flexível e prudente, contra os ataques do Sobakévitch-Hyndman inglês. De igual modo, o camarada PIekhánov queria "matar com delicadezas" o pequeno anarquismo e o pequeno oportunismo dos camaradas Axelrod e Mártov. A verdade é que, juntamente com alusões bem claras aos "anarquistas individualistas", o camarada Plekhánov se expressou em termos deliberadamente pouco claros relativamente aos revisionistas, de modo a fazer crer que tinha em vista os partidários da Robótcheie Dielo que passavam do oportunismo para a ortodoxia, e não Axelrod e Mártov, que começavam a passar da ortodoxia para o revisionismo. Mas isto foi apenas um ardil militar(23) inocente, uma má obra de fortificação, incapaz de resistir ao fogo da artilharia da publicidade feita no partido.

Pois bem, quem se inteirar da conjuntura concreta do momento político que descrevemos, quem penetrar na psicologia do camarada Plekhánov, compreenderá que eu não podia então proceder senão como procedi. Digo-o para aqueles partidários da maioria que me censuraram por ter cedido a redação. Quando o camarada Plekhánov fez uma viragem depois do congresso da Liga, e de partidário da maioria passou a partidário da reconciliação a qualquer preço, eu era obrigado a interpretar essa viragem no melhor sentido. Talvez o camarada Plekhánov quisesse apresentar no seu artigo um programa de boa e honesta paz? Qualquer programa deste tipo resume-se a um reconhecimento sincero pelas duas partes dos erros cometidos. Qual o erro da maioria indicado pelo camarada Plehkánov? - Uma aspereza deslocada, digna de Sobakévitch, para com os revisionistas. Não sabemos a que se referia o camarada Plekhánov ao dizer isto: se à sua tirada humorística sobre os burros, se àquela alusão, da maior imprudência na presença de Axelrod, ao anarquismo e ao oportunismo; o camarada Plekhánov preferiu exprimir-se "abstractamente", aludindo, além disso, a Fulano. É uma questão de gosto, bem entendido. Mas eu reconheci abertamente a minha própria aspereza tanto na minha carta a um iskrista como no congresso da Liga. Como poderia eu deixar de reconhecer tal "erro" na maioria? Quanto à minoria, o camarada Plekhánov indicava claramente o erro dela: revisionismo (cf. as suas observações sobre o oportunismo no congresso do partido e sobre o jauressismo no congresso da Liga) e anarquismo, que tinha conduzido à cisão. Podia eu opor-me a que, através de cedências pessoais, e, em geral, de toda a espécie de "kindness" (amabilidade, delicadeza, etc.), se conseguisse o reconhecimento desses erros e se desfizesse o mal por eles causado? Podia eu impedir esta tentativa, quando o camarada Plekhánov, no seu artigo O Que não Se Deve Fazer, procurava diretamente convencer a "ter piedade dos adversários" revisionistas, e que apenas eram revisionistas "em virtude de uma certa falta de espírito de consequência"? E se não acreditava nesta tentativa, poderia eu agir de outro modo que não fosse fazer uma cedência pessoal relativamente ao OC e passar para o CC para defender a posição da maioria(24)? Negar absolutamente a possibilidade de tais tentativas e tomar sobre mim só a responsabilidade da cisão iminente era coisa que não podia fazer, pelo simples fato de eu próprio me ter inclinado, na minha carta de 6 de Outubro, a explicar a disputa "por uma irritação pessoal". Quanto a defender a posição da maioria, considerava e continuo a considerar que é meu dever político. Era difícil e arriscado confiar, a esse respeito, no camarada Plekhánov, porque tudo indicava que o camarada Plekhánov estava disposto a interpretar dialeticamente a sua frase "um dirigente do proletariado não tem o direito de ceder às suas inclinações combativas quando estas são contrárias aos cálculos políticos", interpretá-la dialecticamente no sentido de que, já que era necessário disparar, o mais vantajoso (de acordo com o estado da atmosfera de Genebra em Novembro) era disparar contra a maioria ... Era imprescindível defender a posição da maioria porque o camarada Plekhánov - rindo-se da dialética, que exige um exame concreto e multilateral -, ao tratar da boa (?) vontade do revolucionário, .torneou modestamente a questão da confiança no revolucionário, da fé no "dirigente do proletariado" que dirigia uma determinada ala do partido. Ao falar do individualismo anarquista e recomendar que "de vez em quando" se fechassem os olhos às infrações à disciplina, se cedesse "por vezes" ao relaxamento próprio de intelectuais, "que se radica num sentimento que nada tem de comum com a fidelidade à idéia revolucionária", o camarada Plekhánov esquecia sem dúvida que importava igualmente ter em conta a boa vontade da maioria do partido, que é preciso deixar precisamente aos militantes práticos o cuidado de definir a medida das cedências a fazer aos individualistas anarquistas. E tão fácil a luta literária contra os pueris absurdos anarquistas como é difícil o trabalho prático com um individualista anarquista numa mesma organização. Um literato que se encarregasse de estabelecer a medida em que é possível ceder ao anarquismo na prática apenas daria provas duma desmedida fatuidade literária, duma fatuidade realmente doutrinária. O camarada Plekhánov observava majestosamente (para se dar importância, como dizia Bazárov212) que no caso de nova cisão os operários deixariam de nos compreender e, ao mesmo tempo, ele próprio inaugurava uma interminável série de artigos no novo Iskra, que, pelo seu :significado atual e concreto, ficavam necessariamente incompreensíveis não só para os operários, mas, em geral, para toda a gente. Não admira, pois, que um membro do CC213 que tinha lido as provas do artigo O Que não Se Deve Fazer prevenisse o camarada Plekhánov de que o seu plano prevendo uma redução até certo ponto da publicação de determinados documentos (atas do congresso do partido e do congresso da Liga) ficava prejudicado "justamente por este artigo, que excitava a curiosidade e lançava para o julgamento da rua(25) algo de excitante e, ao mesmo tempo, inteiramente obscuro, provocando inevitavelmente perguntas perplexas: "Que se passou?" Não admira que precisamente este artigo do camarada Plekhánov, em consequência do caráter abstrato dos seus raciocínios e da falta de clareza das suas alusões, tenha provocado o regozijo nas fileiras dos inimigos da social-democracia: um cancan nas páginas da Revolutsiónnaia Rossia215 e também os louvores entusiastas dos consequentes revisionistas da Osvobojdénie. A fonte de todos estes divertidos e tristes mal-entendidos, de que o camarada Plekhánov se desembaraçou mais tarde de modo tão divertido e tão triste, foi precisamente a violação do princípio fundamental da dialética: e preciso analisar as questões concretas da maneira mais concreta. O regozijo do senhor Struve, em particular, era perfeitamente natural: pouco lhe importavam os "bons" objetivos (kill with kindness) que o camarada Plekhánov visava (mas que podia não alcançar); o senhor Struve aplaudia e não podia deixar de aplaudir a viragem para a ala oportunista do nosso partido, que começara no novo Iskra, como toda a gente vê agora. Os democratas burgueses russos não são os únicos a saudar cada viragem, por mais pequena e provisória que seja, para o oportunismo em todos os partidos sociais-democratas. E muito raro que haja uma confusão absoluta na apreciação que vem de um inimigo inteligente: diz-me quem te elogia, e dir-te-ei onde está o teu erro. O camarada Plekhánov em vão conta com um leitor desatento, procurando apresentar as coisas como se a maioria se tivesse oposto terminantemente à cedência pessoal relativamente à cooptação, e não à passagem da ala esquerda para a ala direita do partido. A questão não consiste, de modo nenhum, no fato de o camarada Plekhánov, para evitar a cisão, ter feito uma cedência pessoal (o que é muito de elogiar), mas no fato de que tendo reconhecido inteiramente a necessidade de discutir com os revisionistas inconsequentes e com os individualistas anarquistas, ele tenha preferido discutir com a maioria, de quem divergia quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. A questão não consiste de modo nenhum no fato de o camarada Plekhánov ter alterado a composição pessoal da redação, mas no fato de ter traído a sua posição de discutir com o revisionismo e o anarquismo, no fato de ter deixado de defender esta posição no OC do partido.

No que diz respeito ao CC, que era então o único representante organizado da maioria, o camarada Plekhánov divergiu naquele momento com ele exclusivamente quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. Passou-se cerca de um mês depois do dia 1 de Novembro, quando a minha retirada deixou as mãos livres à política do kill with kindness. O camarada Plekhánov tinha todas as possibilidades de verificar, por toda a espécie de contatos, o que vale esta política. O camarada Plekhánov publicou nesta ocasião o seu artigo O Que não Se Deve Fazer, que foi - e continua a ser - o único bilhete de entrada, por assim dizer, dos martovistas na redação. As palavras de ordem: revisionismo (com o qual se deve discutir poupando o adversário) e individualismo anarquista (que se deve amimar matando-o com delicadezas), figuram neste bilhete em itálico destacado. Fazei o favor de entrar, senhores, matar-vos-ei com delicadezas - eis o que diz o camarada Plekhánov neste cartão de convite aos seus novos colegas de redação. Naturalmente, ao CC não restava senão dizer a sua última palavra (que é o que significa ultimato: a última palavra sobre a possível paz) sobre a medida das cedências práticas admissíveis, do seu ponto de vista, ao individualismo anarquista. Ou quereis a paz, e então eis um certo número de lugares para vós que testemunham a nossa delicadeza, o nosso espírito de paz, o nosso espírito de cedência, etc. (e mais não podemos dar, se queremos garantir a paz no partido, paz no sentido não de não haver discussões, mas no sentido de o partido não ser destruído pelo individualismo anarquista), tomai estes lugares e iniciai novamente pouco a pouco a (viragem das posições de Akímov para as de Plekhánov. Ou quereis manter e desenvolver o vosso ponto de vista, virar definitivamente (mesmo que seja apenas no domínio das questões de organização) para Akímov, convencer o partido de que vós é que tendes razão e não Plekhánov, e então formai o vosso próprio grupo literário, obtende uma representação no congresso e começai, através de uma luta honesta, de uma polêmica aberta, a conquistar a maioria. Esta alternativa, claramente exposta aos martovistas no ultimato do Comitê Central de 25 de Novembro de 1903 (ver Estado de Sítio e Comentário às Atas da Liga(26), está plenamente de acordo com a carta, minha e de Plekhánov, datada de 6 de Outubro de 1903, dirigida aos antigos redatores: ou irritação pessoal (e então podia-se, no pior dos casos, "cooptar"), ou divergências de princípio (e então era preciso começar por convencer o partido e só depois falar de alterações na composição pessoal dos centros). O CC podia deixar aos próprios martovistas o cuidado de solucionau este dilema delicado, tanto mais que precisamente naquela altura o camarada Mártov escrevia na sua profession de foi(27) (Uma Vez Mais em Minoria) as linhas seguintes:

"A minoria aspira a uma só honra: dar o primeiro exemplo da história do nosso partido de que é possível ser "vencido" e não constituir um novo partido. Esta posição da minoria decorre de todas as suas opiniões sobre o desenvolvimento do partido no domínio da organização; decorre da consciência dos fortes laços que a unem ao anterior trabalho do partido. A minoria não acredita na força mística das "revoluções no papel" e vê na profundidade com que a vida justifica as suas aspirações a garantia de que conseguirá, por uma propaganda puramente ideológica no seio do partido, fazer triunfar os seus princípios de organização" (sublinhado por mim).

Que magníficas, que orgulhosas palavras! E como foi amargo convencermo-nos na prática de que eram apenas palavras ... Queira desculpar-me, camarada Mártov, mas agora, em nome da maioria, declaro aspirar a essa "honra" que você não mereceu. Será de fato uma grande honra, pela qual vale a pena bater-se, porque as tradições do espírito de círculo legaram-nos uma herança de cisões extraordinariamente fáceis e uma aplicação extraordinariamente zelosa desta regra: ou um soco ou um beijo na mão.

O grande prazer (de ter um único partido) devia pesar mais, e pesou mais, do que as pequenas contrariedades (sob a forma de querelas mesquinhas acerca da cooptação). Retirei-me do OC, o camarada Igrek (delegado por mim e por Plekhánov ao Conselho do partido, pela redação do OC) retirou-se do Conselho. Os martovistas responderam à última palavra do CC sobre a paz com uma carta (cf. as publicações citadas) equivalente a uma declaração de guerra. Então, mas só então, eu escrevi uma carta à redação (n.º 53 do Iskra) sobre a publicidade(28). Se falamos de revisionismo, se discutimos sobre a inconsequência e o individualismo anarquista, sobre o fracasso de diversos dirigentes, então, senhores, contemos tudo sem nada esconder - era esse o conteúdo da minha carta sobre a publicidade. A redação respondeu-lhe com injúrias violentas e um magnífico sermão: não te atrevas a vir com "minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo" (n.º 53 do Iskra). Bom, digo para mim, com que então "minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo" ... es zst mir recht, senhores, nisso estou de acordo convosco. Porque isso quer dizer que incluis diretamente entre as querelas mesquinhas de círculos toda a história da "cooptação". E é verdade. Mas que estranha dissonância quando no editorial do mesmo n.0 53 a mesma redação (parece ser a mesma) começa a falar do burocratismo, de formalismo, etc.(29) Não te atrevas a levantar a questão da luta pela cooptação para o OC, porque isso são querelas mesquinhas. Mas nós levantaremos a questão da cooptação para o CC, e a isso não chamaremos querela mesquinha, mas divergência de princípio quanto ao "formalismo".-Não, digo para mim, caros camaradas, permiti-nos não vo-lo permitir. Então quereis disparar contra a minha fortaleza, e exigis de mim que vos entregue a minha artilharia! Brincalhões! E assim escrevo e publico, fora do Iskra, a minha Carta à Redação (Porque Me Retirei da Redação do "lskra"?(30)), relatando brevemente como se passaram os fatos e perguntando uma e outra vez se é possível a paz na base da divisão seguinte: o Órgão Central para vós, o Comitê Central para nós. Nenhuma das partes sentirá "estranha" no seu partido, e discutiremos a viragem para o oportunismo, discutiremos primeiro na literatura, e depois talvez no terceiro congresso do partido.

Como resposta a esta menção de paz, todas as baterias do inimigo abriram fogo, incluindo o Conselho. Choviam os projéteis. Autocrata, Schweitzer, burocrata, formalista, supercentro, unilateral, rígido, obstinado, estreito, desconfiado, intratável ... Muito bem, meus amigos! Acabastes? Já não tendes mais nada de reserva? São bem más as vossas munições ...

É a minha vez de falar. Vejamos o conteúdo dos novos pontos de vista do novo Iskra em matéria de organização, e a relação destes pontos de vista com a divisão do nosso partido em "maioria" e "minoria", cujo verdadeiro caráter já mostramos ao analisar os debates e votações do segundo congresso.


Notas:

(1) Porque se escolheu precisamente para o diagrama a votação do § 2 dos estatutos do Bund? Porque as votaçoes sobre a confirmaçao do Iskra são menos completas e porque as votações sobre o programa e a federação refcrem-se a decisões políticas menos definidas e concretas. Dum modo geral, escolher uma ou outra de uma série de votações do mesmo tipo nao alterará uni nada os traços essenciais do quadro, como podera facilmente dar-se conta quem quer que taça as alteraçoes correspondentes. (retornar ao texto)

(2) É esta votaçao que é representada no diagrama B: os iskristas obtiveram 32 votos e a resolução do bundista 16. De notar que entre as votações deste tipo não houve uma so votaçao nominal.O modo como os delegados individualmente votaram só pode ser estabelecido - com um altíssiomo grau de probalidade - por duas espécies de dados: 1) nos debates dos oradores dos dois grupos de iskrtstas pronuociam-se a favor e os oradores dos anti-iskristas e do centro contra. 2) o número de votos "a favor" é sempre muito próximo de 33. É preciso também não esquecer que ao analisar os debates do congresso nós fizemos notar, além das votações, toda uma série de casos em que o "centro" se uniu aos anti-iskristas (aos oportunistas) contra nós, como aconteceu quando se tratou da questão relativa ao valor absoluto das reivindicações democráticas, ao apoio a favor dos elementos de oposição, à restrição do centralismo, etc. (retornar ao texto)

(3) A julgar por tudo, do mesmo tipo foram outras quatro votações sobre os estatutos: p. 278- 27 a favor de Fomine e 21 a nosso favor; p. 279 - 26 a favor de Mártov e 24 a nosso favor; p. 280 - 27 contra mim e 22 a favor; e, na mesma página, 24 a favor de Mártov e 23 a nosso favor. São as votações sobre cooptação para os centros, das quais já falei antes. Não há votações nominais (houve uma, mas perderam-se os dados). Os bundistas (todos ou em parte) salvam, pelos vistos, Mártov. Corrigimos mais acima as afirmações erradas de Mártov (na Liga) sobre as votações deste tipo. (retornar ao texto)

(4) Os sete oportunistas que se retiraram do 2.º congresso foram os cinco bundistas (o Bund separou-se do partido no segundo congresso, depois da rejeição do princípio federativo) e dois partidários da Rabótcheie Dielo, o camarada Martínov e o camarada Akímov. Estes dois        últimos abandonaram o congresso depois de a Liga iskrista ser reconhecida como a única organização do partido no estrangeiro, isto é, depois da dissolução da "União dos Sociais-Democratas Russos no estrangeiro afeta à Rabótcheíe Dielo. (Nota de Lénine à edição de 1907. - N. Ed.) (retornar ao texto)

(5) Mais adiante veremos que, depois do congresso, tanto o camarada Akímov como o comitê de Vorónej, o mais próximo do camarada Akímov, expressaram abertamente as suas simpatias pela "minoria". (retornar ao texto)

(6) Nota para o camarada Mártov. Se o camarada Mártov esqueceu agora que iskrita quer dizer partidário de uma tendência e não membro de um círculo recomendamos-lhe que leia nas atas do congresso a explicação desta questão dada pelo camarada Trótski ao camarada Akímov. Círculos iskristas no congresso (em relação ao partido) eram três: o grupo "Emancipação do Trabalho"", a redação do Iskra e a organização do Iskra. Dois destes três círculos foram tão razoáveis que se dissolveram a si próprios, o terceiro não teve suficiente espírito de partido para o fazer e foi dissolvido pelo congresso. O círculo iskrista mais amplo, a organização do lskra (que compreendia a redação e o grupo "Emancipação do Trabalho") tinha no congresso apenas 16 membros, dos quais apenas onze tinham voto. Iskristas por tendência sem pertencerem a nenhum "círculo" iskrista, estavam no congresso, segundo os meus cálculos, 27 com 33 votos. Portanto, entre os iskristas, menos de metade pertenciam aos círculos iskristas. (retornar ao texto)

(7) Ver o presente tomo, pp. 364-365. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(8) Não posso deixar de relembrar, a propósito, uma conversa que tive no congresso com um dos delegados do "centro". "Como esta carregada a atmosfera do nosso congresso!" -  dizia-me, em tom de queixa. "Essa luta encarniçada, essa agitação de um contra outro, essa polêmica tão dura, essa atitude imprópria de camaradas! ..." " Que coisa maravilhosa é o nosso congresso!" -  respondi-lhe. "Luta franca, livre. Manifestaram-se as opiniões. Revelaram-se matizes. Tomaram forma grupos. Levantaram-se as mãos. Adotou-se uma decisão. Ficou para trás uma etapa. Avante! E assim que eu vejo as coisas. Isso é a vida. Já não são mais as intermináveis e aborrecidas discussões próprias de intelectuais e que terminam não porque se tenha resolvido um problema, mas simplesmente porque a gente se cansou de falar..."

O camarada do "centro" olhava-me com olhos espantados e encolhia os ombros. Falávamos linguagens diferentes. (retornar ao texto)

(9) Se acaso é permitido comparar o pequeno com o grande. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(10) O máximo. (. Ed.) (retornar ao texto)

(11) Independentemente. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(12) Esta carta foi escrita ainda em Setembro (do novo calendário). (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 46, pp. 297-300. - N. Ed.) Omiti nela o que me parecia não vir ao caso. Seu destinatário acha que o que se omitiu é precisamente o importante, pode completá-la sem dificuldade. A propósito. Aproveito a ocasião para autorizar os meus contraditores, de uma vez por todas, a publicar todas as minhas cartas particulares, se o considerarem útil à causa. (retornar ao texto)

(13) Além disso, este membro do CC 209 organizou especialmente uma série de encontros particulares e coletivos com a minoria, desmentindo os mexericos absurdos e exortando-os a cumprir o dever de membros do partido.(retornar ao texto)

(14) Na carta ao camarada Mártov havia ainda uma passagem em que se perguntava por uma brochura, e a frase seguinte: "Por último, no interesse da causa, comunicamos uma vez mais que estamos ainda prontos a cooptá-lo a si para a redação do OC, para lhe oferecer todas as possibilidades de exprimir e defender oficialmente todos os seus pontos de vista num organismo superior do partido." (Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª  ed. em russo, t. 46, p. 306. -N. Ed.) (retornar ao texto)

(15) O camarada Plekhánov, provavelmente, teria acrescentado aqui: ou dar satisfação a toda e cada uma das pretensões dos iniciadores da querela mesquinha. Já veremos por que era impossível fazê-lo. (retornar ao texto)

(16) Omito a resposta sobre a brochura de Mártov, que estava então a ser reeditada. (retornar ao texto)

(17) A Resolução Mineira (Estado de Sítio, p. 38) (retornar ao texto)

(18) Ver V. I. Lenine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 8, pp. 41-52 (N. Ed.) (retornar ao texto)

(19) Já assinalei que não seria razoável reduzir a motivos sórdidos as mais baixas formas de manifestação de semelhantes querelas mesquinhas, habituais na atmosfera da emigração e do exílio. Trata-se de uma espécie de doença que se propaga epidemicamente em determinadas condições anormais de vida, em determinados estados de desequilíbrio nervoso, etc. Vi-me forçado a precisar aqui o verdadeiro caráter deste sistema de luta porque o camarada Mártov o repetiu inteiramente no seu "Estado de Sítio".(retornar ao texto)

(20) Basta lembrar que o camarada Plekhánov deixou, aos olhos da minoria, de ser um partidário do "centralismo burocrático" depois de ter efetuado a benfazela cooptação. (retornar ao texto)

(21) Nada mais cômico que este ressentimento do novo Iskra, pretendendo que Lénine não quer ver as divergências de princípio ou as contesta. Quanto mais a vossa atitude perante a causa correspondesse aos princípios, tanto mais cedo deveríeis ter examinado as minhas repetidas indicações sobre a viragem para o oportunismo. Quanto mais a vossa posição correspondesse aos princípios, tanto menos poderíeis ter rebaixado a luta ideológica a uma luta pelos cargos. Culpai-vos a vós próprios se fizestes tudo para impedir que vos considerem como homens de princípios. Assim, o camarada Márrov, por exemplo, ao falar no seu Estado de Sítio do congresso da Liga, passa em silêncio o debate com Plekhánov sobre o anarquismo; mas, pelo contrário, conta que Lénine é um supercentro, que basta que Lénine faça um gesto para que o centro adote uma medida, que  CC entrou na Liga montado num cavalo branco, etc. Estou longe de duvidar que é justamente pela escolha deste tema que o camarada Mártov demonstrou o seu profundo apego ás cicias e aos princípios. (retornar ao texto)

(22)  Mal-entendido. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(23) Quanto às cedências aos camaradas Mártov, Akímov e Brúker, nem sequer se falou disso depois do congresso do partido. Não ouvi dizer que eles também tivessem exigido a "cooptação". Duvido mesmo que o camarada Starover ou o camarada Mártov tivessem pedido a opinião do camarada Brúker quando nos enviaram os seus papéis e "notas" em nome de "metade do partido" ... No congresso da Liga, o camarada Mãrtov, com a mais profunda indignação dum lutador político intransigente, rejeitava até a idéia de "unidade com Riazánov  ou Martínov", a possibilidade de um "acordo" com eles ou até de uma ação comum (na qualidade de redator) "ao serviço do partido" (p. 53 das atas da Liga). O camarada Mártov , condenou severamente no congresso da Liga as "tendências martinovistas" (p. 88), e quando o camarada Ortodox aludiu delicadamente a que talvez Axelrod e Mártov "reconhecessem também aos camaradas Akímov, Martínov e outros o direito de se reunirem para elaborar para seu próprio uso uns estatutos e de aplicá-los como lhes aprouvesse" (p. 99), os martovistas puseram-se a renegar, como Pedro renegou Cristo (p. 100: "os receios do camarada Ortodox" "em relação aos camaradas Akímov, Martínov, etc." "são destituídos de fundamento"). (retornar ao texto)

(24) O camarada Mártov, falando sobre esse ponto, disse com muita precisão que eu me tinha passado avec armes et bagages (com armas e bagagens - N. Ed.). O camarada Mártov gosta de fazer comparações militares: expedição contra a Liga, combate, feridas incuráveis, etc., etc. Tenho de reconhecer que também tenho um grande fraco pelas comparações militares, sobretudo agora, quando se acompanha com tanto interesse as notícias do Pacífico. Mas, se falamos em termos militares, camarada Mártov, as coisas aconteceram do seguinte modo. Nós conquistamos dois fortins no congresso do partido. Vós atacaste-los no congresso da Liga. Já depois do primeiro ligeiro tiroteio, um colega meu, chefe de uma das fortalezas, abre as portas ao inimigo. Eu, naturalmente, reúno a minha pequena artilharia e retiro-me para outro forte, muito mal fortificado, para "entricheirar-me" contra um inimigo numericamente muito superior. Chego até a propor a paz: como lutar contra duas potências? Porém, os novos aliados respondem à proposta de paz bombardeando o meu último reduto. Respondo ao fogo. E, naquele momento, o meu antigo colega - o chefe da fortaleza - exclama com magnífica indignação: olhai, boa gente, quão pouco amor à paz tem este Chamberlain! (retornar ao texto)

(25) Discutimos com paixão, acaloradamente, em certo recinto fechado. De repente, um de nós salta, abre deparem par uma janela que dá para a rua e começa a gritar contra os Sobakévitch, os individualistas anarquistas, os revisionistas, etc. Naturalmente que na rua se reuniu uma multidão de curiosos folgazões e os nossos inimigos sentiram uma maldosa alegria. Os outros participantes na discussão aproximaram-se também da janela, manifestando o desejo de contar as coisas como se passaram, desde o principio e sem aludir a coisas que ninguém sabe. Então, fecha-se a janela de golpe: não vale a pena, dizem, falar de querelas mesquinhas (Iskra, n.º 53, p. 8, segunda coluna, linha 24 a contar debaixo). A verdade, camarada Plekhánov214, é que teria sido melhor não começar no "Iskra" a falar de "querelas mesquinhas"! (retornar ao texto)

(26) Deixo por esclarecer, naturalmente, a confusão que fez Mártov, no seu Estado de Sítio, em torno desse ultimato do CC, referindo-se a conversas particulares, etc. Este é o "segundo método de luta", que defini no parágrafo anterior e que só um especialista em neuropatologia poderia analisar com esperanças de êxito. Basta dizer que nele o camarada Mártov insiste no acordo com o CC para que não sejam publicadas as negociações, acordo que, apesar de todas as pesquisas, ainda não foi encontrado. O camarada Travínski, que conduzia as negociações em nome do CC, comunicou-me por escrito que me considerava autorizado a publicar fora do Iskra a minha carta à redação.

Uma só expressão do camarada Mártov me agradou especialmente: "bonapartismo da pior espécie". Na minha opinião, o camarada Mártov pôs em circulação esta categoria com muita oportunidade. Vamos ver serenamente o que significa esse conceito. No meu modo de ver, significa a tomada do poder por meios formalmente legais, mas, na realidade, contra a vontade do povo (ou do partido). Não é assim, camarada Mãrtov? E se é assim, deixo tranquilamente à opinião pública que decida de que lado estava esse "bonapartismo da pior espécie", se do lado de Lénine e lgrek, que podiam aproveitar-se do seu direito formal de não deixar entrar os martovistas, apoiando-se, além disso, na vontade do II congresso, mas que não fizeram uso desse direito; ou se do lado dos que ocuparam a redação de modo formalmente correto ("cooptação unânime"), mas sabendo que esse ato não correspondia, na realidade, à vontade dali congresso e temendo a comprovação) dessa vontade pelo III congresso. (retornar ao texto)

(27) Profissão de fé. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(28) Ver V. 1. Lénine, Obras Completas, 5.ª  ed. em russo, t. 8, pp. 93-97. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(29) Como se verificou mais tarde, a "dissonância" explicava-se muito simplesmente por uma dissonância na composição da redação do OC. Sobre "querelas mesquinhas" escreveu Plekhánov (ver a sua confissão em Um Triste Mal-Entendido, n.º 57), enquanto o editorial O Nosso Congresso foi escrito por Mártov (Estado de Sítio, p. 84). Cada um puxa para o seu lado. (retornar ao texto)

(30) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5.ª ed. Em russo, t. 9, pp. 98-104.(N. Ed.) (retornar ao texto)

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Inclusão 27/12/2002