Parte III


j) Vitimas Inocentes de uma Falsa Acusação de Oportunismo

Antes de passar à subsequente discussão sobre os estatutos é necessário, para explicar a nossa divergência na questão da composição pessoal dos órgãos centrais, tratar de passagem das reuniões privadas da organização do Iskra, que se realizaram durante o congresso. A última e a mais importante dessas quatro reuniões decorreu justamente depois da votação do § um dos estatutos, pelo que a cisão da organização do Iskra, que se verificou nessa reunião, foi cronológica e logicamente uma condição prévia da luta que se desenrolou a seguir.

As reuniões privadas da organização do Iskra(1) começaram pouco depois do incidente do CO, que forneceu um pretexto para o exame da questão das eventuais candidaturas ao CC. Subentende-se que, dado que se suprimiram os mandatos imperativos, tais reuniões tiveram um caráter meramente consultivo, que a ninguém obrigava, mas cuja importância foi no entanto enorme. A eleição do CC apresentava grandes dificuldades para os delegados que não conheciam nem os nomes clandestinos nem o trabalho interno organização do Iskra, organização que criou a unidade de fato do partido e exerceu a direção do movimento prático, o que constituiu um dos motivos do reconhecimento oficial do Iskra. Dissemos já que os iskristas mantendo a sua unidade tinham plenamente assegurada no congresso uma grande maioria, cerca de 3/5, e todos os delegados o compreendiam na perfeição. Todos os iskristas esperavam precisamente que a organização do Iskra interviesse recomendando uma determinada composição pessoal do CC, e nenhum dos membros desta organização disse uma só palavra contra o exame prévio, no seu seio, da composição do CC, ninguém disse uma só palavra sobre a aprovação de toda a composição do CO, ou seja, da sua transformação em CC, nem uma palavra mesmo da realização de uma reunião, com todos os membros do CO, para tratar dos candidatos ao CC. Também esta circunstância é estraordinariamente característica, e importa sobremaneira tê-la em conta, porque agora os partidários de Mártov defendem zelosamente, com data atrasada, o CO, demonstrando assim pela centésima ou milésima vez a sua falta de caráter em política(2). Enquanto a cisão pela composição dos centros não unira Mártov com os Akímov, toda a gente se dava conta no congresso de uma coisa de que qualquer pessoa imparcial poderá facilmente convencer-se pelas suas atas e por toda a história do Iskra, a saber: que o CO era principalmente uma comissão formada para convocar o congresso, e composta intencionalmente por representantes de diferentes matizes, incluindo o Bund; quanto ao verdadeiro trabalho para criar a unidade orgânica do partido, era a organização do Iskra que o tinha suportado inteiramente sobre os seus ombros (é preciso ter também em conta que alguns membros iskristas do CO estiveram ausentes do congresso absolutamente por acaso, quer em consequência de prisões, quer por outras circunstâncias "alheias à sua vontade"). A composição da organização do Iskra presente no congresso já tinha sido dada na brochura do camarada Pavlóvitch (ver a sua Carta sobre o II Congresso, p. 13)201.(3)

O resultado definitivo dos acalorados debates na organização do Iskra foram duas votações de que já falei na Carta à Redação. Primeira votação: "uma das candidaturas apoiadas por Mártov é rejeitada por nove votos contra quatro e três abstenções". Parece que nada pode haver de mais simples nem mais natural do que este fato: com o assentimento geral do total dos dezesseis membros da organização do lskra presentes no congresso, é debatida a questão das possíveis candidaturas, e é rejeitada por maioria de votos uma das propostas pelo camarada Mártov (precisamente o do camarada Stein, coisa que atirou agora para a frente, não podendo resistir mais, o próprio camarada Mártov, p. 69 do Estado de Sítio). Porque nos tínhamos reunido em congresso do partido justamente para discutir e resolver, entre outras, a questão de saber a quem entregar "a batuta" do maestro, e o nosso dever geral de partido era dedicar a este ponto da ordem do dia a mais séria atenção, resolver esta questão do ponto de vista dos interesses da causa, e não do "sentimentalismo filistino", como justamente disse mais tarde o camarada Rússov. Claro que aquando da discussão no congresso da questão dos candidatos era impossível deixar de falar de certas qualidades pessoais, deixar de exprimir aprovação ou desaprovação, sobretudo numa reunião não oficial e restrita. E eu já fiz no congresso da Liga a advertência de que era absurdo considerar a desaprovação duma candidatura uma coisa "difamante" (p. 49 das atas da Liga); que era absurdo fazer uma "cena" e ficar histérico em virtude daquilo que constitui o cumprimento do estrito dever de partido no que se refere a eleger de modo consciente e cuidadoso pessoas para os cargos. Ora, para a nossa minoria, foi a partir daqui que começou a dança: puseram-se a gritar, depois do congresso, que se "destruía uma reputação" (p. 70 das atas da Liga), e a assegurar em letra de forma ao grande público que o camarada Stein era a "principal figura" do antigo CO, e que o tinham acusado sem fundamento de "não se sabe que planos infernais" (p. 69 do Estado de Sítio). Não será histerismo gritar, por uma aprovação ou desaprovação de candidaturas, que se "destrói uma reputação"? Não será uma querela mesquinha, quando, tendo sofrido uma derrota tanto na reunião privada da organização do Iskra como na reunião oficial da instância suprema do partido, no congresso, as pessoas se lamentam em frente de toda a gente e recomendam ao respeitável público os candidatos rejeitados como "principais figuras"? quando em seguida as pessoas tentam impor ao partido os seus candidatos através da cisão e exigindo a cooptação? Entre nós, na atmosfera bafienta do estrangeiro, as noções políticas tomaram-se de tal modo confusas que o camarada Mártov já não sabe distinguir entre o dever de partido e o espírito de círculo e o compadrio! Pelos vistos é burocratismo e formalismo pensar que se deve discutir e resolver a questão das candidaturas unicamente nos congressos, em que os delegados se reúnem para tratar, antes de tudo, de importantes questões de princípios, ronde se encontram os representantes do movimento capazes de encarar imparcialmente a questão das pessoas, e que são capazes (e devem) exigir e recolher todas as informações sobre os candidatos antes de uma votação decisiva; onde é natural e necessário que se dedique certo tempo às discussões sobre a batuta do maestro. Em vez deste ponto de vista burocrático e formalista, foram introduzidos agora entre nós outros costumes: depois dos congressos, falaremos a torto e a direito do enterro político de Iván Ivánovitch, da destruição da reputação de Iván Nikíforovirch202. Haverá escritores que recomendarão os candidatos em brochuras, afirmando farisaicamente, batendo no peito: não é um círculo, é o partido ... O público leitor que aprecia escândalos irá saborear avidamente esta novidade sensacional: fulano foi a principal figura do CO, segundo garante o próprio Mártov(4) Este público leitor é muito mais capaz de discutir e resolver a questão do que instituições formalistas no gênero dos congressos, com as suas decisões grosseiramente mecânicas, tomadas por maioria ... Sim, os nossos verdadeiros militantes do partido ainda terão de limpar os grande estábulos de Augias de querelas mesquinhas no estrangeiro!

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Segunda votação da organização do Iskra: "É adotada por dez votos contra dois com quatro abstenções uma lista de cinco (para o CC) em que figuram, por proposta minha, um líder dos elementos não iskristas e um líder da minoria iskrista."(5) Esta votação é extraordinariamente importante, pois mostra clara e irrefutavelmente toda a falsidade das invenções surgidas depois, numa atmosfera de querelas mesquinhas, pretendendo que queríamos expulsar do partido ou afastar os não-iskrisras, que o que a maioria fez foi escolher candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade, etc. Tudo isto é completamente falso. A votação de que acabo de falar prova que não afastamos os não-iskristas não só do partido, como nem sequer do CC, e que demos aos nossos opositores uma minoria muito considerável. A verdade é que queriam ter a maioria, e quando este modesto desejo se não realizou, desencadearam um escândalo e renunciaram completamente a fazer parte dos centros. Que foi exatamente isto o que aconteceu, a despeito das afirmações do camarada Mártov na Liga, é o que ressalta da carta seguinte, que nos foi endereçada, a nós, maioria iskrista (e maioria do congresso depois da saída dos sete), pela minoria da organização do Iskra, pouco depois da adoção do §1 dos estatutos no congresso (de notar que a reunião da organização do Iskra de que falei foi a última: depois dela, a organização dissolveu-se de fato, e cada uma das partes procurou convencer os outros delegados no congresso de que tinha razão).

Eis o texto da carta:

"Depois de ter ouvido as explicações dos delegados Sorókine e Sáblina sobre o desejo da maioria da redação e do grupo "Emancipação do Trabalho" de participar na reunião (em tal data)(6), e depois de ter estabelecido com a ajuda desses delegados que durante a sessão anterior se tinha lido uma lista de candidatos ao CC, lista que pretensamente partia de nós, e que foi utilizada para caracterizar falsamente toda a nossa posição política; considerando que, em primeiro lugar, esta lista nos foi atribuída sem que se tenha feito qualquer tentativa para verificar a sua origem; que, em segundo lugar, esta circunstância está indubitavelmente ligada acusação de oportunismo abertamente difundida contra a maioria da redação do Iskra e do grupo "Emancipação do Trabalho"; e que, em terceiro lugar, a ligação desta acusação com um plano perfeitamente determinado para modificar a composição da redação do "Iskra" nos surge agora com toda a clareza, consideramos insatisfatórias as razões invocadas para não nos admitirem na reunião, e o não terem querido deixar-nos assistir a ela mostra que não querem dar-nos a possibilidade de refutar as falsas acusações acima mencionada.

"Não se refere a um possível acordo entre nós sobre uma lista comum de candidatos para o CC, declaramos que a única lista que podemos aceitar como base de acordo é esta: Popov, Trotski, Glébov, sublinhando que esta lista tem um caráter de compromisso, porque a inclusão nela do camarada Clébov não significa senão uma concessão aos desejos da maioria, já que, depois de termos esclarecido o papel desempenhado pelo camarada Glébov no congresso, não consideramos que o camarada Glébov corresponda àquilo que se deve exigir de um candidato ao CC.

"Sublinhamos ao mesmo tempo que ao iniciar negociações sobre as candidaturas ao CC fazemo-lo sem que isso tenha alguma relação com a questão da composição da redação do OC, porque não estamos dispostos a iniciar quaisquer negociações sobre esta questão (composição da redação).

Pelos camaradas,

Mártov e Starover"

Esta carta, que reproduz fielmente as disposições de espírito das partes em disputa assim como o estado da discussão, introduz-nos imediatamente "no coração" da cisão que se iniciava e mostra as suas verdadeiras causas. A minoria da organização do Iskra, recusando o acordo com a maioria e preferindo a livre agitação no congresso (tendo evidentemente pleno direito a isso) tenta todavia obter dos "delegados" da maioria que a admitam numa sua reunião privada! Claro que esta divertida exigência apenas provocou na nossa reunião (é claro, a carta foi lida aí) sorrisos e encolher de ombros; quando aos gritos próximos da histeria por causa das "falsas acusações de oportunismo", provocaram o riso aberto. Mas analisemos primeiro, ponto por ponto, as amargas queixas de Mártov e de Starover.

Atribui-se-lhes falsamente a lista; caracteriza-se falsamente a sua posição política. No entanto, segundo reconhece o próprio Mártov (p. 64 das atas da Liga), não me passou pela cabeça pôr em dúvida a sua afirmação de que não é o autor da lista. Em geral, a questão de saber quem é o autor dela não tem nada que ver com o caso, e que a lista tenha sido elaborada por um iskrista ou por um representante do "centro", etc., isso não tem qualquer importância. O importante é que esta lista, inteiramente composta por elementos da atual minoria, circulou no congresso, ainda que como simples conjectura ou hipótese. Por fim, o mais importante é que o camarada Mártov viu-se obrigado no congresso a renegar com todas as suas forças uma lista que agora teria de aceitar com entusiasmo. Não seria possível fazer ressaltar mais fortemente a instabilidade na apreciação dos homens e dos matizes do que neste salto efetuado em cerca de dois meses, dos gritos sobre os "boatos difamantes" à vontade de impor ao partido para o centro esses mesmos candidatos da lista que se dizia difamante!(7)

Esta lista, dizia o camarada Mártov no congresso da Liga, "significava, do ponto de vista político, uma coligação entre nós e o Iújni Rabótcbi, por um lado, e o Bund, por outro, coligação no sentido de um acordo direto" (p. 64). Isto é falso, porque, primeiro, o Bund não teria aceitado nunca um "acordo" sobre uma lista em que não figurava um único bundista; e segundo, não se tratava, nem podia tratar-se, de qualquer acordo direto (que parecia difamante a Mártov) não só com o Bund, mas até com o grupo Iújni Rabótchi. Justamente, tratava-se não de um acordo, mas de uma coligação; não do fato de o camarada Mártov fazer uma combinação, mas do fato de ele ter que ser inevitavelmente apoiado por esses mesmos elementos anti-iskristas e hesitantes, contra os quais tinha lutado durante a primeira metade do congresso e que se tinham agarrado ao seu erro sobre o §1 dos estatutos. A carta que citei mostra, da forma mais incontestável, que a raiz da "ofensa" reside justamente na acusação de oportunismo aberta e ainda por cima falsa. Estas "acusações", pelas quais começou toda a dança, e que o camarada Mártov tão cuidadosamente agora procura eludir, a despeito de eu as ter recordado na Carta à Redação, eram de duas espécies: primeiro, durante os debates sobre o § 1 dos estatutos, Plekhánov disse claramente que a questão do § 1 visava "separar" de nós "toda a espécie de representantes do oportunismo", e que a favor do meu projeto, como garantia contra a invasão do partido por estes, "deviam votar, nem que fosse apenas por este fato, todos os inimigos do oportunismo" (p. 246 das atas do congresso). Estas palavras enérgicas, apesar de eu as ter suavizado um pouco (p. 250)(8), fizeram sensação, o que se expressou nitidamente nos discursos dos camaradas Rússov (p. 247), Trótski (p. 248) e Akímov (p. 253). Nos "corredores" do nosso "parlamento", a tese de Plekhánov foi vivamente comentada e apresentada de mil maneiras em controvérsias intermináveis relativas ao §1. E eis que, em vez de se defenderem quanto ao fundo, os nossos queridos camaradas pretenderam-se ridiculamente ofendidos e chegaram a queixar-se por escrito de uma "falsa acusação de oportunismo"!

Uma psicologia própria de círculos e uma assombrosa falta de maturidade de partido, que não pode suportar a aragem fresca de um debate público diante de todos, evidenciam-se aqui com toda a clareza. E essa psicologia tão conhecida do homem russo, que se exprime por um velho adágio: ou um soco ou um beijo na mão! As pessoas estão de tal modo habituadas à redoma de um estreito e amistoso compadrio, que desmaiam à primeira intervenção, sob sua própria responsabilidade, numa arena livre e aberta. Acusar de oportunismo, mas então quem? O grupo "Emancipação do trabalho" e ainda por cima a sua maioria - imaginem este horror! Ou a cisão do partido por causa desta ofensa inapagável, ou abafar este "aborrecimento de família" restabelecendo "a continuidade" da redoma - este dilema transparece já com traços bastante determinados na carta que estamos a analisar. A psicologia do individualismo intelectual e do espírito de círculo chocou com a exigência de uma intervenção aberta perante o partido. Imaginem se é possível um absurdo semelhante, uma querela como a queixa contra uma "falsa acusação de oportunismo", no partido alemão! A organização e a disciplina proletárias há muito tempo que aí fizeram esquecer esta falta de firmeza própria de intelectuais. Ninguém sente senão profundo respeito por Liebknecht, por exemplo; mas como teriam rido aí da queixa de tinham "acusado abertamente de oportunismo" (juntamente com Bebel) no congresso de 1895 203, quando a propósito da questão agrária se encontrou na má companhia do conhecido oportunista Vollmar e dos seus amigos. O nome de Liebknecht está indissoluvelmente ligado à história do movimento operário alemão, não, claro, porque Liebknecht se tenha desviado para o oportunismo numa questão relativamente secundária e particular, mas apesar disso. Do mesmo modo, apesar de todas as irritações da luta, o nome do camarada Axelrod, por exemplo, inspira e inspirará sempre a todo o social-democrata russo, mas não porque o camarada Axelrod tenha defendido uma idéiazinha oportunista no segundo congresso no nosso partido, nem porque tenha exumado o velho lixo anarquista no segundo congresso da Liga, mas apesar disso. Só o espírito de círculo mais endurecido, com a sua lógica - ou um soco, ou um beijo na mão -, pôde desencadear este histerismo, estas querelas mesquinhas e uma cisão do partido por causa de uma "falsa acusação de oportunismo contra a maioria do grupo "Emancipação do Trabalho"".

O outro elemento desta terrível acusação está estreitamente ligado ao anterior [o camarada Mártov esforçou-se em vão, no congresso da Liga (p. 63), por contornar e dissimular um dos aspectos deste incidente]. Este argumento está relacionado com a coligação dos elementos anti-iskristas e hesitantes com o camarada Mártov, coligação que se esboçou a propósito da questão do § 1 dos estatutos. Não é preciso dizer que não se tratava, e nem tratar-se, de nenhum acordo direto ou indireto entre o camarada Mártov e os anti-iskristas, e ninguém o suspeitava disso: apenas o medo o fez crês isto. Mas o seu erro revelou-se politicamente no fato de que as pessoas que indubitavelmente tendiam para o oportunismo começaram a constituir à sua volta uma maioria cada vez mais sólida e "compacta" (que agora se tornou minoria devido apenas à saída "acidental" de sete delegados). Chamamos a atenção para esta "coligação", claro está, também abertamente, logo após os debates sobre o §1, tanto no congresso (ver a observação acima transcrita do camarada Pavlóvitch, p. 255 das atas do congresso) como na organização do Iskra (foi sobretudo Plekhánov que assinalou isso, se não me engano). Literalmente, é a mesma indicação e a mesma troça que visavam Bebel e Liebknecht em 1895, quando Zetkin lhes disse: "Es tut mir in der Seele weh, dass ich dich in der Gesellschaft seh"" (Lamento ver-te - a Bebel - nessa companhia, ou seja, com Vollmar e C.ª)204. E verdadeiramente estranho que Bebel e Liebknecht não tenham então enviado a Kautsky e a Zetkin uma mensagem histérica sobre uma falsa acusação de oportunismo

Quanto à lista dos candidatos ao CC, esta carta mostra o erro do camarada Mártov, que afirmou na Liga que a recusa de chegar a um acordo conosco não era ainda definitiva; isso prova, uma vez mais, como é pouco razoável na luta política querer reproduzir de memória conversas, em vez de consultar documentos. Na realidade, a "minoria" foi modesta a ponto de apresentar à "maioria" um ultimato: designar dois representantes da "minoria" e um da "maioria" (a título de compromisso e unicamente, na verdade, como concessão!). E monstruoso, mas é um fato. E este fato mostra claramente até que ponto é uma invenção tudo o que agora se diz de que o que a maioria fez foi escolher candidatos apenas de uma metade do congresso e elegê-los por essa metade. E justamente o contrário: os partidários de Mártov propunham-nos, apenas a título de concessão, um dos três, desejando, por conseguinte, no caso de não aceitarmos esta original "concessão", introduzir todos os seus! Na nossa reunião privada, rimo-nos da modéstia dos martovistas e elaboramos a nossa lista: Glébov — Travinski (mais tarde eleito para o CC) — Popov. Substituímos este último (também numa reunião privada dos 24) pelo camarada Vassíliev (eleito depois para o CC), unicamente porque o camarada Popov se recusou a figurar na nossa lista; recusou-se primeiro numa conversa privada, e depois abertamente no congresso (p. 338).

Foi isto que se passou.

A modesta "minoria" desejava modestamente estar em maioria. Quando este modesto desejo não foi satisfeito, a "minoria" preferiu renunciar completamente e desencadear um escandalozinho. E há agora pessoas que falam com uma majestosa condescendência da "intransigência" da "maioria"!

A "minoria" apresentou divertidos ultimatos à "maioria" fazendo uma campanha pela livre agitação no congresso. Depois de ter sofrido uma derrota, os nossos heróis desataram a chorar e a gritar sobre o estado de sítio. Voilà tout(9).

A terrível acusação segundo a qual nos propúnhamos modificar a composição da redação, nós (reunião privada dos 24) acolhemo-la igualmente com um sorriso: toda a gente conhecia bem, desde o próprio início do congresso, e mesmo antes dele, que existia um plano de renovar a redação pela eleição de um grupo de três inicial (falarei disto com mais pormenor quando tratar da eleição da redação no congresso). Que a "minoria" se tenha assustado com este plano, depois de ter verificado que a coligação da "minoria" com os anti-iskristas era uma excelente confirmação da justeza desse plano - isso não nos espantou, era perfeitamente natural. Não podíamos, é claro, tomar a sério a proposta de nos transformarmos de livre vontade em minoria, antes da luta no congresso; nem podíamos tomar a sério toda a carta, cujos autores tinham atingido um grau de irritação inacreditável, a ponto de falarem de "falsas acusações de oportunismo". Tínhamos firme confiança de que o seu sentido do dever de partido bem depressa  triunfaria do desejo natural de "descarregar a raiva". 

k) Continuação dos Debates Sobre os Estatutos. Composição do Conselho. 

Os pontos seguintes dos estatutos suscitaram muito mais controvérsias sobre pormenores do que sobre princípios de organização. A 24.ª sessão do congresso foi inteiramente consagrada à questão da representação nos congressos do partido, e mais uma vez foi travada uma decidida e firme batalha contra os planos comuns a todos os iskristas apenas pelos bundistas (Goldblat e Líber, pp. 258-259) e pelo camarada Akímov, que, com meritória franqueza, reconheceu o seu papel no congresso: "sempre que uso da palavra, tenho plena consciência de que com os meus argumentos não terei influência sobre os camaradas; pelo contrário, prejudicarei o ponto que defendo" (p. 261). Esta justa observação foi particularmente oportuna logo após a discussão do §1 dos estatutos; simplesmente, a expressão "pelo contrário" não está muito bem aqui, visto que o camarada Akímov sabia não só prejudicar certos pontos, mas ao mesmo tempo, e por isso, "influenciar os camaradas"... entre os iskristas de espírito muito pouco consequente, inclinados à fraseologia oportunista.

No conjunto, o §3 dos estatutos, que fixa as condições de representação no congresso, foi aprovado por maioria, com 7 abstenções (p. 263), pertencentes sem dúvida ao número dos anti-iskristas.

O debate sobre a composição do Conselho, que ocupou a maior parte da 25.ª sessão do congresso, mostrou a extrema fragmentação dos argumentos em torno de um enorme número de projetos. Abramson e Tsariov rejeitaram totalmente o plano do Conselho. Pánine insistiu em querer fazer do Conselho exclusivamente um tribunal de arbitragem, e por isso, com perfeita consequência, propôs que se suprimisse a definição de que o Conselho é o organismo superior que pode ser convocado por dois dos seus membros (10). Herz e Rússov defenderam diferentes modos de constituição do Conselho, além dos três modos propostos pelos cinco membros da comissão dos estatutos.

As questões em discussão resumiam-se antes de mais à definição das funções do Conselho: tribunal de arbitragem ou organismo superior do partido? O camarada Pánine, como já disse, pronunciava-se consequentemente pela primeira. Mas estava sozinho. O camarada Mártov pronunciou-se vigorosamente contra: "Proponho a rejeição da proposta que pretende eliminar as palavras: "O Conselho é o organismo superior"; a nossa formulação (ou seja, a formulação das funções do Conselho, sobre a qual tínhamos chegado a acordo na comissão dos estatutos) deixa intencionalmente a possibilidade de o Conselho se transformar no organismo superior do partido. Para nós, o Conselho não é apenas um organismo de conciliação." Mas a composição do Conselho, segundo o projeto do camarada Mártov, correspondia inteira e exclusivamente ao caráter de "organismo de conciliação" ou tribunal de arbitragem: dois membros de cada um dos dois centros e um quinto convidado por estes quatro. Não só tal composição do Conselho, mas também a adotada pelo congresso, sob proposta dos camaradas Rússov e Herz (o quinto membro é designado pelo congresso), correspondem exclusivamente a objetivos de conciliação ou de mediação. Entre esta composição do Conselho e a sua missão de converter-se em organismo superior do partido há uma contradição irredutível. O organismo superior do partido deve ter uma composição constante, e não depender de mudanças fortuitas (por vezes devido a prisões) da composição dos centros. O organismo superior deve estar em relação direta com o congresso do partido, de quem receberá os seus poderes, e não de dois outros organismos do partido subordinados ao congresso. O organismo superior deve ser composto por pessoas conhecidas pelo congresso do partido. Por fim, o organismo superior  não pode ser organizado de maneira que a sua própria existência dependa do acaso: se os dois organismos coletivos não chegam a acordo para escolher um quinto membro, o partido fica sem organismo superior! A isto objetou-se: 1) que se um dos cinco se abstém e os outros quatro se dividem em dois grupos, a situação pode igualmente não ter saída (Egórov). Esta objeção carece de fundamento, porque a impossibilidade de tomar uma decisão é por vezes inevitável para qualquer organismo coletivo, mas isso é totalmente diferente da impossibilidade de constituir um organismo coletivo. Segunda objeção: "Se um organismo como o Conselho não é capaz de escolher o seu quinto membro, isso quer dizer que ele é incapaz de atuar em geral" (Zassúlitch). Mas não se trata aqui de que o organismo superior não seja capaz de atuar, mas de que este não existe: sem um quinto membro, não haverá Conselho algum, não haverá "organismo" algum e nem se poderá falar da sua capacidade de atuar. Por fim, ainda seria um mal remediável se se pudesse dar o caso de não se constituir um organismo coletivo do partido acima do qual haja outro organismo coletivo superior, pois então este organismo coletivo superior poderia sempre, em casos extraordinários, preencher a lacuna, de um modo ou de outro. Mas acima do Conselho não existe organismo coletivo algum, a não ser o congresso, e, por consequência, deixar nos estatutos uma possibilidade de não se poder nem sequer constituir o Conselho seria uma evidente falta de lógica.

As minhas duas breves intervenções no congresso sobre esta questão foram consagradas unicamente à análise (pp. 267 e 269)(11) destas duas objeções erradas, com as quais o projeto de Mártov foi defendido por ele próprio e outros camaradas. Quanto ao predomínio do OC ou do CC no Conselho, nem sequer lhe toquei. Esta questão foi levantada, pela primeira vez, mo sentido de chamar a atenção para o perigo de predomínio do OC, pelo camamarada Akímov já na 14ª sessão do congresso (p. 157), e foi só  Akímov que os camaradas Mártov, Axelrod e outros seguiram, depois do congresso, lançando a história absurda e demagógica segundo a qual a "maioria" queria transformar o CC num instrumento da redação. Analisando esta questão no seu Estado de Sítio, o camarada Mártov, modestamente, omitiu o seu verdadeiro iniciador!

Quem quiser tomar conhecimento, com todos os pormenores, da forma como foi posto o problema do predomínio do OC sobre o CC no congresso do partido, em vez de se limitar às citações desligadas do contexto, dar-se-á facilmente conta de que o camarada Mártov deturpa as coisas. Já na 14.ª sessão não foi outro senão o camarada Popov que começou por polemizar contra os pontos de vista do camarada Akímov que queria "defender na cúpula do partido "a mais estrita centralização"" para restringir a influência do OC (p. 154, sublinhado por mim), "que é no que realmente consiste o sentido deste sistema (de Akímov)". "Longe de defender tal centralização, acrescenta o camarada Popov, estou pronto a combatê-la de todas as maneiras, porque ela é a bandeira do oportunismo." E esta a raiz da famosa questão do predomínio do OC sobre o CC, e não é de admirar que o cada Mártov seja agora obrigado a silenciar a verdadeira origem deste problema. Até o camarada Popov não podia deixar de se aperceber do caráter oportunista das dissertações de Akímov sobre o predomínio do OC(12) e, para estabelecer uma distinção bem clara entre si e o camarada Akimov, o camarada Popov declarava categoricamente: "Pouco importa que este centro (o Conselho) seja composto por três membros da redação e dois membros do CC. E uma questão secundária (sublinhado por mim), o importante é que a direção, a direção suprema do partido, emane de uma única fonte" (p. 155). O camarada Akímov objeta: "O projeto concede ao OC o predomínio no Conselho, quanto mais não seja porque a composição da redação é permanente, enquanto a do CC é variável" (p. 157), argumento que se refere apenas ao "caráter permanente" da direção no terreno dos princípios (fato normal e desejável), mas de modo nenhum ao "predomínio" no sentido de uma ingerência ou de um atentado à autonomia. E o camarada Popov, que então não pertencia ainda à "minoria", a qual cobre o seu descontentamento com a composição dos centros com mexericos sobre a falta de independência do CC, responde ao camarada Akimov de modo muito razoável: "Eu proponho considerá-lo (o Conselho) o centro diretivo do partido, e então a questão de saber se o Conselho é composto por maior número de representantes do OC ou do CC não terá qualquer importância" (pp. 157-158. Sublinhado por mim).

Quando se voltou a tratar da composição do Conselho na 25.ª sessão, o camarada Pavlóvitch, prosseguindo os velhos debates, declara-se pelo predomínio do OC sobre o CC "dada a estabilidade do primeiro" (p. 264), entendendo por isso a estabilidade no domínio dos princípios, como também o entendeu o camarada Mártov que, tomando a palavra imediatamente depois do camarada Pavlóvitch, considerou desnecessário "estabelecer o predomínio de um organismo sobre outro" e indicou a possibilidade de um dos membros do CC residir no estrangeiro: "o que conservara ate certo ponto a estabilidade no CC no plano dos princípios" (264). Aqui não há ainda nem sombra de confusão demagógica da questão relativa à estabilidade dos princípios e à sua salvaguarda com a salvaguarda da autonomia e da independência do CC. Esta confusão, que se tornou depois do congresso o principal trunfo, ou quase, do camarada Mártov, só a defendeu com empenho no congresso o camarada Akímov, que já nesse momento falava "do espírito de Araktchéiev dos estatutos" (268), que "se no Conselho do partido houver três membros do OC, o CC tornar-se-á um simples instrumento da vontade da redação (sublinhado por mim). Três pessoas residentes no estrangeiro receberão poderes ilimitados (!!) para dispor do trabalho de todo (!!) o partido. Ficam salvaguardados no sentido da sua segurança pessoal e por isso o seu poder é vitalício" (268). Foi contra estas frases absolutamente absurdas e demagógicas, que substituem uma direção ideológica pela ingerência no trabalho de todo o partido (e que depois do congresso forneceram uma palavra de ordem barata ao camarada Axelrod para os seus discursos sobre a "teocracia"), foi contra isto que protestou novamente o camarada Pavlóvitch, sublinhando que era "a favor da estabilicidade e da pureza dos princípios que o Iskra representa. Dando predomínio à redação do Órgão Central fortaleço assim estes princípios" (268).

Eis como de fato se põe a questão do famoso predomínio do OC sobre o CC. Esta memorável "divergência de princípio" dos camaradas Axelrod e Mártov mais não é que a repetição das frases oportunistas e demagógicas do camarada Akímov, frases de cujo verdadeiro caráter até o camarada Popov apercebera claramente, quando ainda não tinha sofrido a derrota no que se refere à composição dos centros!

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Balanço da questão da composição do Conselho: a despeito das tentativas do camarada Mártov para provar no seu Estado de Sítio que a minha exposição na Carta à Redação é contraditória e errada, as atas do congresso mostram claramente que, em comparação com o §1, esta questão, de fato, é apenas um pormenor e que era verdadeira deformação total da verdade a declaração feita no artigo O Nosso Congresso (n.0 53 do Iskra) de tínhamos discutido "quase exclusivamente" a constituição dos organismos centrais do partido. Deformação tanto mais chocante quanto o autor do artigo ignorou completamente os debates sobre o §1. Além disso, as atas  mostram ainda que não havia um agrupamento determinado dos iskristas sobre a questão da composição do Conselho: não há votações nominais, Mártov separa-se de Pánine, eu estou de acordo com Popov, Egórov e Gússev mantêm-se à parte, etc. Enfim, a minha última afirmação (no congresso da "Liga da Social-Democracia Revolucionária Russa no Estrangeiro") e que se consolidava a coligação dos partidários de Mártov e dos anti-iskristas é igualmente confirmada pela viragem, hoje clara para todos, efetuada  pelos camaradas Mártov e Axelrod a favor de Akímov também nesta questão.

l) Conclusão dos Debates Sobre os Estatutos. Cooptação para os Centros. Saída dos Delegados da "Rabotcheie Delo" 

Dos debates posteriores sobre os estatutos (26.ª sessão do congresso), é digna de menção somente a questão relativa à limitação dos poderes do Comitê Central, questão que lança luz sobre o caráter dos ataques atuais dos matovistas ao hipercentralismo. Os camaradas Egórov e Popov tendiam a limitar o centralismo com um pouco mais de convicção, independentemente da sua candidatura própria ou da que propunham. Já na comissão dos estatutos eles tinham proposto que se limitasse o direito do CC de dissolver  os comitês locais exigindo a concordância do Conselho, e, mais ainda limitando-o a uma série de casos expressamente enumerados (p. 272, nota 1). .                Três membros da comissão dos estatutos (Glébov, Mártov e eu) declararam-se contra, e o camarada Mártov defendeu a nossa opinião no congresso (p. 273) respondendo a Egórov e Popov que "o CC não deixaria de dicutir mesmo assim antes de tomar uma decisão tão grave como a dossilução de uma organização". Como vedes, naquele momento o camarada Mártov ainda estava surdo a todas as pretensões anticentralistas, e o congresso rejeitou a proposta de Egórov e Popov; infelizmente, as atas não nos dizem por quantos votos.

No congresso do partido, o camarada Mártov declarou-se igualmente "contra a substituição da palavra organiza (o CC organiza comitês, etc., no § 6 dos estatutos do partido) pela palavra confirma. Também é preciso conferir o direito de organizar", dizia então o camarada Mártov, que ainda não tinha tido a maravilhosa idéia, que só descobriu no congresso da Liga, de que confirmar não cabe no conceito de "organizar".

À parte estes dois pontos, dificilmente se encontrará qualquer interesse no resto dos debates já totalmente dedicados a questões de pormenor relativas aos §§ 5-11 dos estatutos (pp. 273-276 das atas). O parágrafo 12 é relativo à cooptação em todos os organismos coletivos do partido em geral, e nos centros em particular. A comissão propõe que se aumente a maioria qualificada necessária à cooptação de 2/3 para 4/5.  O relator (Glébov) propõe a cooptação por unanimidade para o CC. O camarada Egórov, considerando indesejáveis as fricções declara-se a favor de uma simples maioria, na ausência de um veto fundamentado. O camarada Popov não está de acordo nem com a comissão nem com o camarada Egórov, e exige uma simples maioria (sem direito de veto) ou a unanimidade. O camarada Mártov não está de acordo com a comissão, nem com Glébov, nem com Egórov, nem com Popov; pronuncia-se contra a unanimidade, contra os 4/5 (a favor dos 2/3), contra a "cooptação recíproca", isto é, contra o direito da redação do OC de protestar contra a cooptação no CC e vice-versa ("o direito de controlo recíproco sobre a cooptação").

Como o leitor vê, surge o agrupamento mais variado, e as divergências fragmentam-se quase ao ponto de chegar a particularidades "pessoais" no ponto de vista de cada delegado!

O camarada Mártov diz: "Reconheço a impossibilidade psicológica de trabalhar com pessoas desagradáveis. Mas a nós importa-nos igualmente que a nossa organização seja viva e tenha capacidade de atuar....Em caso de cooptação, o direito de controlo recíproco do CC e da redação do OC não é necessário. Se sou contra, não é porque pense que um possa ser incompetente na jurisdição do outro. Não! A redação do OC, por exemplo, poderia dar ao CC um bom conselho: se convinha, por exemplo, admitir o senhor Nadéjdine no CC. Protesto porque não quero que se crie uma série de trâmites que produzam irritação recíproca."

Eu objetei-lhe: "Temos aqui duas questões. A primeira é relativa am maioria qualificada, e sou contra a proposta de baixá-la de 4/5 para 2/3, Admitir um protesto fundamentado não é razoável, e sou contra. A segunda questão, relativa ao direito de controlo recíproco do CC e do OC sobre a cooptação é muitíssimo mais importante. O acordo recíproco dos dois centros é condição indispensável de harmonia. Trata-se aqui da ruptura entre os dois centros. Quem não quiser a cisão tem que velar para que haja harmonia. A vida do partido ensina-nos que houve pessoas que semearam a cisão. E uma questão de princípio, uma questão importante, de que pode depender todo o futuro do partido" (276-277)". Este é o texto integral do resumo feito no congresso do meu discurso, ao qual Mártov atribui uma importância particularmente séria. Infelizmente, embora atribuindo-lhe essa importância, ele não se deu ao trabalho de a ligar a todos os debates e a toda a situação política do congresso na ocasião em que foi pronunciado este discurso.

Em primeiro lugar, cabe perguntar: porque é que no meu projeto inicial (ver p. 394, § 11) (13) me limitei aos 2/3 e não exigia o controlo recíproco sobre a cooptação para os centros? O camarada Trótski, que falou depois de mim), levantou imediatamente esta questão.

O meu discurso no congresso da Liga e a carta do camarada Pavlóvitch sobre o 11 congresso respondem a esta pergunta. O §1 dos estatutos "quebrou o vaso", e havia que amarrá-lo com um "nó duplo", dizia eu no congresso da Liga. Isso significava em primeiro lugar que, a propósito de uma questão puramente teórica, Mártov se revelou oportunista, e que o seu erro tinha sido defendido por Líber e Akímov. Isso significava, em segundo que a coligação dos martovistas (ou seja, de uma insignificante minoria dos iskristas) com os anti-iskristas lhes dava a maioria no congresso na votação da composição pessoal dos centros. E eu falava então precisamente da composição pessoal dos centros, sublinhando a necessidade de harmonia e advertindo contra as "pessoas que semeavam a cisão". Esta advertência tornou com efeito uma grande importância de princípio, porque a organização do Iskra (mais competente, sem dúvida, quanto à composição pessoal dos centros, visto que conhece mais de perto todos os assuntos na prática e os candidatos), já tinha emitido o seu voto consultivo sobre esta questão e tinha tomado a decisão que conhecemos sobre as candidaturas que lhe provocavam receios. Tanto do ponto de vista moral como no que se refere à essência do assunto (ou seja, quanto à competência daquele que decide), a organização do Iskra devia desempenhar um papel decisivo nesta questão tão delicada. Mas formalmente o camarada Mártov tinha sem dúvida todo o direito de apelar para os Líber e os Akímov, contra a maioria da organização do Iskra. E no seu brilhante discurso sobre o § 1, o camarada Akímov disse em termos notavelmente claros e inteligentes que, quando constata entre os iskristas um desacordo sobre os meios de atingir o seu objetivo comum, iskrista, vota conscientemente e de propósito a favor do pior meio, visto que os objetivos dele, Akímov, são diametralmente opostos aos dos iskristas. Era, pois fora de dúvida que, mesmo independentemente da vontade e da consciência do camarada Mártov, seria precisamente a pior composição pessoal dos centros que obteria o apoio dos Líber e dos Akímov. Eles podem votar, eles devem votar (a julgar não pelas suas palavras, mas pelos seus atos, pelo seu voto sobre o § 1), precisamente a favor da lista que pudesse prometer a presença de "pessoas que semeassem a cisão", votar precisamente para "semear a cisão". Será para admirar que, perante tal situação, eu tenha falado de uma importante questão de principio (harmonia dos dois centros) de que podia depender todo o futuro do partido?

Nenhum social-democrata minimamente a par das idéias e dos planos iskristas e da história do movimento, que partilhasse com alguma sinceridade estas idéias, podia duvidar um só momento de que a solução, pelos Líber e pelos Akímov, do debate no seio da organização do Iskra sobre a composição pessoal dos centros era formalmente justa, mas assegurava os piores resultados possíveis. Era imperioso lutar contra estes piores resultados possíveis.

Põe-se a questão: como lutar? Não foi pela histeria nem pelos escandalozinhos, bem entendido, que nós lutamos, mas por meios perfeitamente leais e perfeitamente legítimos: compreendendo que estávamos em minoria (do mesmo modo que no § 1), pedimos ao Congresso que salvaguardasse os direitos da minoria. Quer se tratasse duma maior severidade quanto à qualificação na admissão dos membros (os 4/5 em vez dos 2/3), ou da unanimidade na cooptação, ou do controlo recíproco sobre a cooptação para os centros, defendemos tudo isto quando nos vimos em minoria na questão da composição pessoal dos centros. Este fato é constantemente ignorado pelos Joões e os Pedros, que gostam de falar e dar opiniões sobre o congresso irrefletidamente, depois de duas ou três conversas entre amigos, sem um estudo sério de todas as atas e de todos os "testemunhos" das pessoas interessadas. E quem quiser estudar com consciência estas atas e estes testemunhos chegará infalivelmente ao fato que indiquei: a raiz da discussão neste momento do congresso estava precisamente no problema da composição pessoal dos centros, e nós procurávamos conseguir condições mais rigorosas de controlo, justamente porque estávamos em minoria e queríamos  "amarrar com nó duplo o vaso" quebrado por Mártov com alegria e com a alegre participação dos Líber e dos Akímov.

"Se assim não fosse - diz o camarada Pavlóvitch evocando esse momento do congresso - apenas restaria supor que, ao propor o ponto da unanimidade na cooptação, estaríamos a cuidar dos interesses dos nossos adversários, porque, para o partido dominante em qualquer organismo, a unanimidade é não só inútil, mas até desvantajosa" (p. 14 da Carta sobre o II Congresso). Mas atualmente esquece-se demasiadas vezes a cronologia dos fatos, esquece-se que durante todo um período do congresso a atual minoria era maioria (graças à participação dos Líber e dos Akímov), que é precisamente a este período que corresponde o debate da cooptação para os centros, debate cuja razão subjacente era a divergência na organização do Iskra sobre a composição pessoal dos centros. Quem se der conta deste fato compreenderá também a paixão dos nossos debates e já não se admirará desta contradição aparente, em que pequenas divergências de pormenor fazem surgir questões verdadeiramente importantes, questões de princípio.

O camarada Deutsch, que usou da palavra na mesma sessão (p. 277) tinha bastante razão quando declarou: "Sem dúvida que esta proposta esta calculada para o momento atual". De fato, só compreendendo o momento atual em toda a sua complexidade se pode compreender o verdadeiro sentido da discussão. E é de extraordinária importância não perder de vista que quando nós estávamos em minoria defendemos os direitos da minoria com processos que todo o social-democrata europeu reconhece serem legítimos e admissíveis: ou seja, pedindo ao congresso um controlo mais severo sobre a composição pessoal dos centros. Do mesmo modo, o camarada Egórov tinha bastante razão quando dizia também no congresso, mas noutra sessão: "Admira-me muito ouvir de novo nos debates referências aos princípios"... (Isto a propósito das eleições para o CC, na 31.ª  sessão do congresso, isto é, se não me engano, quinta-feira de manhã, enquanto a 26.ª sessão, de que falamos agora, foi numa segunda-feira à noite)... "Parece-me claro para toda a gente que nestes últimos dias todos os debates giraram não à volta desta ou daquela maneira de colocar o assunto em princípio, mas exclusivamente à volta da forma de assegurar ou impedir o acesso aos organismos desta ou daquela pessoa. Confessemos que os princípios desapareceram já há muito tempo deste congresso, e chamemos as coisas pelos seus verdadeiros nomes.(Hilaridade geral. Muraviov:"Peçoquese Peço que se faça constar na ata que o camarada Mártov sorriu")" (p. 337). Não admira camarada Mártov, tal como todos nós, tenha rido às gargalhadas das lamentações, verdadeiramente risíveis, do camarada Egórov. Sim, "nos últimos dias" muitas coisas giraram à volta da questão da composição dos centros. Isso é verdade. Com efeito, a coisa era clara para toda a gente no congresso (e só agora a minoria tenta obscurecer este fato claro).

Enfim, também é verdade que importa chamar as coisas pelos seus verdadeiros nomes. Mas, por amor de Deus, para que é aqui chamado o "perder os princípios"?? Reunimo-nos neste congresso (ver p. 10, ordem do dia do congresso precisamente para nos primeiros dias falar do programa, da tática dos estatutos e resolver questões correspondentes, e falar nos últimos dias (pontos 18-19 da ordem do dia) da composição pessoal dos centros, e sobre essas questões. E um fenômeno natural e inteiramente, inteiramente legítimo dedicar os últimos dias dos congressos à luta pela batuta de maestro. (Mas quando, para conquistar essa batuta, se batem depois do congresso, já só é uma querela mesquinha.) Se no congresso alguém sofreu rota na questão da composição pessoal dos centros (como o camarada Egórov), é simplesmente ridículo falar, depois disso, de "perder os princípios". É natural, portanto, que toda a gente tenha rido do camarada Egórov. É compreensível também por que razão o camarada Muraviov pediu para fazer constar na ata a participação do camarada Mártov nesse riso: o camarada Mártov, ao rir-se do camarada Egórov, riu-se de si próprio...

Para completar a ironia do camarada Muraviov, talvez não seja supérfluo comunicar o seguinte fato. Depois do congresso, o camarada Mártov, como se sabe, afirmou a quem o quis ouvir que a razão principal da nossa divergência está precisamente na questão da cooptação para os centros, que "a maioria da antiga redação" se manifestou terminantemente contra o controle recíproco sobre a cooptação para os centros. Antes do congresso, ao aceitar o meu projeto de eleição de dois grupos de três, com uma cooptação recíproca de 2/3, o camarada Mártov escrevia-me a propósito disso: "Aceitando esta forma de cooptação recíproca, convém notar que depois do congresso cada organismo completará o número dos seus membros na base de princípios um pouco diferentes (eu recomendaria o seguinte método: cada organismo coopta novos membros dando a conhecer as suas intenções ao outro organismo; este último pode protestar, e então a controvérsia é resolvida pelo Conselho. Para que não haja trâmites morosos, este processo deveria aplicar-se a candidatos pro postos antecipadamente pelo menos para o CC, candidatos entre os quais a cooptação se pode fazer mais depressa). Para sublinhar que no futuro a cooptação se fará segundo um processo que será previsto pelos estatutos do partido, é preciso acrescentar ao § 22(15): "... que confirmará as decisões adotadas"" (sublinhado por mim).

Sem comentários.

Depois de ter explicado o significado do momento em que teve lugar a discussão sobre a cooptação para os centros, precisamos de nos deter um pouco nas votações referentes a este ponto; é inútil alongarmo-nos sobre os debates, porque depois do discurso do camarada Mártov e do meu, que citei, só houve curtas réplicas, nas quais tomou parte um número insignificante de delegados (ver pp. 277-280 das atas). Quanto às votações, o camarada Mártov afirmou no congresso da Liga que na minha exposição eu fiz "a maior falsificação" (p. 60 das atas da Liga) "ao apresentar a luta à volta dos estatutos"... (o camarada Mártov enunciou sem querer uma grande verdade: depois do § 1, justamente à volta dos estatutos, desenvolveram-se acalorados debates)... "como uma luta do Iskra contra os martovistas que tinham feito uma coligação com o Bund".

Vejamos de perto esta interessante questão relativa à "maior falsificação". O camarada Mártov junta as votações sobre a composição do Conselho às votações sobre a cooptação, e cita oito votações: 1) Eleição para o Conselho de dois membros pelo OC e de outros dois pelo CC: 27 a favor (M), 16 contra (L), 7 abstenções(16). (Anotemos entre parêntesis que nas atas, p. 270, o número de abstenções se eleva a 8, mas isto é um pormenor.) 2) Eleição do quinto membro do Conselho pelo congresso: 23 a favor (L), 18 contra (M), 7 abstenções. 3) Substituição pelo próprio Conselho dos membros saídos do Conselho: 23 contra (M), 16 a favor (L), 12 abstenções. 4) unanimidade no CC: 25 a favor (L), 19 contra (M), 7 abstenções. 5) Exigência de um protesto fundamentado para que um membro não seja admitido: 21 a favor (L), 19 contra (M), 11 abstenções. 6) Unanimidade na cooptação para o OC: 23 a favor (L), 21 contra (M), 7 abstenções. 7) Possibilidade de uma votação sobre o direito do Conselho de anular as decisões do do CC sobre a não-admissão de um novo membro: 25 a favor (M), 19 contra (L), 7 abstenções. 8) A própria proposta respeitante ao ponto anterior: 24 a favor (M), 23 contra (L), 4 abstenções. "Neste caso é evidente - conclui o camarada Mártov (p. 61 das atas da Liga) -que um delegado do Bund votou a favor da proposta e os outros se abstiveram."  (Sublinhado por mim.)

Cabe perguntar: porque considera o camarada Mártov evidente que um delegado do Bund tenha votado por ele, por Mártov, quando não houve votações nominais?

Porque se fixa no número de votantes, e, quando este número indica a participação do Bund na votação ele, o camarada Mártov, não duvida que participação tenha sido a seu favor, de Mártov.

Donde resulta aqui a "maior falsificação" minha?

Havia no total 51 votos; sem os bundistas, 46; sem os partidários da Robótcheje Dielo, 43. Em sete votações das oito citadas pelo camarada Mártov, tomaram parte 43, 41, 39, 44, 40,44 e 44 delegados; numa votação tomaram parte 47 delegados (ou melhor, houve 47 votos), e aqui o próprio camarad Mártov reconhece que foi apoiado por um bundista. Evidencia-se assim que o quadro traçado por Mártov (e traçado de maneira incompleta, vê-lo-emos daqui a pouco) vem apenas confirmar e reforçar a minha exposição da luta! Em muitos casos foi muito elevado o número de abstenções: isto mostra o interesse relativamente pequeno de todo o congresso por certos pormenores; mostra a ausência de um agrupamento perfeitamente definido tas sobre estas questões. A afirmação de Mártov de que os bundistas "com a sua abstenção prestam um apoio evidente a Lénine" (p. 62 das atas  da liga) fala justamente contra Mártov: portanto, somente na ausência dos bundistas ou com a sua abstenção eu podia por vezes contar com a vitória. Mas sempre que os bundistas consideravam que valia a pena intervir na luta, eles apoiavam o camarada Mártov; e tal intervenção verificou-se não só no caso citado da participação dos 47 delegados. Quem quiser consultar as atas do congresso dar-se-á conta de que o quadro traçado pelo camarada Mártov é de modo muito estranho incompleto. O camarada Mártov omitiu simplesmente ainda outros três casos em que o Bund participou na votação, com o pormenor de que o camarada Mártov, bem entendido, saiu vitorioso em todos estes casos. Eis aqui estes casos: 1) Adopta-se a alteração proposta pelo camarada Fomine, que reduz a maioria qualificada de 4/5  para 2/3: 27 a favor, 21 contra (p. 278), participaram portanto 48 votos. 2) Adopta-se a proposta do camarada Mártov para a supressão da cooptação recíproca: 26 a favor, 24 contra (p. 279), participaram pois na votação 50 votos. Enfim, 3) É rejeitada a minha proposta de admitir a cooptação para o OC e o CC exclusivamente com o assentimento de todos os membros do Conselho (p. 280): 27 contra, 22 a favor (houve mesmo votação nominal, que infelizmente não está registrada nas atas), portanto 49 votos.

Resultado: quanto à cooptação para os centros, os bundistas participaram somente em quatro votações (as três votações que acabo de citar, com 48, 50 e 49 votantes, e uma citada pelo camarada Mártov, com 47 votantes). Em todas estas votações o camarada Mártov saiu vitorioso. A minha exposição revelou-se exata em todos os seus pontos, quando falo da coligação com o Bund, quando constato o caráter de somenos importância das questões (muitíssimos casos com um número considerável de abstenções), quando digo que não há agrupamento definido dos iskristas (não há votações nominais; muito poucos oradores nos debates).

A tentativa do camarada Mártov de encontrar uma contradição na minha exposição não passou de uma tentativa feita com meios inadequados, visto que o camarada Mártov destacou palavras isoladas sem se dar ao trabalho de restabelecer todo o quadro.              

O último parágrafo dos estatutos, dedicado à questão da organização no estrangeiro, mais uma vez provocou debates e votações particularmente característicos do ponto de vista dos agrupamentos no congresso. Tratava-se de reconhecer a Liga como organização do partido no estrangeiro. Claro, o camarada Akímov insurgiu-se imediatamente, recordando a União no estrangeiro aprovada pelo primeiro congresso e chamando a atenção para o significado de princípio da questão. "Devo esclarecer primeiramente - declarou - que não atribuo grande valor prático a esta ou àquela solução do problema. A luta ideológica que se tem desenvolvido até agora no nosso partido sem dúvida que ainda não terminou; mas ela prosseguirá noutros planos e com outro agrupamento de forças... No §13 dos estatutos mais uma vez ficou refletida, e de modo muito marcado, a tendência para fazer do nosso congresso, em vez de um congresso do partido, um congresso fracionário. Em vez de obrigar todos os sociais-democratas da Rússia a inclinarem-se perante as decisões do congresso do partido, em nome da unidade do partido, unindo todas as organizações do partido, propõe-se ao congresso que dissolva a organização da minoria, que obrigue esta a desaparecer" (281). Como o leitor vê, a "continuidade", que se tornou agora tão cara ao camarada Mártov depois da sua derrota na questão da composição dos centros, não era menos cara ao camarada Akímov. Mas, no congresso, os que têm bitolas diferentes para si e para os outros levantaram-se apaixonadamente contra o camarada Akímov. Apesar da adoção do programa, do reconhecimento do Iskra e da adopção quase integral dos estatutos, traz-se para a cena precisamente o "principio" que separava "em princípio" a Liga da União. "Se o camarada Akímov pretende pôr a questão no plano dos princípios - exclama o camarada Mártov -, não temos nada contra isso; sobretudo porque o camarada Akímov falou das combinações possíveis na luta contra duas tendências. O triunfo de uma tendência deve sancionar-se (notem que isto foi dito na 27~a sessão do congresso!) não no sentido de se poder fazer uma nova reverência ao Iskra, mas no de abandonar definitivamente todas as combinações possíveis de que falou o camarada Akimov" sublinhado por mim).

Quadro: o camarada Mártov, depois de encerradas todas as discussões sobre o programa no congresso, continua ainda a abandonar definitivamente todas as combinações possíveis...enquanto não sofreu ainda uma derrota na questão da composição dos centros! O camarada Mártov, no congresso, "abandona definitivamente" a possível "combinação" que com tanto êxito põe em prática imediatamente a seguir ao congresso. Mas o camarada Akímov já então se mostrou bem mais perspicaz do que o camarada Mártov; o camarada Akímov invocou os cinco anos de trabalho "da velha organização do partido que, por decisão do primeiro congresso, tinha o nome de comitê", e acabou com uma ultravenenosa e providencial alfinetada: "Quanto à opinião do camarada Mártov de que são vãs as minhas esperanças de ver nascer uma tendência nova no nosso partido, devo dizer que mesmo ele próprio me dá esperanças" (p. 283. Sublinhado por mim).

Sim, temos de reconhecer que o camarada Mártov justificou brilhantemente as esperanças do camarada Akimov!

O camarada Mártov seguiu o camarada Akímov, convencido que este tinha razão, depois de ter sido rompida a "continuidade" do antigo organismo de direção coletiva do partido, que se considerava a funcionar há três anos. A vitória do camarada Akímov não lhe ficou muito cara.

No congresso, no entanto, só os camaradas Martínov, Brúker e os bundistas (8 votos) se colocaram ao lado de Akímov, e de um modo consequente. O camarada Egórov, como verdadeiro chefe do "centro", prefere o áureo meio termo: está de acordo, vejam bem, com os iskristas, "simpatiza" com eles (p. 282) e prova esta simpatia propondo (p. 283) que se passe por alto toda a questão de princípios levantada, que não se fale nem da Liga nem da União. A proposta é rejeitada por 27 votos contra 15. E evidente que, além dos anti-iskristas (8), quase todo o "centro" (10) vota com o camarada Egórov  (o total de votos é de 42, de modo que um importante número se absteve ou esteve ausente, como aconteceu muitas vezes com votações pouco interessantes ou cujo resultado era indubitável). Desde que se trate de levar à prática os  princípios iskristas, logo se confirma que a "simpatia" do "centro" é puramente verbal, e que apenas nos seguem trinta votos ou pouco mais. A discussão e a votação da proposta de Rússov (reconhecer a Liga como a única organização no estrangeiro) provam-no ainda mais claramente. Os anti-iskristas e o "pântano" adotam já francamente um ponto de vista de princípios, defendido além do mais pelos camaradas Líber e Egórov, que declaram que a proposta do camarada Rússov é ilegítima e não pode ser votada. "Com ela todas as outras organizações no estrangeiro são condenadas ao massacre" (Egórov). E o orador, que não quer participar no "massacre das organizações", não só recusa votar como até sai da sala. E preciso no entanto fazer justiça ao líder do "centro": ele dá provas (nos seus princípios errados)  de uma convicção e de uma coragem política dez vezes mais fortes do que o camarada Mártov e C.ª, ele intercedeu a favor da organização "que se massacrava" não apenas quando se tratava do seu próprio círculo, que tinha sofrido uma derrota em luta aberta.

A proposta do camarada Rússov é considerada admissível à votação por 27 votos contra 15; é em seguida aprovada por 25 contra 17. Acrescentando a estes 17 o camarada Egórov, ausente, obtemos o conjunto completo (18) de antr-ískristas e do "centro".

Todo o § 13 dos estatutos sobre a organização no estrangeiro é aprovado apenas por 3l votos contra 12 e seis abstenções. Este número, 31, que nos dá aproximadamente o número de iskristas no congresso, isto é, os que defendem com consequência e aplicam na prática as concepções do Iskra, encontramo-lo pelo menos já pela sexta vez na análise das votações do congresso (o lugar da questão do Bund, o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi e duas votações sobre o programa agrário). E o camarada Mártov quer fazer-nos crer, a sério, que não há qualquer razão para apontar um grupo tão "reduzido" de iskristas!

Não se pode deixar de assinalar também que a aprovação do §13 dos estatutos suscitou debates extremamente característicos a propósito da declaração dos camaradas Akímov e Martínov sobre a "recusa de participar na votação" (p. 288). O bureau do congresso examinou esta declaração e reconheceu - com toda a justiça - que nem mesmo a dissolução direta da União daria qualquer direito aos delegados da União de se recusarem a participar nos trabalhos do congresso. A recusa de votar é sem dúvida um fato anormal e inadmissível, este o ponto de vista que com o bureau todo o congresso adotou, incluindo os iskristas da minoria, que, na 28ª sessão, vivamente reprovaram o que eles próprios viriam a fazer na 31.ª sessão! Quando o camarada Martínov se pôs a defender a sua declaração (p. 291), ergueram-se contra ele tanto Pavlóvitch como Trótski, Kárski e Mártov. O camarada Mártov compreendeu com peculiar clareza os deveres de uma minoria descontente (enquanto ele próprio não ficou em minoria!) e discorreu sobre eles num tom particularmente didático. "Ou sois membros do congresso - exclamava dirigindo-se aos camaradas Akímov e Martínov -, e então deveis participar em todos os seus trabalhos" (sublinhado por mim; neste momento o camarada Márrov não via ainda formalismo e burocratismo na submissão da minoria à maioria!), "ou não sois membros do congresso, e então não podeis continuar na sessão ... Pela sua declaração, os delegados da União obrigam-me a fazer-lhes duas perguntas: são membros do partido, são membros do congresso?" (p. 292).

O camarada Mártov ensina ao camarada Akimov os deveres que incumbem aos membros do partido! Mas não foi em vão que o camarada Akímov disse que depositava certas esperanças no camarada Mártov ... Estas esperanças viriam a converter-se em realidade, mas só depois da derrota do camarada Mártov nas eleições. Quando não se tratava de si próprio, mas dos outros, o camarada Mártov permanecia surdo, mesmo à terrível expressão "lei de exceção" lançada pela primeira vez (se não me engano) pelo camarada Martinou. "As explicações que nos foram dadas - respondeu o camarada Martínov aos que procuraram convencê-lo a retirar a sua declaração - não puseram a claro se se tratava de uma decisão de princípio ou de uma medida de exceção contra a União. Neste caso, consideramos que se fez um ultraje à União. O camarada Egórov, como nós próprios, tem a impressão que se trata de uma lei de exceção (sublinhado por mim) contra a União, e por isso abandonou mesmo a sala (295). Tanto o camarada Màrtov como o camarada Trótski, com Plekhánov, erguem-se energicamente contra a idéia absurda, realmente absurda, de ver um ultraje na votação do congresso, e o camarada Trótski, defendendo a resolução adotada por proposta sua pelo congresso (segundo a qual os camaradas Akímov e Martínov podem considerar-se perfeitamente satisfeitos), assegura que "a resolução se reveste de um caráter de princípio e não de um caráter filistino, e náo nos importa que alguém se sinta ultrajado por ela" (p. 296). Todavia, bem depressa se revelou que a mentalidade de círculo e o espírito filistino eram ainda demasiado fortes no nosso partido, e as palavras orgulhosas que sublinhei revelaram-se uma frase oca altissonante.

Os camaradas Akímov e Martínov recusaram-se a retirar a sua declaração e deixaram o congresso no meio das exclamações gerais dos delegados:

"Absolutamente injustificado!"


Notas:

(1) Já no congresso da Liga eu procurei expor, com a maior brevidade possível, o que sucedeu nas reuniões privadas, para evitar discussões sem solução. Os fatos fundamentais ficam também expostos na minha Carta à Redação do "Iskra" (p. 4). O camarada Mártov não protestou contra eles na sua Resposta.(retornar ao texto)

(2) Tentai imaginar este "quadro de costumes": um delegado da organização do Iskra no congresso reúne-se sozinho com ela e não diz uma única palavra a propósito da reunião com o CO. Mas depois da sua derrota tanto nesta organização, como no congresso, põe-se a lamentar que não tenha sido confirmado o CO, a contar-lhe loas com data atrasada e a ignorar altivamente a organização que lhe tinha outorgado o mandato! Podemos garantir que não há fato análogo na história de nenhum partido verdadeiramente social-democrata e verdadeiramente operário.(retornar ao texto)

(3) O camarada Mártov queixou-se amargamente na Liga da dureza da minha desaprovação, sem notar que das suas queixas se extraia um argumento contra si próprio. Lénine comportou-se - para nos servirmos da sua expressão - freneticamente (p. 63 das atas da Liga). Exacto. Bateu com a porta. É verdade. Com a sua conduta indignou (na segunda ou terceira reunião da organização do lskra) os membros que ficaram na reunião. Correto. - Mas que se conclui daí? Unicamente que os meus argumentos sobre o fundo das questões em disputa eram convincentes e foram confirmados pelo desenrolar do congresso. Porque o certo é que se nove dos dezesseis membros da organização do Iskra, no fim de contas, se aliaram a mim, é claro que isso aconteceu apesar destas asperezas malignas, a despeito delas. Portanto, se não tivesse havido "asperezas", talvez mais de nove membros tivessem estado do meu lado. Portanto, tanto mais convincentes eram os argumentos e os fatos se tão grande foi a "indignação" que tiveram de contrabalançar.(retornar ao texto)

(4) Também propus na organização do Iskra e, como Mártov, não consegui fazê-lo triunfar, um candidato para o CC, de cuja magnífica reputação, demonstrável por fatos excepcionais, teria eu podido falar antes do congresso e no início do mesmo. Mas não está na minha idéia fazê-lo. Este camarada tem dignidade suficiente para não permitir a ninguém, depois do congresso, propor em letra de forma a sua candidatura ou queixar-se de enterros políticos, de destruição de reputação, etc.(retornar ao texto)

(5) Ver V.I. Lenine, Obras Completas, 5ª ed. Em russo, t. 8, p. 100. (N.Ed)(retornar ao texto)

(6) Segundo meus cálculos [Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, p. 481. (N. Ed.)] a data mencionada na carta corresponde a uma terça-feira. A reunião efetuou-se numa terça-feira à noite, ou seja, depois da 28.ª sessão do congresso. Este dado cronológico é muito importante. Ele refuta documentalmente a opinião do camarada Mártov segundo a qual nós nos teríamos separado a propósito da questão da organização dos centros, e não da questão da sua composição pessoal. Ele mostra documentalmente a justeza da minha exposição no congresso da Liga e na Carta à Redação. Depois da 28.ª  sessão do congresso os camaradas Mártov e Starover falam largamente de uma falsa acusação de oportunismo, e não dizem uma palavra do desacordo que se verificou sobre a composição do Conselho ou sobre a cooptação para os centros (o que discutimos nas 25.ª, 26.ª e 27.ª sessões).(retornar ao texto)

(7) As linhas precedentes estavam já compostas quando recebemos notícias do incidente do camarada Gússev e do camarada Deutsch. Analisaremos este incidente separadamente, no anexo (ver o presente tomo, pp. 370-376. - N. Ed)(retornar ao texto)

(8) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 7, p. 288. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(9) Eis tudo. (N. Ed.)(retornar ao texto)

(10) O camarada Starover inclinava-se também, pelos vistos, para o ponto de vista do camarada Pánine, com a única diferença de que este último sabia o que queira, e, com toda a consequência, propunha resoluções que convertiam o Conselho em organismo puramente arbitral, de conciliação, enquanto o camarada Starover não sabia o que queria ao dizer que, segundo o projeto, o Conselho devia reunir-se "apenas quando o desejassem as partes" (p. 266). Isto é francamente inexato. (retornar ao texto)

(11) Ver V.I. Lénine, Obras Completas, 5.ª  ed, em russo, t. 7, p. 292. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(12) Nem o camarada Popov, nem o camarada Mártov, se importavam de chamar oportunista ao camarada Akímov, e só começaram a zangar-se e a indignar-se no momento em que se aplicou esse nome a eles próprios, muito justamente de resto, a propósito da igualdade de direitos das línguas" ou do § 1. O camarada Akímov, cujos passos o camarada Mártov seguiu, soube no entanto comportar-se no congresso do partido com mais dignidade e mais coragem do camarada Mártov e C.ª no congresso da Liga. "Chamam-me aqui oportunista - dizia o camarada Akímov no congresso do partido -; quanto a mim, acho que é um termo insultuoso, uma injúria, e penso não ter merecido de modo nenhum; contudo não protesto" (p. 296). Talvez os camaradas Mártov e Starover tenham convidado o camarada Akímov a subscrever o seu protesto contra a falsa acusação de oportunismo, e o camarada Akímov recusou?(retornar ao texto)

(13) V, I. Lénine, Obras Completas, 5.ª ed. em russo, t. 7, p. 293. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(14) Ver ibidem, p. 257. (N. Ed.)

(15) Trata-se do meu projeto inicial de Tagesordnung (ordem do dia - N. Ed.) do congresso e do comentário que o acompanhava, projeto conhecido por todos os delegados. O § 22 deste projeto previa justamente a eleição de dois grupos de três para o OC e o CC, a "cooptação recíproca" por estes seis por maioria de 2/3, a confirmação desta cooptação recíproca pelo congresso e a cooptação independente ulterior para o OC e o CC. (retornar ao texto)

(16) As letras M e L entre parêntesis mostram de que lado estava eu (L) e de que lado estava Mártov (M).(retornar ao texto)

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Inclusão 27/12/2002