Poder mundial e crise financeira

Robert Kurz

18 de julho de 2008


Primeira Edição: Original WELTMACHT UND FINANZKRISE em www.exit-online.org. Publicado em “Neues Deutschland”, 18.07.2008

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


O poder político-militar pode tornar-se potência económica. Mas, apesar disso, esse poder não está em posição de afastar duradouramente as leis de funcionamento do capitalismo, mesmo que influencie as formas de desenvolvimento da história do mercado mundial. Capital mundial precisa de dinheiro mundial como padrão de medida das relações monetárias. Disso dependem o comércio mundial e o sistema financeiro global. Como a ligação do dólar ao ouro foi cortada em 1973, passou para o lugar do ouro a máquina militar sem concorrência dos EUA, com a sua “economia de guerra permanente”. A função de poder de garantia global e a ideologia do “porto seguro” tornaram-se poder económico; o dólar-armamento passou para o lugar do dólar-ouro. É neste constructo que se baseiam a globalização, a economia das bolhas financeiras e a conjuntura de deficit dos últimos vinte anos. O preço foi um endividamento externo dos EUA em dimensões astronómicas.

No debate sobre a crise financeira crescente, cujo epicentro é constituído pelo sistema bancário dos EUA, é suspeito que pouco se fale da função de dinheiro mundial do dólar. Todos sabem que nem o Euro nem qualquer outra moeda pode assumir este papel. Um regresso à ligação ao ouro é impossível na base das estruturas de endividamento global e tão-pouco se vislumbra um poder militar alternativo; ele seria igualmente impossível de financiar. Porém, a crise financeira, cujo fim não está à vista, coloca fundamentalmente em questão o constructo da economia do dólar. Presentemente, a Reserva Federal dos EUA esgota as munições apenas para salvar os balanços dos bancos e evitar a fusão nuclear do sistema financeiro. Já não resta qualquer opção para injecções adicionais na conjuntura, tanto mais que o sector público dos EUA está altamente endividado a todos os níveis e a quota de poupança é ínfima.

Com isto há o perigo de cair a pique não só a conjuntura de deficit, mas também a capacidade de financiamento da “economia de guerra permanente”. Os EUA precisam de um afluxo diário de vários milhares de milhões de dólares de capital monetário global. Enquanto funcionou este afluxo, a guerra do ordenamento mundial pôde aparentemente ser financiada pela caixa para despesas postais, sem grandes efeitos sobre a economia mundial. Porém, a queda do dólar face ao euro, tal como a fuga para o ouro, assinala que essa fonte começa a secar. Faz-se notar também uma enorme pressão de valorização sobre as moedas asiáticas. Segundo as contas do ex-presidente do Banco Mundial, Josef Stieglitz, só a guerra do Iraque, com todos os seus efeitos colaterais, custou mais de um bilião de dólares. Não faltarão consequências dramáticas da crise financeira para os custos do armamento e da guerra nos próximos anos.

Os anúncios feitos sem condições por ambos os candidatos presidenciais de gigantescos programas conjunturais não passam de fumaça; quanto ao financiamento da máquina militar e das suas intervenções nem uma palavra. Na realidade, o próximo presidente dos Estados Unidos terá de pagar as favas do desastre financeiro. Se a guerra do ordenamento mundial fracassar, extingue-se também a função da potência de garantia global e chega ao fim o dólar-armamento. Então não haverá objectivamente qualquer possibilidade de revalorizar outra vez o dólar, através de meras declarações diplomáticas, por exemplo dos ministros das finanças e dos presidentes dos bancos centrais do G-8. As consequências estão à vista. O comércio mundial no quadro da globalização poderá ser estrangulado, não só pelo fim do milagre do consumo dos EUA, mas também por uma crise monetária global, na sequência da crise do dólar.


Inclusão: 28/12/2019