O crepúsculo dos deuses na Volkswagen
Do corporativismo político à dinastia de clã

Robert Kurz

2 de janeiro de 2007


Primeira Edição: Original GÖTTERDÄMMERUNG BEI VW in www.exit-online.org. Publicado no semanário "Freitag", 02.11.2007.

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Na história do grande capital tem havido sucessivamente espectaculares alterações e trocas de poder. Mas, quando a principal empresa europeia do ramo automóvel perde a sua independência, estamos no fim de toda uma época. A Volkswagen, criação do Nacional-socialismo, constituía a peça central da famosa Alemanha, S.A. A aliança corporativa apenas informal de management, banca, política e sindicatos, habitual após a segunda guerra mundial, foi aqui consolidada com uma base jurídica. A lei Volkswagen, a partir de 1960, limitou o direito de voto a 20% do capital social, assegurando assim ao estado federado da Baixa Saxónia, como accionista público, uma minoria de bloqueio. Agora, a pedido da Comissão Europeia e após anos de discussões, o Tribunal Europeu, tal como se esperava, derrogou essa lei. Segundo esse tribunal, tal lei estava contra o direito europeu, porque impedia a livre circulação do capital. Assim se derrubou um dos principais obstáculos a uma tomada hostil.

A decisão do tribunal segue a tendência dos tempos. Na senda da globalização, por todo o lado os bancos se desfazem das participações em empresas industriais e as "acções privilegiadas" (golden share) das participações estatais são afastadas coercivamente. Apesar dos desmentidos, é o que se espera também na Volkswagen. As famílias proprietárias Porsche e Piech, quando da sua entrada há dois anos, esperavam conseguir o afastamento da lei Volkswagwen, uma vez que a sua participação accionista atingia os 31% e assegurava-lhes opções posteriores inclusivamente para atingir a maioria. Como um dos maiores candidatos a ser objecto de uma tomada hostil, a Volkswagen foi por assim dizer colocada sob prisão domiciliária. Esta mudança de poder, do corporativismo político para uma dinastia de clã, degrada o management da Volkswagen para o estatuto de funcionários estatais de segunda ordem. Na Porsche Automobil Holding, fundada no Verão passado e que em breve incorporará a Volkswagen, o chefe desta, Winterkorn, nada mais terá a dizer.

Consequentemente, também a influência sindical na antiga peça central da Alemanha, S.A. será desactivada. O crepúsculo dos deuses na Volkswagen não poupa ao corte os príncipes dos conselhos de empresa. Segundo os planos dos novos donos, acordados com o chefe do conselho de empresa da Porsche, Uwe Hück, os representantes dos 12.000 empregados da Porsche terão tantos lugares no conselho de empresa da super-holding como os representantes dos 325.000 empregados da Volkswagen. Poucos dias após o fim da lei Volkswagen, o chefe do conselho de empresa da Volkswagen, Bernd Osterloh, viu fracassar o seu pedido de impugnação deste acordo no tribunal de trabalho de Ludwigsburg. A luta pelo poder continua no interior do Sindicato IG-Metall. A central de Frankfurt apoia Osterloh, a área de Stuttgart colocou-se ao lado de Hück. Esta disputa não se limita a mostrar como o discurso sindical, há muito socavado pelos affaires de corrupção, exala o último suspiro, numa malcheirosa luta pelo tacho. Fica claro também que a resistência social contra as consequências da globalização se transforma cada vez mais numa amarga concorrência de crise entre os empregados dos grandes conglomerados empresariais.

Os construtores de automóveis de prestígio da Porsche asseguram a sua posição e os seus prémios preventivamente à custa dos empregados da Volkswagen até agora poupados aos encerramentos de fábricas e aos despedimentos em massa. Isso poderia mudar após a tomada do poder pela dinastia do automóvel Porsche. Grandes sectores das oito marcas da Volkswagen são considerados não rentáveis. Já correm rumores de que o conglomerado Volkswagen, sob o tecto da nova holding, será desmantelado nas suas onze partes componentes. Não merece crédito a suposta visão de um novo gigante automóvel, uma vez que idêntico sonho de uma "S.A. mundial" industrial acaba de rebentar na Daimler-Chrysler. A Porsche representa na realidade um "Hedge Fund com produção de automóveis" (Wirtschftswoche) a nível global. Os ganhos exorbitantes com que a Volkswagen foi comprada radicam em grande parte na especulação monetária e em negócios de opções, enquanto a contribuição do negócio automóvel propriamente dito diminui continuamente. A longo prazo, o mais provável é que a Porsche desmembre e venda aos bocados a Volkswagen no mercado global de empresas, enquanto o emprego é derretido. O fim do mundo em Wolfsburg está apenas no começo.


Inclusão: 28/12/2019