Resposta à "Jüdische Zeitung [Revista Judaica]"

Robert Kurz

26 de setembro de 2006


Primeira Edição: Original ANTWORTEN AN DIE "JÜDISCHE ZEITUNG" in: www.exit-online.org, 26.09.2006. A publicar na "JÜDISCHE ZEITUNG" (Berlim) de Outubro de 2006.

Fonte: http://www.obeco-online.org/robertkurz.htm

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


Nota Prévia: A jornalista Nina Körner prepara um trabalho sobre os "Anti-Alemães" para o Jüdische Zeitung (Berlim), previsto para sair na edição de Outubro. Para o efeito interrogou várias pessoas, entre as quais figurei na qualidade de autor do livro "Die antideutsche Ideologie [A Ideologia Anti-Alemã]" (2003). Seguem-se as perguntas e respectivas respostas, dadas após consulta no seio da EXIT!. R.K.

O senhor é um crítico dos anti-alemães. Por que se debruça sobre esta temática? O que o "liga" a esse agrupamento?

Há uma origem comum na esquerda marxista em geral e na recepção da teoria crítica de Adorno em particular. Nesse quadro também se inscreve o debate sobre a Shoá, sobre a história do nacional-socialismo e sobre a continuação da respectiva actuação. Um ponto essencial é a crítica e a análise da ideologia anti-semita. Neste sentido compartilho motivos fundamentais com os chamados anti-alemães, os quais, contudo, a meu ver, neste agrupamento falham o objectivo que, pelo seu lado, não pode ser levado suficientemente a sério.

O que o levou a dedicar todo um livro ao tema?

Após o 11 de Setembro surgiu na esquerda uma grande desorientação que se mantém até hoje. Os chamados anti-imperialistas reinterpretaram a barbárie islâmica como uma espécie de prolongamento dos movimentos terceiro-mundistas, como uma "resistência" anti-capitalista (referências semelhantes ocorrem hoje em relação aos regimes de Ahmadinejad ou Chavez). No entanto, os anti-alemães simplesmente reagiram, por assim dizer, ao contrário, empenhando-se a todo o custo em construir uma analogia com a constelação da segunda guerra mundial, tornando-se ideólogos do elogio das guerras de ordenamento mundial ocidentais. Com o livro "A Ideologia Anti-Alemã" pretendi opor a este belicismo uma análise teórica, precisamente para separar a crítica do anti-semitismo ou do islamismo da ideologia de polícia mundial.

A bem dizer, o que pretendem os anti-alemães?

O paradoxo da sua designação já indica tratar-se de um assunto bem alemão. A tal também não é estranha uma dimensão histórica. Os anti-alemães retiraram o nacional-socialismo do contexto do capitalismo e atribuíram-no a uma "essência alemã" extra-histórica, sob a qual também é subsumida a República Federal Alemã dos nossos dias que, em sua opinião, é como que um "aliado natural" do islamismo. Considero semelhante percepção patológica. Eu empenho-me antes em colocar a luta contra o anti-semitismo no contexto do desenvolvimento global da crise e torná-la universalizável, sem desprezar as particularidades alemãs. Para a consciência das seitas anti-alemãs, contudo, o próprio umbigo parece ser o mundo.

O que critica o senhor aos anti-alemães? O que é legítimo, o que é excessivo?

Em termos modificados, as figuras do pensamento anti-semitas actuam, sob as actuais condições de crise, mesmo no interior da esquerda e dos movimentos sociais, sobretudo sob a forma de uma "crítica truncada do capitalismo" que reduz o problema ao "capital financeiro" e assim se aproxima do padrão interpretativo nacional-socialista do "capital rapinante" (por exemplo, na metáfora dos gafanhotos), ao qual se contrapõe o "capital criador (produtivo)". No meu livro "Das Weltkapital [O Capital Mundial]" (2005) dediquei um capítulo a este "anti-semitismo estrutural". Trata-se de marcar uma clara posição num campo polémico. Os anti-alemães, porém, declaram qualquer crítica ou movimento social à partida "anti-semita" de per se, ao passo que no âmbito do seu alinhamento belicista já consideram aceitável qualquer modelo neo-liberal e posição neo-conservadora. Nem sequer pretendem actuar sobre a sociedade, no sentido de lutarem contra o anti-semitismo, mas, à moda bem alemã, limitam-se a coleccionar seguidores a 150 % e a imaginar-se como instância solitária heróica.

O que vem à mente quando alemães se colocam na primeira linha como defensores dos interesses israelitas?

Israel tem que ser defendido como estado judaico, porque não é simplesmente um estado entre outros, mas deve a sua existência ao facto de não ter sido possível aos judeus viverem sem um estado próprio, por causa do anti-semitismo a nível mundial. Isto tanto mais é de sublinhar quanto o conflito da Palestina é muitas vezes transformado num "conflito por procuração" de contornos anti-semitas, ao passo que se faz vista grossa ao anti-semitismo como ideologia de massas entre os próprios palestinianos. Isto em nada modifica o facto de que a sociedade israelita tem contradições internas como todas as outras no mundo de crise global. Os anti-alemães, porém, transformam a necessária referência solidária a Israel em "identidade absoluta". Para eles, o que está em causa nem sequer é o Israel real mas, sim, a sua própria política de identidade. Ainda por cima pretendem ser os melhores israelitas. A partir de aqui, a coisa torna-se confrangedora.

Os anti-alemães encontram-se sob observação da agência federal de defesa da constituição, sendo acusados de racismo — justifica-se tanto uma coisa como a outra?

No fundo, a sociedade oficial deveria dar um prémio aos anti-alemães, porque há muito tempo que se tornaram ideólogos hardcore da auto-destrutiva ordem mundial dominante. A crítica do islamismo é algo diferente da discriminação de seres humanos com base na sua proveniência, no seu vestuário, etc. No caso dos anti-alemães, esta delimitação face ao racismo tornou-se duvidosa. Eles até glorificam a história sangrenta do colonialismo como uma "missão civilizatória", tudo em nome da luta contra o anti-semitismo, à qual assim prestam um péssimo serviço.

No caso deste agrupamento, o que está em causa é "apenas" uma forma de ver o mundo, ou seja, um assunto em concreto, ou será que tudo gira em torno de pessoas?

Na concepção maniqueísta do mundo dos anti-alemães todas as contradições são cilindradas e o estado das coisas é subordinado à aspiração pessoal a uma "mais valia moral". Pretende-se estar por cima, a coberto de toda a crítica, o que aponta para uma disposição autoritária.

A maioria do "anti-alemães" tem provavelmente Bilhete de Identidade alemão? Será que podem estar felizes com isso, ou isso não tem importância?

Na imaginação dos anti-alemães que são, eles próprios, alemães, o mundo inteiro tem de se justificar perante eles, arvorados em instância moral, incluindo todos os seres humanos judeus. Em vez de criticarem a instrumentalização de posições de esquerda em Israel pelos chamados anti-sionistas, não hesitam sequer em denunciar representantes da oposição israelita como "anti-semitas". A essência (anti-)alemã tem que curar o mundo. Em boa verdade, eles são filhos dos seus pais.


Inclusão: 28/12/2019