Discurso na Conferência de Alunos da Oitava, Nona e Décima Classes das Escolas Intermediárias Completas do Distrito Bauman de Moscou

M. I. Kalinin

7 de Abril de 1940


Primeira Edição: “Questões da educação comunista”, págs. 28-35. Edições Políticas do Estado, 1940.
Fonte: Editorial Vitória Ltda., Rio, 1954. Traduzido da edição em espanhol de "Ediciones em Lenguas Extranjeras” de Moscou 1949. Pág: 68-76.
Nota da Edição Original: Neste livro foram compilados discursos e artigos escolhidos de Mikhail Ivánovitch Kalínin dedicados à educação comunista, que abarcam um período de quase vinte anos. Alguns dos discursos são reproduzidos com pequenas reduções.
Transcrição e HTML:
Fernando A. S. Araújo.
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Camaradas: Os meus desejos, da mesma forma que os vossos, são que vos apliqueis em vossos estudos. Este é o desejo geral, de vossos pais, do Governo, de vossos professores e de toda a geração adulta.

Está claro que não se trata só de boas intenções, mas de que deveis estudar e além disso, estudar muito. A escola é o único lugar onde vos habituam a um trabalho sistemático. Por muito que alguém se empenhe em obter conhecimentos à margem da escola, prescindindo dela, só com seu esforço, não será, apesar de tudo, mais do que um autodidata, como se costuma dizer.

Outros pensam: Que me importa a escola! A questão é terminá-la mesmo que não seja com qualificações muito brilhantes, pois no fim de tudo isto se refletirá unicamente na ficha escolar, mas não na vida. Está claro que os que assim pensam não têm razão. A escola proporciona ao homem conhecimentos sistematizados, prepara-o para o trabalho qualificado. E vós, na maioria, sereis provavelmente trabalhadores qualificados. Por isso deveis estudar, deveis estudar com tenacidade e insistência.

Quem quiser ser no futuro um trabalhador qualificado, deve passar pela escola soviética e aprender a trabalhar de modo sistemático com os livros e ampliar seus conhecimentos. A vida será difícil para quem não tenha passado pela escola; o trabalho a que depois se dedique também lhe ficará difícil. A falta de conhecimentos sistematizados e de um hábito de trabalho sistemático é um defeito que sentireis sempre e em todas as partes, que vos perseguirá constantemente, agarrado aos calcanhares como uma sombra. E, diga-se de passagem, eu o experimentei e o continuo experimentando até o dia de hoje. Por essa razão, deve-se tirar o maior proveito possível da escola — desde a primeira até à sétima ou até à décima classe — como de uma fonte decisiva de conhecimentos sistemáticos.

Nenhum escolar deve esquecer que só pode ter certa significação na vida social e política, em qualquer esfera que seja de utilidade, quem saiba trabalhar de modo sistemático e conheça seu trabalho. Mas os que só luzem uma cultura superficial, só adquirem um verniz cultural, as pessoas do tipo de Onéguin(1), capazes de dizer algo sobre qualquer tema mas que não sabem nada de substancial, essa gente não desempenha nem desempenhará nenhum papel de importância na vida da sociedade nem do Estado soviético.

Desta tribuna falaram hoje os alunos destacados. Devo dizer-vos, camaradas destacados, que falais bem, com eloquência, mas — perdoai-me a franqueza — com uma falta absoluta de originalidade. Claro que esta franqueza deve ser desagradável para vós, mas eu não o digo para desagradar-vos e sim para que compreendais o principal, o mais necessário no estudo. Vossa oratória é correta e não se lhe pode opor nenhuma restrição. Trata-se, sob todos os pontos de vista, duma oratória fluente. Vossos discursos poderiam ser colocados no jornal mural da escola sem que seu redator se visse exposto a um reparo. Mas essa oratória não emocionará ninguém, não proporcionará nada nem ao espírito nem ao coração. Pois sois jovens e inclusive vossa maneira habitual de expressar-vos adquire um caráter emocionante. E as palavras que mais impressionam são as que tocam no que é vivo, as que provocam assentimento ou objeção. Este é o primeiro sintoma de que o orador possui alguma ideia própria, alguma ideia viva.

Mas, camaradas, isso se adquire com o tempo. Sois ainda jovens e tendes tudo pela frente. Por isso me atrevo a dizer-vos que vossa oratória carece de originalidade. Se tivésseis cinquenta anos, eu não o diria por temor a que nunca chegásseis a falar com originalidade. Ainda tendes toda a vida pela frente e conseguireis falar com originalidade. Não tenho a menor dúvida. Mas por enquanto vossa tendência é falar com frases feitas, com frases que não são próprias, mas alheias. Em vossas intervenções não se percebe ideias próprias, ideias vivas. Vossas palavras são como a luz da lua, que não aquece.

De todos vós, talvez o único que falou com sua própria linguagem foi o último orador, o camarada Karib. Por sua maneira de falar via-se que pensa suas frases, que tem uma ideia própria. E isto é o mais importante.

Suponhamos que vem visitar-vos uma pessoa enviada pelo Comitê da organização do Komsomol. É uma pessoa tão treinada na arte de falar que é capaz de pronunciar um discurso em qualquer momento e sobre qualquer tema. Sua palavra flui ininterruptamente, suave e bela como um grande rio por entre uma formosa paisagem. Mas essa palavra só é bela exteriormente, pois lhe falta o principal, falta-lhe alma. É uma flor de rosmaninho. E um orador como esse não vos dará nada porque ele mesmo não pensa suas frases. Um orador como esse não emociona com o conteúdo de suas palavras. Os que o escutarem só poderão exclamar: Ah! Como fala bem! E nada mais.

Suponhamos agora que quem veio visitar-vos não é um “boca de ouro”, mas simplesmente uma pessoa reflexiva. Sua oratória não se destaca por sua beleza e inclusive frequentemente se interrompe. Vê-se que pensa e fala, que fala e pensa. Quando se detém a meditar suas frases, obriga a pensar com ele todo o auditório, que o segue, segue o curso de seu pensamento. Os que o ouviram falar podem dizer: esse orador expôs uma ideia concreta. E as pessoas reagem ante essa ideia: admitem-na ou a rechaçam, discutem-na ou a aprovam, indignam-se ante ela ou a acolhem com benevolência.

O camarada Karib se parece com um orador deste tipo. Deveis todos assimilar os princípios e o método desse orador para pensar, para poder construir vós mesmos vossas frases e não falar com frases feitas e preparadas de antemão. E então se verá além disso se conheceis ou não o idioma russo.

Aqui intervieram alunos da oitava, nona e décima classe e, além disso, alunos destacados, que, do ponto de vista teórico, isto é, de acordo com os programas de estudo, deveriam conhecer bem o idioma russo e expressar-se corretamente em russo. Mas, por desgraça, não posso dizer se sabem ou não o russo, porque se exprimiram com frases feitas, com frases estereotipadas. Mas em compensação o camarada Karib, quando falava, construía ele mesmo suas frases. E quando uma pessoa constrói suas próprias frases, então se pode julgar se sabe ou não sabe- o russo, se a escola lhe ensinou ou não lhe ensinou a expor suas ideias. Este caminho, o caminho do camarada Karib, é o que devem seguir os escolares soviéticos se é que de fato querem trabalhar seriamente, se é que não consideram a escola como um castigo do céu.

E não digo isto por dizer. Em realidade acontece que alguns consideram a escola como uma carga e uma obrigação, como um purgatório pelo qual se deve passar para chegar ao “céu”. Mas se não pensais assim, se considerais o estudo como uma feliz oportunidade que deve ser aproveitada totalmente para vos instruir e ampliar o horizonte de vossos conhecimentos, então é preciso que vos expresseis com vossas próprias palavras. Isto se refere tanto a vosso trabalho de composição como à resolução dos diferentes problemas de matemática, aos exercícios de desenho linear e de figuras, etc., etc.

Suponhamos que tendes de escrever uma composição e recorreis amiúde aos “serviços” de outros alunos mais adiantados ou simplesmente copiais de uma “cola”. Camaradas, isso é fatal: assim nunca chegareis a aprender nada. Mais vale escrever menos bem a composição, contanto que seja rigorosamente algo original. Ainda que tenhais que refazer e copiar mil vezes o que vós mesmos escrevestes, isso não deve assustar-vos e não deveis poupar vossas fôrças, pois isso vos habituará a um trabalho independente, nisso reside precisamente a independência no trabalho.

Ou tomemos, por exemplo, as conferências. Temos muitos tipos de conferencistas. Há os que podem falar durante duas, três e até cinco horas, contornando a dificuldade de qualquer jeito com lugares-comuns e recorrendo a frases de efeito para que as pessoas aplaudam cada 15 ou 20 minutos. Isto não é difícil. É o mais fácil de tudo. Para uma conferência como essa não se requer muita inteligência. Mas pronunciar uma conferência com menos palavras e sobretudo com palavras meditadas e selecionadas pelo conferencista — ainda que o estilo saia defeituoso — isto é muito mais difícil.

Aqui se reuniram os alunos destacados. Claro que quando se reúnem os melhores alunos torna-se muito mais fácil chegar a um acordo com eles sobre o que se deve fazer para que não haja alunos atrasados. Mas não seria errado reunir os alunos atrasados e falar com eles para saber por que ficam para trás e o que é que é preciso fazer para que não se atrasem.

Não pensava em intervir hoje. Para dizer a verdade, eu esperava que aqui se fosse desenrolar uma encarniçada batalha, que iríeis falar dos defeitos da escola, do que lhe falta. Mas resulta que vossa reunião se converteu numa sessão solene. E onde abunda a solenidade, geralmente falta o conteúdo.

Hoje falaram aqui os melhores alunos, cujos discursos tinham o caráter duma prestação de contas. Nota-se que a coletividade obrigou-os a intervir dessa forma. Os camaradas disseram: “Antes ocupávamos o sétimo lugar e agora passamos ao quinto. Esperamos conquistar o terceiro”. Mas nenhum deles disse o que pensa fazer, aonde se deseja ir quando terminar a décima classe. Mas o que ocorre, camaradas, é que ides terminar a escola intermediária, estais no umbral da vida independente.

Se eu fosse aluno da décima classe — por desgraça não o posso ser — no mês de abril do ano da promoção enfrentaria de início o seguinte problema: para onde ir? E não há dúvida de que eu teria decidido com exatidão o lugar para onde iria.

Mas nem sempre se pode ir para onde se quer. Provavelmente muitos de vós desejariam entrar para o Instituto de Jornalismo. Eu o sei pelos concursos dos anos anteriores. Mas ali não podem ingressar todos os que o desejam, pois o concurso é muito difícil. E apesar de tudo, aonde ir? Ou talvez não vos interessa de modo nenhum esse problema? Isto seria um mau sintoma. Considero um grave erro que em vossas discussões tenha faltado uma questão tão importante como esta. Por certo, me agradaria muito saber quais são as aspirações da maioria dos escolares, qual é a profissão preferida por nossa juventude, pois isso seria muito significativo e sobre a base desses dados se poderia fazer deduções de interesse. Mas através de vossas intervenções não consegui saber nada, pelo que não posso fazer nenhuma espécie de deduções.

Apesar de tudo, não posso chegar a crer que essa ideia não vos tenha passado pela cabeça. Sem dúvida é uma ideia que vos preocupa a todos. Em vossa idade, quando se é jovem, todos devem pensar nesse problema. Não há dúvida de que, entre vós, noventa por cento se propõem realizar grandes façanhas e reorganizar o mundo à sua maneira. Também eu tinha essas ideias em meus anos de juventude. Com toda certeza essas ideias fervem em vossas cabeças, pois não poderia ser de outro modo. Para isso sois jovens.

Mas agora chegou o momento em que tendes de vos definir, em que tendes de dar uma resposta completa à pergunta: aonde ir? Muitos resolvem a questão de maneira demasiado simples: sou Komsomol, depois serei comunista, cidadão soviético, e assunto acabado, já está “determinado” o meu destino. Mas essa é uma “autodeterminação” demasiado fácil.

Determinar com seriedade o próprio destino é traçar o caminho que há de seguir sua vida, é forjar um caráter próprio, convicções próprias, encontrar a vocação. Cada um de vós deve fazer o seguinte raciocínio: eu sou um homem soviético, cidadão dum Estado rodeado de inimigos e pelo qual não terei que lutar menos, mas talvez mais do que lutaram as velhas gerações. Tomai como exemplo nossa geração, a geração dos velhos bolcheviques. Nós lutamos contra os capitalistas e latifundiários russos que eram um inimigo relativamente débil, mal organizado e pouco culto. Ao contrário, vós tereis que lutar contra um inimigo incomparavelmente mais forte, mais organizado, mais pérfido, mais experiente na luta política e nos diversos métodos e processos de mistificação. É preciso preparar-se para essa luta de maneira tenaz e sistemática.

Mas deveis ter presente que esta luta não vai desenrolar-se somente nos campos de batalha. Nossos estudantes já realizaram prodígios de valor nos campos de batalha durante os primeiros choques de sondagem. E isso não tem nada de estranho. Como não ia ser valente nossa culta juventude soviética! Esta luta se estenderá a todas as esferas de nossa vida. Será o ponto culminante da intensificação da luta que se leva a cabo desde os primeiros dias da existência do Poder Soviético.

E para obter a vitória nesse choque decisivo deveis temperar vosso caráter e vossa vontade na luta diária, deveis determinar com exatidão qual há de ser o vosso lugar na edificação socialista e dominar com perfeição a atividade a que tenhais consagrado a vida.

Mas essa autodeterminação também é de suma importância na vida diária de cada um de vós. Quando tiverdes conseguido formar vosso caráter, quando tiverdes definido claramente vossa concepção do mundo, quando tiverdes encontrado vosso lugar e assimilado vosso papel na edificação do socialismo e na luta diária, quando o objetivo de vossa vida já seja o de levar à prática vossas convicções, então se poderá dizer que tereis adquirido ao mesmo tempo uma imunidade segura contra toda sorte de arranhões, desenganos e reveses da vida. Às vezes ocorre que um aluno namora durante muito tempo uma jovem e depois a abandona, começando a namorar uma outra; aí tendes todo um “drama”. Não deveis supor que estou falando com a ironia própria dum velho. Também fui jovem e respeito agora os sentimentos juvenis. Pois bem, numa pessoa que ainda não se formou, que não definiu sua posição na vida, esse “drama” pode adquirir uma importância demasiado grande e ser a causa de que, em geral, se desiluda da vida, o que poderia deixar nela um profundo ressentimento que durasse muitos anos. Mas para uma pessoa que definiu claramente sua posição na vida, esse “drama” passará sem provocar graves perturbações.

Portanto, é preciso que o homem tenha o quanto antes um caráter formado e uma firme concepção do mundo. Se ele diz: serei zoólogo — ponto final. Dedicará tudo o que tiver à sua atividade no campo da zoologia, para o bem de sua pátria. Essa é a diferença que existe entre o zoólogo soviético e o zoólogo de um país capitalista. O zoólogo soviético dirá: nesse campo tenho que trazer a máxima utilidade para minha Pátria. E o conseguirá, realizará uma grande obra. E para um homem como este será incomparavelmente mais fácil resistir aos arranhões, reveses e dramas da vida do que a um outro, que não tenha definido sua orientação, que careça de vocação definida, de uma ideia definida.

Pessoalmente, sinto um grande respeito pelas pessoas que forjaram seu caráter e suas convicções. Talvez seja demasiado cedo para que vos ocupeis disto? Não, camaradas, não é demasiado cedo. Sem dúvida conheceis bem a vida do camarada Stálin. Aos quinze anos já se tinha feito marxista e aos dezessete foi expulso do seminário por ter determinadas convicções políticas, orientadas em tudo contra a autocracia tzarista, contra o capitalismo. Vedes, pois, com que pouca idade determinou o camarada Stálin a orientação de sua vida. E se antes os homens podiam determinar a orientação de sua vida com tão pouca idade, vós podeis resolver agora este problema com maior facilidade.

Como conclusão, quero dizer-vos ainda o seguinte. Asseguraram-me que entre vós há quem pense que não tem sentido procurar obter as máximas qualificações nos exames finais se, de qualquer modo, não vão ingressar nas escolas superiores, mas terão que ir para o exército. Este raciocínio é totalmente errôneo. Antes de tudo, não se deve examinar o problema exclusivamente do ponto de vista das qualificações. Não se trata das qualificações, mas de que esses camaradas já não terão no futuro a possibilidade de realizar um estudo sistemático, isto é, não poderão sanar as falhas que tenham nos conhecimentos proporcionados pela escola intermediária. Além disso, supomos que a a maioria dos camaradas, se é que terminaram bem a escola secundária, poderão ingressar nas escolas superiores ao terminar o serviço militar, sem falar já de que muitos deles ingressarão nos centros de ensino superior do próprio exército. No Exército Vermelho temos muitas instituições de ensino cujo corpo discente se constituirá primordialmente à base dos que tenham terminado a escola intermediária com boas qualificações. Por isso deveis estudar na escola intermediária com a máxima intensidade.

A escola superior é já outra coisa, ali encontrareis um ensino de ordem superior, onde as pessoas já se formam para trabalhar em um ramo determinado da ciência, ao passo que na escola intermediária os alunos só aprendem a trabalhar de modo sistemático, não fazem mais do que colocar os alicerces de sua instrução.

Por isso considero que os camaradas que pensam que não tem sentido estudar com a máxima intensidade na escola intermediária equivocam-se profundamente e podem causar um dano irreparável a si mesmos.

Desejo de todo o coração aos alunos de décima classe deste ano que sejam bons soldados nas fileiras de nosso Exército Vermelho e que ao mesmo tempo sejam bons estudantes de nossas escolas superiores. (Tempestuosos aplausos).


Notas de rodapé:

(1) Herói do poema de Púchkin “Eugênio Onéguin”, (N.T.). (retornar ao texto)

Inclusão 26/10/2012