Duas Palavras

Bento Gonçalves

1941


Fonte: Os Comunistas.
Transcrição: João Filipe Freitas

HTML: Fernando A. S. Araújo.


capa

Introdução à 1.ª edição

Bento Gonçalves escreveu «Duas palavras» no campo de concentração do Tarrafal em 1941, apenas um ano antes de aí morrer vitimado por uma biliosa.

Este trabalho (agora editado pela primeira vez) não foi completado. O original desapareceu. Segundo indica o exemplar dactilografado de que dispomos e as anotações nele feitas, o manuscrito apresentava numerosas interrupções e páginas em branco. Várias passagens eram simples notas preparatórias da redacção. Algumas outras (que não constam da presente edição) dizem respeito a debates internos realizados na organização dos comunistas presos no Tarrafal sem relação directa com a actividade que então o Partido desenvolvia em Portugal, de que os camaradas estiveram desligados alguns anos. É também possível que algumas gralhas tenham sido feitas ao dactilografar o original. Entretanto, «Duas Palavras» constitui um documento único, que evidencia a importância da reorganização de 1929 e da actividade do Partido nos anos 1929-1935, que Bento Gonçalves directamente dirigiu como seu secretário geral.

Embora escrevendo de memória e sem qualquer documentação, Bento Gonçalves traçou um quadro vivo de aspectos essenciais do processo da reorganização e do desenvolvimento do Partido nesses anos. O próprio escrito testemunha de como tem sido justo chamar a Bento Gonçalves «o organizador do Partido».

Não há motivo para nos ruborizarmos ante a história do nosso passado, nem para apoucar os que a elaboraram e que ainda hoje se mantêm firmes à causa do proletariado. A par dos nossos erros e defeitos — alguns deles comuns a todos os partidos comunistas e outros bem característicos nossos — muito e muito labor positivo e verdadeiramente abnegado preenche essa mesma história.

Mais ainda: exactamente o período mais fustigado em certa análise anterior encerra o sinal da nossa maior expressão de vida política, até à actualidade. E a questão não está em «começar de novo»; põe-se precisamente nestes termos: quando o Partido colocar ante si a reorganização que há-de levar os trabalhadores à vitória, o passado que ora propomos passar em revista constituirá para si a melhor bandeira de abordagem de massas.


Duas Palavras


A discussão anterior, sobre a actividade do Partido nos 12 anos que se estendem de 1929 (reorganização) até 1941(1), foi insuficiente para responder ao próprio tema que se havia proposto. O escrito que a motivou(2), circunscrevia-se à análise dum período que vai além do 18 de Janeiro, e os factos abordados são essencialmente os factos negativos da história do Partido, no intervalo que se encara. Significa, portanto, uma visão demasiado curta e demasiado truncada da nossa própria história. Por fim, o objectivo central que se assinalava: dar uma explicação acerca da situação criada ao Partido nos fins de 1940, isto é, a quase inexistência deste no terreno da organização, — não é colocado em termos convincentes, porque a nossa vida real, através desses 12 anos, constitui uma concepção bem outra do que aquilo que faz crer o escrito referido. Por isso a discussão do mesmo assunto, nesta segunda volta, tem de colocar-se em novos termos. Este é o objectivo do presente trabalho.

Noutras condições da nossa existência, esse escrito, mesmo, nem sequer teria vindo a público, porque as divergências — embora não totalmente manifestadas — também tiveram a sua expressão no primeiro local, onde é fórmula apreciar e resolver sobre estes assuntos. Porém a vida, aqui, é um pouco particular, a certos respeitos. E doutro lado o escrito referido era em substância, e até mesmo no pormenor, uma crítica pegada aos anos de 1929-1935.

Quem é que tendo responsabilidades —e mesmo responsabilidade principal — nesses anos, não devia submeter-se à apresentação, pública, até, dessa crítica?

Depois, a reposição do problema nos seus devidos termos não é tarefa demasiado dificultosa.

Condições da Reorganização de 1929

Os anos de 1922-1923 marcam o apogeu e o começo do declínio da C.G.T. subordinada à ideologia clássica anarco-sindicalista. Mais tarde, quando esse declínio tocava quase o seu extremo, não faltou quem atribuísse o facto à «falta de experiência revolucionária do proletariado português».

O certo, porém, é que apesar de «pouca experiência», o nosso proletariado tinha jeito a sua experiência sindical. Vivera um pouco a época das associações de classe de ideologia socialista, e a época da União Operária Nacional. E quando em 1918 se constituiu a C.G.T. esta ideia e realização prenderam-no por milhares bem numerosos.

De 1918 a 1924 a C.G.T. e «A Batalha» significaram, por vezes, uma verdadeira mística para os trabalhadores de Portugal.

Dum modo rápido, explicar-se-ia a situação por estas palavras: a guerra mundial que então se jogava também saía bastante cara ao povo português. O proletariado foi alvo de todas as formas de exploração então concebíveis pela classe capitalista; — desde 1917 que, por virtude dos açambarcamentos ilimitados, da atmosfera da formação dos novos ricos, da política tributária do Estado para saldar à custa do povo os encargos da própria guerra, etc., etc. — os trabalhadores foram obrigados a movimentar-se, quase que incessantemente, em lutas pela actualização de salários.

A situação mundial, com a eclosão da revolução russa e com o ciclo de revoluções que pejam o centro da Europa, tornara-se efectivamente revolucionária e isto formava uma perspectiva bem próxima. A C.G.T. constituiu-se nesta atmosfera interna e externa. Ela devia ser, pois, uma acção e uma ideologia de bloco.

Finalmente, as grandes «tesouras» entre o custo de vida, em contínuo agravamento, e os salários, cada vez mais restritos, do ponto de vista do poder de aquisição, subsistem, em cheio, até 1924 — ano que marca o fim das grandes greves entre nós.

Exteriormente, a crise dos fins da guerra dera lugar também à estabilização temporária do regime capitalista. A actividade sindical nos anos que referimos tinha sido essencialmente prática. Por isso a questão das relações entre o anarquismo propriamente dito e o anarco-sindicalismo tomava, entre nós, uma expressão algo diferente daquilo que aconteceu no terreno espanhol. Isto é, pelo menos, uma base de carácter histórico que fundamenta o avanço que viemos a ter, alguns anos após a reorganização, relativamente aos camaradas de Espanha, no terreno da influência sindical.

Porém, as últimas greves tinham sido já uma advertência para os próprios trabalhadores. O patronato, essencialmente desorganizado, sob o ponto de vista sindical, nos primeiros anos da formação e crescimento das lutas económicas dos trabalhadores, passou à organização deste tipo. E então já se assinalavam alguns índices de decepção entre grandes efectivos de trabalhadores em virtude dos resultados de várias greves. E se até essa altura a destrinça entre acção de massas e actos isolados, entre movimentos organizados e levados a efeito com as próprias massas e movimentos pelo topo, entre as greves que se organizam quando as condições concretas existem para elas e as greves que se impõem por meios verdadeiramente coercivos, não se tinha posto para exame — agora a situação era bem diversa e conduzia à primeira expressão realmente corporizada de luta de tendências, etapa que se concluiu pela saída dos «sindicatos vermelhos» da C.G.T.

O registo dessa altura, para fazê-lo em magras linhas, é o seguinte: os partidários da I.S.V.(3) fizeram figura sobre a base da crítica às «acções decretadas»,

A cisão na C.G.T. foi um mau passo e a esse respeito todos nós estamos de acordo.

A situação geral, interna e externa, passou a mostrar-nos já outra cartilha. Uma nova história se abria para a humanidade. O sistema capitalista já não imperava em toda a Terra. A URSS tomara-se uma realidade e era, ao mesmo tempo, o exemplo mais vivo, mais épico e mais emocionante de que o proletariado vencerá a burguesia. Mas ninguém poderia resumir com este simples ou único facto a história de toda a época posterior. Várias das revoluções da Europa terminam-se por um fracasso temporário da classe operária. Sobre esta base e sobre a base das condições económicas da estabilização relativa do capitalismo, o fascismo italiano servia de clarim para novo agrupamento da reacção mundial. E no seio da própria classe operária o capitalismo pode contar com um número razoável de esteios.

Uma luta algo acesa se conduziu entre nós, no país, entre os que adiavam efectivamente a revolução para as «calendas gregas» e os partidários da «revolução imediata». O certo, porém, é que, mercê de todos aqueles factos, a revolução estava temporariamente arredada da realidade histórica. As consequências disto foram a entrega à burguesia a que se dispuseram vários elementos anteriormente militantes do movimento operário.

Todas as crises são acompanhadas de sinais de degenerescência, de defecção e de confusão política mesmo de alguns dentre aqueles que sempre se disseram apegados à ideologia mais sã.

A primeira tentativa fascista quis vê-la o próprio Mussolini no movimento de Sidónio Pais. O certo porém é que o 18 de Abril mostrou já o grau de agrupamento da reacção, operado em Portugal.

São estes os factos essenciais: «para vencer a reacção» a burguesia liberal teve de deitar mão aos «indesejáveis». Porém, a Sala do Risco pôs à prova a enfermidade da própria burguesia instalada no poder do Estado: — os que se bateram pela Democracia foram deportados. E os conjurados «abrilistas» foram todos absolvidos.

Caímos no 28 de Maio, movimento que triunfa devido à renúncia da burguesia liberal ao combate contra a reacção, ao indiferentismo de certos centros dirigentes sindicais (se não com o próprio concurso de alguns deles) e à apatia sensível das massas.

De 1926 a 1928 precisa-se o conteúdo da ditadura, como política do capital financeiro. Sinel de Cordes empreende esta política na pasta de Finanças. Toda a sua actividade é caracterizada por uma sucessão de financiamentos às principais empresas exploradoras — actividade que conduz a um agravamento do orçamento de Estado, aliás algo recomposto com a política anterior de Pestana Júnior.

O 7 de Fevereiro(4) colheu nestes factos a sua base económica de expressão. Foi, entretanto, um movimento gorado. Mas revelou que nas condições criadas era impossível vencer a reacção sem o largo concurso popular, mas dum povo que actua sobre a base duma consciência bem diferente daquela que o levou à revolução de 1910. Apesar disso que víamos nós? As forças essenciais do movimento operário eram cada vez mais presas duma ideologia de desarmamento: da ideologia «reviralhista»(5) cujo traço dominante era este precisamente— não ser capaz de derrubar a ditadura. Todavia eram várias as formas de reflexão da vida popular que levavam as massas a uma situação desta natureza. Vários dos militantes sindicais existentes supunham que bastaria crer num reviralho messiânico para que o movimento sindical e a liberdade de pensamento se restabelecessem.

Abandonaram o próprio labor sindical. Atrelaram-se e atrelavam o proletariado aos chefes do reviralho. A C.G.T. entrava na maior das apatias. O Comité dos Partidários da I.S.V. proclamava:

«enquanto durar a ditadura é impossível fazer luta de classes».

Os socialistas, auxiliados pela situação, retomam a actividade sobretudo em Lisboa e Porto, no objectivo de colocar a organização operária a reboque do capitalismo.

A correlação das forças nos momentos que precedem a reorganização de 1929 caracteriza-se como segue:

  1. — queda catastrófica dos efectivos e de influências ideológica da C.G.T.
  2. — crescimento das ilusões pequeno burguesas no seio da classe operária,
  3. — o Partido Comunista não manifesta a mínima actividade nem goza da mínima influência.
  4. — os socialistas servem o governo directa e indirectamente.
  5. — a Ditadura reforça as suas posições.
  6. — a nova crise económica do capitalismo estava prestes a estalar e eram previsíveis no terreno português os sinais do novo agravamento das condições de vida das massas.

Em Que Termos se Pôs a Nossa Luta por um Partido Comunista

Todas estas condições colocavam em termos peremptórios o despertar do P.C. para a actividade política de massas. Aliás o exame da situação mundial efectuado por Staline a fins de 1927 assinalava como perspectiva a crise geral do capitalismo, cuja expressão está ligada a 1929-33. Daí a nossa luta pela reorganização ser, ao mesmo tempo, a luta por um apetrechamento antecipado da classe operária, ante os grandes acontecimentos que a história anunciava para breve.

A nossa reacção tem lugar desde os começos de 1928. Foi por esta altura que empreendemos os primeiros passos de reorganização sindical; constituímos alguns círculos de estudo e formulámos sucessivos apelos ao C.E.P. da I.S.V. e ao C.C. do Partido para que retomassem a actividade.

Estes apelos chocaram-se com a frieza mais tumular, com a recusa mais sistemática desses dois lados.

Não obstante, aguardámos cerca de um ano a decisão daquelas instâncias. Por fim lançámo-nos à realização da tarefa por nossa conta e risco.

Supomos que não será descabido afirmar que tanto a tarefa posta, como o terreno da sua aplicação não se encontravam muito facilitados. Era preciso realmente empreender a luta em todas as frentes e com adversários de respeito.

O velho C.C.(6) tinha o apoio da I.C.; a C.G.T. fora vários anos detentora do monopólio do movimento sindical; a situação dos sindicatos vermelhos era de. tamanha fragmentação que fazia com que no movimento sindical pouco pudessemos opôr de concreto às correntes anarco-sindicalistas; o proletariado achava-se preso dum complexo de tradições do próprio passado político nacional e os novos tempos cheiravam mais a esturro; os socialistas organizavam delegações completas ao BUREAU INTERNACIONAL DO TRABALHO...

Em contrapartida nós éramos poucos e novos. A conferência de Abril de 1929 constatou a existência no país apenas de trinta comunistas.

Apeada a velha direcção do Partido, a nossa luta começou por ser teórica e prática:

  1. — Ensinávamos teoria em alguns círculos de estudo e em artigos de «O Proletariado», à medida que nós próprios nos íamos iniciando nela;
  2. — Estabelecíamos uma base, entre as próprias massas, de compreensão da ideologia marxista — isto num país, onde, até então, o marxismo era, a bem dizer, doutrina ignorada;
  3. — Explicávamos a questão da Sociedade Comunista e a teoria e a táctica do período transitório, na luta contra a ideologia anarquista;
  4. — Abordámos sob várias formas o problema das democracias, na luta contra a subsistência da ideologia pequeno-burguesa;
  5. — Fizemos a reorganização sindical, a maior parte das vezes sobre a base de palavras de ordem elementares, em volta de pequenas questões de fábrica, e da busca de atractivos paira os sindicatos, de modo a que as massas tomassem estes últimos como sua casa indispensável.

No espaço de três anos tornámos o Partido conhecido e querido dos trabalhadores; a correlação de forças do movimento sindical modificava-se muito a nosso favor; tivemos vários êxitos no campo intelectual e estudantil; criámos uma forte organização de marinheiros; passámos a ser tomados a sério.

Alguns Exemplos do Nosso Labor Positivo Sindical

Quase todos nós provínhamos do movimento sindical, onde uns éramos mais velhos, outros mais novos. E isto explica a atenção política que os sindicatos nos mereceram(7).

Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha

Pouco tempo após o 7 de Fevereiro, numa conferência de militantes arsenalistas, verificava-se esta situação: a população associativa baixava dia a dia; era raro conseguir uma assistência ao sindicato, mesmo para tratar de assuntos importantes, por vezes, que permitisse a reunião das Assembleias Gerais em primeira convocatória. Vários dos militantes anichavam-se na Cooperativa, na Caixa de Pensões e em auxiliares de escrita, burocratizando-se em extremo e conduzindo a um desprestígio absoluto o sindicato; momentos antes a questão de tendências colocava-se desta maneira, ali, num sindicato que se dizia vermelho, numa Assembleia assistida de cerca de 350 arsenalistas, os partidários da I.S.V. apenas recolheram uma maioria de 7 votos!

O nosso trabalho neste sindicato conta-se a partir de 1927. A primeira questão que ali se pôs foi a de dar aos arsenalistas uma comissão de melhoramentos activa. Todos os assuntos pequenos e grandes de interesse dos operários eram submetidos a essa comissão. Sobre esta base conseguimos restabelecer a confiança dos arsenalistas no seu sindicato.

Havia neste tempo dois problemas fundamentais a resolver: o problema do pessoal adventício, dia a dia mais numeroso e desprovido dos mínimos direitos e a questão Arsenal de Marinha e indústria particular. Quanto ao primeiro, a direcção da fábrica e os elementos ao seu serviço fomentavam toda a espécie de contradições e de rivalidades entre adventícios e operários do quadro, a fim de os dividir na luta pelas suas reivindicações. Vários elementos do quadro cediam facilmente a estas provocações, proclamando a questão dos seus «direitos adquiridos». Toda esta campanha era dirigida contra o sindicato, o qual era acusado pelos adventícios de torpedear os seus interesses. O próprio sindicato havia estabelecido, uns tempos antes, que os adventícios não podiam fazer parte da Comissão de melhoramentos, nem preencher as restantes comissões de Corpos Gerentes em mais de 30%! Quanto ao segundo separava-se os arsenalistas dos trabalhadores da indústria particular por meio de toda uma rede de ilusões corporativas e de «aristocracia operária» — e tudo isto era feito precisamente para melhor desencadear sobre eles a ofensiva que devia conduzir ao «nivelamento de crise».

A nossa actividade consistiu em rechaçar todo este trabalho duplamente cisionista, em advogar igualdade de remuneração e de regalias para o pessoal adventício e em conduzir ao entrelaçamento dos arsenalistas com os trabalhadores da indústria particular do país.

Durante o ano de 1928 foram já inúmeras as vezes que promovemos reuniões de delegados dos Sindicatos e Associações de trabalhadores do Estado para tratar de questões importantes: assistência aos tuberculosos, problemas das reformas, luta contra a adjudicação a empresas privadas dos Estabelecimentos do Estado, etc., etc.

Encontrámo-nos, igualmente, em todas as reuniões de delegados dos sindicatos dos trabalhadores de Lisboa, onde se colocavam as questões de horário de trabalho, do desemprego, de legislação de carácter social, etc., sendo nós, não poucas vezes, os seus promotores.

Estas reuniões, que haviam começado por ter a direcção dos socialistas, em breve passaram para a nossa direcção.

Interiormente fizemos um largo trabalho organizativo. Desenvolvemos a Biblioteca Sindical, tornando-a a primeira dos Sindicatos da Península e facultando-a a arsenalistas e a estranhos. Criámos um novo ambiente na Escola Sindical tornando-a o cantinho preferido à sua própria casa pelas criancinhas seus alunos. A nossa escola era em miniatura uma Catedral de educação e higiene infantil. Conseguimos tocar em cheio a questão do aproveitamento e da assiduidade, a ponto de levarmos ao máximo o rendimento escolar e a zero as faltas dos alunos.

A população associativa aumentou, atingindo os 2.000 associados em fins de 1929.

Tudo ali era rigorosamente organizado. Quem entrasse no S.P.A.M. dava conta, nuns rápidos minutos, de toda a vida sindical arsenalista. As paredes do Sindicato estavam pejadas de gráficos estatísticos reveladores da leitura e das preferências culturais dos arsenalistas, da progressão ou estado de organização sindical por oficinas, do movimento de Assembleias Gerais e do carácter das questões tratadas, do aproveitamento escolar, etc.

O ano de 1929 foi coroado com uma Conferência Sindical que estabeleceu uma nova forma de organização. Os Corpos Gerentes foram alargados e deu-se corpo efectivo ao Comité de Fábrica (Conselho de delegados). O sindicato passou a ter à sua cabeça um Conselho Central, personificação da fórmula do centralismo sindical.

Nós descobrimos tudo que pudesse tornar o sindicato uma instituição indispensável à vida dos trabalhadores. E sobre esta base o sindicato prestigiou-se, prestigiou o movimento sindical vermelho e prestigiou o Partido.

Quando nos começos de 1930 fomos para a constituição da C.I.S., o ambiente favorável da maioria dos sindicatos de Lisboa com que nos deparámos era, em muito, devido à popularidade de todo o trabalho anteriormente empreendido neste sindicato.

Constituição da Comissão Inter-Sindical

Eis outro aspecto muito positivo das nossas realizações sindicais, imediatamente ligadas à reorganização de 1929.

No decurso das reuniões que já referimos dos sindicatos e associações de classe de Lisboa, duas correntes se encontravam cm presença, a cada passo: a corrente socialista e a dos sindicatos vermelhos. Dos socialistas toda a táctica conduzia ao colaboracionismo, mesmo sob a realidade da Ditadura. A nossa táctica, pelo contrário, consistia na independência dos trabalhadores, relativamente ao patronato e ao Estado burguês. Neste sentido arvorávamos a divisa que a C.G.T. também havia perfilhado, quando da sua fundação — «A emancipação dos trabalhadores há-de ser obra dos próprios trabalhadores».

Não demorou muito tempo que a táctica socialista não fosse posta a nú. A certa altura, o Intendente Geral das Polícias encarregou Ramada Curto da elaboração duma «carta de trabalho» do modelo italiano. José Augusto Machado, militante sindical destacado do P.S. e simultaneamente delegado duma Associação operária de Lisboa, passou a lutar no sentido de pôr os sindicatos locais a reboque de Ramada Curto. A tentativa foi rechaçada por nós, apoiados pela maioria da Comissão de Sindicatos que então se encontrava reunida para tratar das questões do horário de trabalho.

Nos começos de Março de 1930 a tentativa de levar à doutrina «paritária» já tomava uma expressão diferente e mais precisa e mais oficial. O Sindicato dos Empregados no Comércio e Indústria (confederados) e a Associação dos Caixeiros (reformistas) receberam um ofício do Governo convidando-os a nomear dois delegados para uma comissão de operários e patrões, de carácter permanente, à qual passariam a ser sujeitos todos os litígios entre o capital e o trabalho. Os votos operários encontrar-se-iam ali na razão de 1 para 2. O S.U.E.C.I. não estava em desacordo com o convite; desejava simplesmente aceder mas com o apoio dos restantes sindicatos de Lisboa, relativamente aos quais se propunha ir lá servir, também, como delegado.

Convocou uma reunião, a que comparecemos. O balanço desta reunião dir-nos-ia o seguinte:

A nossa atitude foi de rejeição pura e simples e de exortação à independência sindical. Apresentámos uma moção em que se propunha em síntese:

«a constituição duma Comissão dos Sindicatos de Lisboa, de carácter permanente, tendo por tarefa tratar da situação dos trabalhadores, particularmente das questões do horário de trabalho e do desemprego».

14 sindicatos contra 7 colocaram-se ao nosso lado. A C.I.S. ia ser uma realidade. Constituímo-la em reunião seguinte efectuada no S.P.A.M.J no dia precisamente da jornada internacional contra o «chômage».

Foi fácil constatar que a nossa plataforma era a plataforma querida dos trabalhadores. Aquelas duas reuniões de Lisboa tiveram uma repercussão muito importante sobre todos os sindicatos do país. A C.I.S., que havia nascido com um objectivo bem modesto, cm breve foi colocada, pelo desejo expresso de muitos e muitos sindicatos, em Comissão Inter-Sindical Nacional.

As questões que tínhamos colocado na plataforma da constituição da C.I.S. eram efectivamente muito actuais. Por isso mesmo assistimos a um largo reagrupamento de sindicatos sob a bandeira da Comissão Inter-Sindical. De todos os pontos do país nos chegavam ofícios de incitamento e em que nos pediam a efectuação de démarches junto dos poderes constituídos a propósito de assuntos sem número.

Todo o ano de 1930 andámos numa roda viva enviando delegados a toda a parte, promovendo vários comícios e realizando muitas sessões de propaganda.

Na luta contra o desemprego a fórmula que advogámos foi a de «Pão e Trabalho!». Esta fórmula que era bem nacional ecoou por todos os pontos do país. A sua contrapartida de socorro aos desempregados foi concretizada nas próprias assembleias públicas de massas.

Hoje ainda toda a gente se recorda que a criação do «Fundo de Desemprego» foi uma resposta do governo a esta reacção organizada pela C.I.S.

A C.G.T. acordou enfim da sua sonolência, constituindo, mas por mera decisão do topoj a Comissão Inter-Federal à qual consignou a fórmula «Trabalho para todos!». Mas nem a fórmula orgânica (comissão de organismos então praticamente inexistentes), nem a fórmula de luta (pois o capitalismo não estava em condições de dar trabalho a todos, precisamente porque a realidade era o começo da sua crise mais grave e mais profunda, que havia de durar até 1933), foram já capazes de suplantar-nos.

A luta de tendências desta vez era emprendida em todos os terrenos pela C.G.T. Do nosso lado, ela travava-se no terreno dos factos e na busca de melhor bússola de condução dos trabalhadores.

A isto devemos o essencial dos nossos sucessos.

Foi a partir desta época que a correlação de forças se expressou pela primeira vez, no país, a nosso favor.

A C.G.T. é que passou a significar um movimento minoritário. E neste aspecto a situação portuguesa era a bem dizer única na Europa, porque nos países burgueses europeus, o movimento sindical vermelho fazia-se essencialmente sobre a base da plataforma de oposição.

Federação Nacional dos Trabalhadores dos Transportes

O esclarecimento do que foi a F.N.T.T. impõe-se a todos os títulos, porque esta realização deve constituir um orgulho do partido.

A F.N.T.T. significa uma tentativa, inteiramente coroada de êxito, de agrupamento, numa só federação, acima de tendências, de todos os trabalhadores de vários ramos (marítimos, ferroviários, eléctricos, chauffeurs), alguns dos quais se encontravam, até então, separados por uma quantidade de rivalidades e de conflitos «rácicos» (ferroviários da C.P. e ferroviários do Sul e Sueste e Minho e Douro, por exemplo).

Mas não eram só estas, nem estas principalmente^ as questões mais agudas a vencer. O problema mais palpitante era o da unidade sindical e a resolução desta determinou um trabalho bem árduo. Os marítimos de longo curso e os «dockers» tinham cavado entre si um verdadeiro abismo ideológico. A velha Federação Marítima (pessoal do Tráfego do Tejo, descarregadores, etc.) que se integrara nos objectivos da I.S.V. desde o Congresso de Aveiro, seguira depois, desde a direcção de José de Almeida, um verdadeiro caminho de podridão ideológica. A Federação Marítima Nova constituiu-se por reacção anarco-sindicalista, após aquele congresso e era aderente à A.I.T., A campanha constitutiva da F.M.N. significou a maior das batalhas de cisionismo travadas, entre nós, pela C.G.T. O Sindicato Ferroviário da C.P. passara a ter uma vida meramente corporativa quase que desde as últimas greves neste ramo. O Sindicato dos Chauffeurs do Sul de Portugal era de tendências anarco-sindi- calistas.

A F.N.T.T. foi a materialização quase a 100% da unidade sindical no ramo dos transportes, — empreendida pelo topo e pela base, na própria fase do movimento operário em que as relações entre comunistas e anarco-sindicalistas se encontravam extremamente agudas; denotou, portanto, e a despeito disso, uma maleabilidade bastante notória da parte dos seus promotores.

Outro facto que importa reter está em que todas as palavras de ordem fundamentais, que colocávamos para o movimento operário nessa época, tais como «não colaboracionismo, mas sim luta de classes», «socorro aos desempregados», «democracia sindical», etc., etc., foram inscritas nos objectivos imediatos e mediatos da F.N.T.T.

A questão das relações internacionais foi relegada para um congresso futuro. Todavia a F.N.T.T. começou por dar publicidade a um órgão — «O Reduto». E todos se recordam de que este jornal — posto que duma federação alheia a tendências — era, no entanto, até exteriormente, o jornal procurado com grande interesse por todos os amigos da URSS e pelos simpatizantes do Partido. Supriu a falta de «O Proletário» e a tiragem oscilava entre 25.000 e 30.000 exemplares, nos últimos tempos da sua publicação.

A F.N.T.T. não significava uma mera realização de tipo federal. O seu Congresso constitutivo foi já o primeiro desfecho e o primeiro resultado duma campanha importante de sessões de massas realizadas em todos os centros de organização sindical do ramo de transportes de todo o pais. A seguir foi um móbil de revigoramento da actividade de vários sindicatos deste ramo,

A realização da unidade sindical neste largo sector do proletariado português foi também a própria expressão do alargamento das nossas posições em certos Sindicatos da Nova Federação e do crescimento das ideias de unidade entre os trabalhadores dos transportes de Portugal.

A Federação Marítima Velha, em que nos apoiámos principalmente para esta realização, atestava um trabalho nosso preliminar que lhe tinha conseguido elevar os efectivos de 170 para 5.000 trabalhadores.

Dirigidos pela F. N. T. T. temos de assinalar os seguintes movimentos, principalmente: greve geral dos operários da construção naval, por aumento de salários (2 000 a 2 500 operários); greve marítima de Setúbal, conduzida durante 3 meses, e que se concluiu por uma vitória parcial (5 000 operários); greve dos operários da construção naval da C. N. N. que levou a uma paralisação de todos os trabalha dores do porto de Lisboa e que teve uma vitória completa (2 meses de duração); greve dos fragateiros, com paralisação do pessoal do porto (sem sucesso — duração 15 dias).

O Congresso de Hamburgo de 1932 passou em revista o labor da F.N.T.T. e aplaudiu bastante esta realização dos trabalhadores dos transportes de Portugal.

Sindicato dos Operários Vidreiros da Marinha Grande

Este Sindicato foi organizado sob a direcção da C. I. S. e atestou durante alguns anos um labor francamente positivo. Bateu o recorde da elevação relativa dos salários dos trabalhadores da sua indústria. A par disso desenvolveu uma actividade de carácter mutualista bastante digna de registo.

O sindicato vidreiro marinhense foi um caso típico, em que o nosso movimento sindical vermelho soube tirar partido da concentração industrial, para promover um espírito de luta dos trabalhadores pela melhoria das suas condições de existência — tendo conseguido levar muitas vezes o patronato a ceder às reivindicações operárias.

Várias greves empreendidas na Marinha Grande — e o número delas foi bastante elevado — concluíram-se por uma dupla vitória — por uma elevação de salários dos trabalhadores e por uma indemnização dos patrões ao sindicato.

Em toda a actividade do sindicato marinhense, houve muito e muito da própria iniciativa dos militantes locais. Mas também deve registar-se a assistência política prestada pela C. I. S. e pelo Partido a esses camaradas.

Algumas greves que significavam uma espécie de «velocidade adquirida» tiveram a devida crítica da nossa parte — sobretudo a situação criada nas vizinhanças do 18 de Janeiro, em que certos camaradas se lançam para um movimento dum modo perfeitamente irresponsável, dir-se-ia que previamente dispostos a partir para a emigração no caso de perseguição ou de fracasso. Conduziram efectivamente a uma decapitação momentânea do movimento sindical marinhense.

Ainda neste caso o Partido procurou intervir a tempo, no sentido de passar-ce à necessária reorganição das forças do proletariado marinhense.

Resumo do Trabalho Sindical:
  1. — Reorganização do Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha e da Federação Marítima;
  2. — Organização da C. I. S.;
  3. — Organização do Sindicato dos Transportes;
  4. — Organização do Sindicato Vidreiro da Marinha Grande;
  5. — Organização da Federação dos Trabalhadores Rurais (Baixo Alentejo);
  6. — Organizarão duns 7 a 8 sindicatos nos centros mais populosos do Algarve;
  7. — Organização da C. S. R. no seio dos sindicatos anarco-sindicalistas;
  8. — Luta ideológica no seio do movimento sindical pelas reivindicações justas contra o desemprego;
  9. — Preparação ideológica e prática para a condução das lutas económicas dos trabalhadores no período 1930-1933, desde quando o nosso papel no movimento sindical passou a ser mais importante do que o dos anarco-sindicalistas.

O balanço dos efectivos sindicais era o seguinte neste período:

C. I. S. — 25 000 trabalhadores
C. G. T. — 15 000 trabalhadores
F. A. O. — 5 000 trabalhadores

18 de Janeiro

Esta questão não pode dizer-se que tenha entre nós uma análise completamente virgem.

No «Avante», logo após a eclosão desse movimento, conduzimos uma crítica ao caminho terrorista que em vários sítios se constatou nessa jornada e à táctica dominante, por vezes, no movimento sindical português que consistia em elaborar acções muito para além das condições concretas e do estado das forças da organização operária.

Se em vários aspectos essa crítica foi deficiente, isso deve-se em primeiro lugar à deficiência dos nossos meios de informação. Por exemplo, o caso da Marinha Grande, foi apresentado como um «modelo» de boa táctica. Só em Angra viemos a verificar que o feito ali, também, nem por isso tinha sido menos putchista. Não estamos em presença duma acção do proletariado local, dum movimento grevista de protesto contra o «Estatuto do Trabalho Nacional» que as massas alargam em virtude da sua efervescência revolucionária, mas sim ante uma acção estritamente de vanguarda, de membros do Partido e de comunistas sem partido, convencidos de que uma greve geral eclodiria em todo o país, à qual se juntaria o reviralho. Parece que foi mesmo neste sentido que se manifestou aos camaradas marinhenses em data prévia, certo «delegado» de Lisboa.

No VII Congresso(8), tivemos ocasião de proceder a uma análise um pouco mais demorada do 18 de Janeiro. Esta análise fez-se já num ambiente mais rico de experiência. Foi após a conclusão do VII Congresso da I. C. e do VI Congresso da I. C. J.(9), quando o balanço mundial dos feitos positivos e negativos da classe operária, da suas acções caracterizadamente de massas e de certas acções isoladas muito nos podia esclarecer, que em «comissão portuguesa» passámos em revista o 18 de Janeiro.

Sob esta última fase bastante falámos em Angra(10) e se é certo, como afirma o camarada elaborador do escrito anteriormente apreciado, que ele, nem directa nem indirectamente comparticipou naquela discussão, também é certo que os que dela comparticiparam não se ficaram em mutismo daí por diante e sempre que houve que falar em tal jornada do Partido. E é assim que se explica a aparição neste escrito a que nos referimos, de certas ideias que já tinham sido dispendidas nas discussões de Angra.

O que há de característico no escrito mais uma vez referido acerca do 18 de Janeiro é um amassamento de pensamentos razoáveis com outros destituídos de razão, de pensamentos insensivelmente ordenados de modo a dar o carácter pessimista que aquele escrito contém em quase toda a contextura das suas análises.

Em poucas palavras dir-se-ia que o 18 de Janeiro foi uma reacção que seria absolutamente necessário preparar contra o corte irremissível de todos os direitos e liberdades tradicionais dos trabalhadores, mas que em larguíssimas proporções se desviou das suas condições de eclosão e dos seus objectivos, tendo como epílogo uma derrota para a classe operária nacional e um revés caríssimo para o Partido Comunista. Também, contrariamente ao que alguns possam pensar, foi mais um esfrangalhar de organização do que uma depuração da mesma.

Porém, com esta afirmação, a questão do 18 de Janeiro não fica esgotada. Ao que fica dito não pode chamar-se uma análise. As palavras anteriores são mais uma conclusão que se elaborou a priori.

Entremos pois na análise do 18 de Janeiro.

As tentativas de extensão do fascismo até às organizações do proletariado português já se haviam feito sentir alguns anos antes. A própria plataforma governamental com que nos deparámos no S.U.E.C.I. tendente à constituição da «comissão paritária» e em luta contra a qual se formou a C. I. S. em começos de 1930, denota uma primeira tentativa daquela natureza, posto que colocada num terreno mais restrito.

Já comentámos o desenlace dessa plataforma.

Posteriormente, em fins de 1931, é empreendida nova tentativa deste género. É promulgado um decreto que cria o Conselho Superior de Economia Nacional e sobre a sua base deveria fazer-se a reorganização da organização sindical operária e patronal. Estas duas organizações de carácter gremial começaram por ter enlace já na base local. Pouco após esta aparição teve lugar no Porto o encerramento de vários sindicatos operários e a prisão de vários militantes. Previa-se uma situação idêntica para Lisboa. A Federação dos Transportes fez uma convocatória de reunião da C. I. S., da C. S. L. e da C. G. T. para apreciar a situação e para tomar medidas adequadas. A C. G. T. não compareceu dessa vez e da segunda convocatória também a C. S. L. marcou a sua ausência. A C. I. S. e a F. N. T. puseram em guarda as suas organizações aderentes ante a situação que o citado decreto visava criar à organização operária. Elaborou-se uma circular que foi distribuída a todos esses sindicatos, dando-lhes instruções detalhadas sobre a forma de luta a empregar contra esse decreto de destruição das formas tradicionais da organização operária.

O patronato também opôs uma visível resistência às medidas promulgadas. Ficaram, portanto, no papel. Mas o traço principal do toda esta rememoração está em salientar que nós não deixávamos passar estas medidas sem as atacar de frente.

O ano de 1933 trouxe, desde o seu próprio início, um facto novo à situação mundial. O hitlerismo instalara-se na Alemanha sobre a base da luta mais terrorista e mais cruel contra o Partido Comunista. Desde essa altura o fascismo deixava de ser um fenómeno especificamente italiano, como até então por muitos era considerado.

Esta situação, que significava um novo balão de oxigénio para o capitalismo mundial, teve as suas repercussões imediatas, também em Portugal. É no meio deste ambiente que são promulgadas as medidas que deviam conduzir ao 18 de Janeiro.

Porém, a vitória nazi não foi devidamente esclarecida no terreno internacional. Mesmo após mais dum ano de dominação dos camisas pardas ainda se considerava o fascismo alemão como «um poder cruel mas precário» (o sublinhado é nosso). O XIII pleno põe como actual ainda em 1934 a questão do poder dos sovietes para a Alemanha e para a Polónia. Isto deu margem a que certas tendências duma certa «bendição» do triunfo nazi, como elemento, depurador do P. C. A., tomassem expressão entre certos camaradas, mesmo do nosso Partido.

Mas há outros elementos a caracterizar o ambiente internacional. O nazismo, no dizer de muitos, vencera na Alemanha sem a indispensável reacção do P. C. A., o qual, segundo aqueles mesmos, devia ter ido para a insurreição armada. Esta mentalidade tinha largo corpo no nosso país. E semelhante facto deve salientar-se como bastante principal, porque ele acrescenta a ideologia dos elementos que no 18 de Janeiro apenas sabem seguir o caminho ou terrorista ou das acções totalmente desligadas das massas.

Quando os seis decretos do fascismo português pela «totalização» vêm a público, nós começámos por encará-los bastante a sério. Analisámo-los por várias vezes e o nosso pensamento geral consistiu em propor a união de todas as forças da classe operária para a luta contra eles, principalmente contra a aplicação do Estatuto de Trabalho Nacional.

Conseguimos realmente a constituição do «comité de unidade», C.I.S., C.G. T., F.A.O., da Comissão dos Sindicatos autónomos e da comissão dos trabalhadores do Estado.

À reunião da formação desta última comissão apresentou-se, elaborado por nós, um documento de análise do Estatuto e no qual se dava um larguíssimo lugar aos métodos de luta a empreender. Colocávamo-lo no terreno da utilização das condições legais. Qualquer forma de luta ilegal ainda aí nem sequer era frisada, mesmo subentendidamente. Dizíamos em substância, que os sindicatos ainda se regiam pelos velhos alvarás. Era portanto necessário lutar sobre esta base. Convocar reuniões de Assembleias Gerais com o fim de levar os trabalhadores a votar contra o E. T. N. O que era preciso era patentear bem altamente e bem publicamente que os trabalhadores estavam contra a fascização dos seus sindicatos, que desejavam continuar a dispor do direito de organização independente. Também só sobre a mesma base da realização de Assembleias Gerais é que poderia falar-se de vontade dos trabalhadores portugueses.

Documentos e discussões desta natureza se levam aos outros órgãos já mencionados.

Não obstante, as tendências de «marcha a todo o vapor» para a ilegalização do movimento e dos sindicatos operários para a ilegalidade, manifestaram-se logo nas primeiras reuniões. A C. G. T. pugnava pela «greve geral revolucionária», palavra de ordem que não tinha as mínimas condições de aplicação. Nos Sindicatos Autónomos e na comissão dos trabalhadores do Estado há vários porta-estandartes de uma palavra de ordem algo parecida.

Dum modo geral desde Setembro de 1933 até à data da eclosão do movimento, os militantes sindicais cristalizam-se em volta da preparação do movimento grevístico e sedicioso, mandando ao diabo a questão das Assembleias e das formas de protesto público de massas contra as medidas iminentes. Entre os trabalhadores do Estado, parece que só o Sindicato do Pessoal do Arsenal de Marinha efectuou uma Assembleia, aliás largamente assistida, de reprovação do E. T. N. Porém, neste mesmo sindicato ainda nos recordamos do trabalho e das imposições a militantes que foi necessário fazer, para conseguir a convocação de tal Assembleia.

Que este era o bom caminho inicial, demonstrou-o a prática exuberantemente. Nos meios alheios à C. G. T. estas assembleias efectuaram-se dum modo geral. Tiveram lugar em vários sindicatos. E, o que é importantíssimo, elas constituíram a norma de acção de muitos sindicatos e associações da província, que viviam desrelacionados dos organismos centrais da classe operária.

A prática de todos os factos que posteriormente se desenrolaram, demonstrou também que só aquele seria o verdadeiro termómetro. Efectivamente, percorrendo a história dos principais feitos internacionais positivos e importantes da classe operária, regista-se que todos eles tiveram como A.B.C. da sua eclosão o empreendimento de campanhas de esclarecimento, de propaganda e de agitação públicas tendentes a mobilizar as forças que lhe poderiam dar corpo e efectividade. Uma greve geral revolucionária, por exemplo, é o desfecho duma situação revolucionária já atestada nos factos, no estado de espírito e na atitude das próprias massas. Esta não era de modo nenhum a situação criada pelos decretos que o 18 de Janeiro se propunha combater.

Porém, nós ainda não tínhamos vencido o nosso provincianismo anarco-sindicalista.

A massa retardava em geral para a acção revolucionária. A sua vanguarda organizada «politicamente» é que criava uma mentalidade para a «barricada».

Foi fácil cair neste círculo vicioso: se a massa retarda é impossível preparar a luta sobre a base duma acção de massas, mas precisamente porque a massa retarda é que é preciso efectuar a acção a nossas próprias expensas.

Assim pensavam os que em várias outras emergências já tinham atestado a sua falta de paciência política. No Partido o ambiente geral geral era de fuga para as acções isoladas. A maior parte dos camaradas da base do Partido, aliás cheios de denodo revolucionário e cuja sinceridade proletariana ninguém ainda pôs em dúvida, eram novos e desprovidos da mínima experiência sobre a actividade sindical e sobre os métodos sãos da táctica do movimento operário. No Comité Regional de Lisboa facilmente se criou a tendência geral para a acção directa. Em quase todos os outros sítios a situação era idêntica. Neste Comité, por exemplo, nós interviemos por mais de uma vez no sentido de desfazer estas tendências e para criar no seu lugar o espírito de organização da luta de massas. Entretanto vimos que esta outra orientação não poderia ser compreendida. Após certa reunião a que assistimos e onde o problema debatido foi aquele precisamente, ouvimos um camarada despedir-se de outro, dizendo: «agora vou para o «comité de brigadas». Outro camarada, responsável de Coimbra, com quem debatemos problema idêntico, considerou-nos «fora da linha política do Partido», disse-nos por fim: «agora vou à procura dum caixote de material».

Tal era a situação que já se respirava um pouco aí por volta de Outubro de 1933.

O Partido debatia-se no meio de dificuldades enormes para conseguir a impressão dos seus manifestos. Elaborámos uns quantos, todos eles subordinados à táctica «movimento de massas», etc., mas que não chegaram a alcançar a luz do dia. E entretanto era absolutamente necessário vir a público:

Em meados de Outubro partimos para Madrid com estes objectivos principais:

  1. — buscar um auxílio moral externo à luta a empreender.
  2. — informar da situação a Delegação da I. C. e procurar uma directiva.
  3. — efectuar uma tiragem larga dum manifesto que deveria ser introduzido no país.

O nosso primeiro trabalho consistiu em eleborar um relatório sobre a situação da organização da luta sindical em trânsito contra o E. T. N., sobre a exposição dos dois caminhos em luta, «táctica putchista» e «táctica de massas», salientando a necessidade duma agitação imediata de larga envergadura contra aquele primeiro caminho que ameaçava ultrapassar o outro.

Logo no decurso das primeiras semanas após a nossa chegada a Madrid, tivemos ocasião de verificar que a primeira táctica avultava-se em progressão geométrica, ao passo que a outra se tornava uma pálida caricatura.

A despeito de tudo tivemos de permanecer por lá até Dezembro de 1933 sem conseguir nada de concreto. Da parte da própria Delegação havia a ideia de que o E. T. N. não seria aplicado e além disso um manifesto que conseguimos fazer imprimir foi obtido por encargo particular e chegou ao país demasiado tarde e ainda com o agravo de ficar apenas no conhecimento de alguns sectores da Região do Sado.

No domínio dos factos, o 18 de Janeiro foi aquilo que todos sabemos. Um «movimento de pura surpresa» que teve na própria véspera a explosão dumas «bombas de descuido», em Setúbal, a explosão da Central Eléctrica, em Coimbra, a aglomeração das brigadas de choque em Xabregas, etc., etc., factos que qualificamos de pura anarqueirada.

De facto, neste domínio, o 18 de Janeiro foi pura e simplesmente ridículo. Foi a expressão da própria impotência da organização operária proletária na luta pela continuidade da sua própria existência independente.

Mais tarde, no campo da crítica aos resultados do movimento estabeleceu-se uma certa querela entre os partidários da proclamação do movimento e os partidários da surpresa. Hoje, a questão pode ser posta a claro sobre outra base: tudo esteve em a própria organização operária ter ilegalizado por suas próprias mãos o movimento em questão e isto desde os primeiros dias. Siga-se a sua norma táctica ao adiar sucessivo dos protestos de massas pela C. G. T. sob o pretexto de que era necessário trabalhar o Porto, o que deu em resultado deixar-se perder a altura do melhor ambiente de massas e que colocou mais o 18 de Janeiro como luta contra um facto consumado (pois os velhos sindicatos foram oficialmente encerrados em 31 de Dezembro), e o que por fim minou toda a base de massas que o próprio 18 de Janeiro poderia ter tomado.

A nosso palavra de ordem havia sido: «greves e manifestações de massas» contra o E. T. N„ Esta palavra de ordem era inteiramente materializável. Marinha Grande, Silves, Barreiro, etc., poderiam com relativa facilidade ter ido para a greve. Rememorando, por outro lado, as assembleias possíveis não é arrojado afirmar-se que mais de 50 000 trabalhadores poderiam ter feito ouvir a sua voz por esta maneira.

Também não teria criado as consequências que se registaram para a classe operária portuguesa com a eclosão daquela quantidade de acções de provocação inconsciente que caracterizaram essencialmente o 18 de Janeiro.

Face a uma espécie de caos, nós procurámos reduzir ao mínimo os estragos (atitude tomada face à O. R. A. e a duas unidades da Beira Baixa).

Fazendo um rápido balanço dos resultados do 18 de Janeiro, constatamos:

  1. — no domínio da táctica:
  1. — o Partido não apareceu como um bloco homogéneo quanto aos meios de preparação e de actuação do movimento;
  2. — a C. I. S. concedeu demasiadamente à C. G. T. no campo da táctica e das palavras de ordem empregadas, talvez pelo desejo de manter a unidade «à outrance»;
  3. — o Partido ainda não tinha expurgado o terrorismo completa mente das suas fileiras.
  1. — No domínio dos estragos:
  1. — a organização independente da classe operária portuguesa foi totalmente derrotada;
  2. — os quadros do movimento sindical foram destroçados em mais de 90%, quer pelo número de prisões efectuadas, quer pelo número de deserções;
  3. — a reorganização temporária do movimento sindical no terreno ilegal só pôde ser empreendida sobre a base de esforços verdadeira mente sobre-humanos;
  4. — o Partido atravessou até meados de 1933 a maior das crises até então conhecida de manutenção dos seus próprios quadros, registando-se a par disso a perda de mais de 80% de todo o trabalho de formação anterior de quadros.
  1. — No domínio da crítica ao movimento:
  1. — do ponto de vista central encarou-se o 18 de Janeiro como que significativo duma depuração do movimento operário e não poucas vezes se registou como uma vitória dos trabalhadores. Afirmou-se sobretudo, na imprensa sindical, que o movimento operário perdera em extensão mas ganhara em profundidade — o que dava a impressão de que fazíamos um certo elogio da própria ilegalidade para que o fascismo nos arremessara pela força;
  2. — qualificámos de anarqueirada todas as acções de carácter sedicioso e isoladas que tiveram lugar no 18 de Janeiro. Realmente elas foram a expressão das tendências anarquistas ainda enraizadas no movimanto sindical português. Porém, isto dificultou a unidade sindical para os tempos futuros. Nós não desaprovávamos por exagero aquelas acções, deveríamos porém colocá-las sob a designação geral de terrorismo;
  3. — a nossa crítica enfermara de sectarismo, também quanto ao exame das perspectivas criadas ao movimento sindical com a liquidação dos sindicatos legais independentes da classe operária. Previmos a possibilidade de rompimento da ilegalidade imposta pelo fascismo (semana de agitação, etc.) e subordinámos a esta perspectiva a reorganização do movimento sindical e do Partido. Deste modo retardámos na busca das novas condições de legalidade da luta pela defesa dos interesses da classe operária, em primeiro lugar, no novo estudo do E. T. N. imposto, das afirmações que ele pudesse conter e que dum modo ou doutro facilitassem aquela tarefa e na descoberta dos métodos de reclamação acessíveis às massas e possíveis dentro da nova situação criada: onde as formas de comissões independentes de fábrica ou de empresa ainda tinham viabilidade, onde já não se pudesse lutar senão sobre a base dos S. N., etc.;
  4. — o próprio estado letárgico dos S. N. durante mais de um ano, de sindicatos que não passavam de comissões organizadoras, levou-nos a descuidar a vigilância acerca dos próximos progressos do fascismo, neste terreno (criação de comissões de estudos corporativos, de formação fascista, de quadros para os S. N., etc.).

Reconstrução do Partido e do Movimento Sindical

Certos elementos do Partido haviam colocado a questão de abandonar o país, emigrando para Espanha, no caso de fracasso do movimento contra a fascização dos sindicatos. Quer isto dizer que, muito antes do 18 de Janeiro, já o Secretariado havia posto a questão de que o país era o nosso posto. Depois do 18 de Janeiro nós próprios começámos por dar o exemplo, mantendo-nos no trabalho activo.

Com o 18 de Janeiro quase todos o sectores do nosso trabalho se encontravam destroçados. Em mais de 80% dos casos tivemos que passar a trabalhar com gente nova. Os próprios membros do Secretariado passaram a assumir a direcção imediata do trabalho em algumas empresas. A reorganização fez-se à custa dum trabalho exaustivo e no meio das maiores dificuldades sob o ponto de vista de ambiente policial e da mais completa carência de recursos, mas fez-se e com resultados muitíssimo positivos.

Quando chegámos ao VII Congresso da I. C. pudemos apresentar este pequeno balanço, aliás bastante elogiado nas secções respectivas internacionais:

  1. — efectivos do Partido superiores a 400 membros, espalhados pelos pontos mais importantes do país;
  2. — larga influência do Partido entre o proletariado, enraização da influência comunista em certos sectores camponeses e organização e influência bastante apreciáveis nos meios intelectuais e estudantis;
  3. — organização efectiva do trabalho em várias empresas importantes;
  4. — uma imprensa ilegal do Partido assegurada e de contacto com as massas;
  5. — efectivos sindicais à roda de 2 000 homens, em ligação com uma profusa imprensa sindical;
  6. — um largo trabalho de S.V. I.;(11)
  7. —relativa actividade das J. C.;(12)
  8. — vulgarização das nossas questões na imprensa estrangeira («Monde», «Correspondência Internacional», exposição em Paris da imprensa prisional, etc.);
  9. — forte organização de marinheiros;
  10. — Partido, força principal portuguesa de luta contra o fascismo.

É para acrescentar que todo este trabalho, não só de após 18 de Janeiro mas de toda a vida do Partido desde a reorganização de 1929, se havia feito por nossa conta e risco, sem directivas concretas da I.C.

Este era também o balanço ainda subsistente quando caímos na cadeia.

No VII Congresso passámos em revista os nossos lados fortes e fracos. Registámos os nossos progressos mas também não virámos as costas às nossas deficiências. Ideologicamente o nosso Partido era ainda bastante débil em vários aspectos da sua vida. O ponto sobre que mais fomos criticados era o da fraqueza ante a polícia de muitos membros do Partido.

Recordou-se o caso René, elemento confidente das autoridades tchecoslovacas enviado para Moscovo pelas J. C. Recordou-se o caso das denúncias à polícia de tipografias do Partido (Roque, etc.) e que a imprensa da J. C. justificava «ante os maus tratos infligidos ao camarada». Recordou-se a informação prestada à polícia por certos elementos, mesmo de responsabilidade, quando presos, sobre quem tinha a seu cargo as tipografias do «Avante» e «Proletário» (isto já em 1934). Recordou-se a como que táctica de certos elementos do Partido que consistia em evocar um responsável para todas as ligações, a maior parte das vezes, camarada que existia e que passava a ter um calvário enorme de contas a ajustar (tal é o caso do Matoso, de José de Sousa, de Gabriel Pedro, o nosso próprio caso, etc., etc.).

Sobre a base desta dupla apreciação nós trazíamos todas as condições para empreender a viragem de harmonia com o VII Congresso:

  1. — os efectivos dos sindicatos ilegais deviam ser incorporados no Partido;
  2. — o centro do trabalho sindical devia deslocar-se para dentro dos Sindicatos Nacionais;
  3. — a unidade sindical devia pôr-se na base das campanhas comuns de propaganda e de agitação em torno das questões concretas dos trabalhadores e organização de todas as possibilidades legais interiores e exteriores aos S. N.
  4. — a F. P.(13) colocava-se no terreno da utilização de todos os meios possíveis de expressão legal das camadas médias do país e dos sentimentos de liberdade do povo português;
  5. —a solidariedade de massas sobre a base duma «solidariedade comum», pôr-se-ia no terreno dos sentimentos de humanidade das massas e das camadas intelectuais do país.

A nossa prisão ocorreu no momento mais inesperado e quando mais indesejável, não nos dando tempo a entrarmos na aplicação deste programa e da experiência que o próprio VII Congresso nos havia fornecido.

Porém, as linhas que precedem denotam, sem a mínima sombra de dúvida, este facto capital:

O nosso P. C. não é um caso especial do movimento comunista mundial, nem os seus chefes foram uns simples pobretanas desprovidos de capacidade política. Tem os seus lados positivos e negativos como todas as secções da I. C. Entre 1929 e 1935 estende-se um verdadeiro mundo de actividade comunista.

Significado da Luta pela Politização do Movimento de Massas

No escrito que vimos analisando afirma-se a certa altura que a luta propriamente pelas reivindicações concretas da classe operária era o que menos importava, que o principal para nós era conseguir elementos para o Partido.

Nos comentários apresentados por G. P. arrisca-se mesmo que já a partir de 1931 o Partido deveria ter feito marcha atrás.

Estes pensamentos confundem bastante a situação do tempo a que se referem, e, por isso, lhes consagraremos, também, algumas observações.

Em primeiro lugar é um profundo erro afirmar que só a conquista de filiados no Partido nos poderia interessar. Precisamente as maiores críticas exteriores de que fomos alvo, críticas aliás formuladas a todas as secções da I. C., consistiam neste facto absolutamente oposto: na chocante desproporção entre a nossa influência de massas e as cifras dos efectivos do Partido. Para só se frisar o que se passava relativamente ao movimento sindical basta dizer que nós influímos, directa e indirectamente, para cima de 25 000 trabalhadores. Pois os efectivos do Partido, na sua totalidade, andaram quase sempre à roda de 400 homens!

Em segundo lugar, não nos faltam provas abonatórias do nosso interesse pelas reivindicações concretas dos trabalhadores. Esta questão, exactamente, esteve na base, não só da reorganização do Partido em 1929, mas também de toda a luta ideológica que conduzimos exteriormente contra os velhos métodos da luta sindical, contra aquelas tendências que já consideravam colaboracionismo a reclamação sindical entabolada de comissões operárias com o patronato e com os organismos de Estado.

Todos aqueles que se recordam do próprio conteúdo da primeira série de «O Proletário» sabem, sem a menor sombra de dúvida, que o maior espaço deste jornal era consagrado precisamente ao relato do movimento reivindicativo de luta pela defesa dos interesses dos trabalhadores de todo o país (reclamações postas em assembleias gerais, démarches efectuadas, moções submetidas à assembleia e comícios, etc.), à correspondência dos campos e das oficinas, etc.

Desde 1929 a 1933 nós quase que não fizemos outra coisa nos sindicatos, do que tratar da defesa da situação económica dos trabalhadores e por meio de acções absolutamente legais, sobre a base de démarches junto das entidades a quem as questões em litígio deviam ser apresentadas. Não deixaria de formar um volume bem grosso e, o que é mais importante, bem cheio de ensinamentos para muitos, a colecção, se ela hoje fosse possível, dos trabalhos deste teor realizados pelos membros do Partido que actuavam nos sindicatos!

A Comissão Inter-Sindical e os Sindicatos Marítimos e Ferroviários, os Arsenalistas e a Federação de Transportes, muitos sindicatos da província dirigidos por nós tiveram um labor a este respeito, que é indispensável considerar, por vezes, grandioso.

As contradições entre esta realidade e algumas afirmações que hoje é fácil fazer está antes de tudo no facto de que outrora havia um número relativamente apreciável de camaradas do Partido que viviam alheios ao movimento sindical, porque só lhes interessava mais directamente abordar as «grandes questões». Por exemplo: fazer um comício relâmpago e disparar uma pistola...

Se tivéssemos procedido doutra forma não seria o nosso Partido capaz de alcançar a popularidade sindical que chegou a ter.

Antes de 1929, quando as massas falavam de comunismo, referiam-se aos comunistas... franceses, por exemplo. Depois de 1929 referiam-se a nós.

Mas, claro está, todo aquele trabalho não descartava a questão da politização da luta de massas. Abordemos, pois, esta questão da politização nas suas determinantes, nos seus resultados positivos e nos seus desvios.

Os fins de 1929 deram início à crise mais séria, mais grave e mais profunda do sistema capitalista. Esta crise que abalou toda a economia mundial e que levou nos principais países do continente europeu e do americano a um desemprego de massas jamais visto, colocou-nos a partir de 1932 e a alguns países à beira da catástrofe. O grande mérito dos comunistas está em terem previsto esta crise com antecedência e em não terem exagerado quando afirmaram que ela ia corroer todos os fundamentos económicos, políticos e sociais do sistema capitalista mundial. Efectivamente, a partir de 1932 o Estado burguês já demonstrava exuberantemente que não podia continuar a reger-se pelos velhos métodos de subordinação das massas à democracia burguesa. A crise económica 1929-33 alargou-se até às proporções de crise geral do sistema capitalista. Não é nosso objectivo, nem isso é necessário para o caso que nos ocupa, pormenorizar os aspectos destruidores dessa crise. Queremos reter apenas um facto bem fundamental. A Alemanha entrou na atmosfera de crise económica, cumulada pelos encargos ciclópicos das reparações de guerra, pelas restrições que já anteriormente lhe haviam sido impostas relativamente ao comércio mundial de produtos manufacturados. Foi aí onde a crise operou os maiores estragos. Um dos escalões principais do sistema capitalista passou a atestar sérios indícios de crise revolucionária. O problema do poder dos Sovietes passou a estar na ordem do dia na Alemanha e ninguém duvidava das repercussões que o facto teria para todo o capitalismo europeu. A luta dos comunistas consistia na preparação das massas para a tomada do poder.

Daí a táctica fundamental ou politização crescente das lutas económicas dos trabalhadores. Daí também o que há hoje que salientar não é a necessidade de tal «recuo», proposto por alguns... a partir de 1931.

Aliás ninguém pode afirmar que a crise, por exemplo, não foi catastrófica até ao máximo de modo a não comportar as palavras de ordem revolucionárias que se elaboraram, nem que o ano de 1931, por exemplo, marcou o termo dela, para que tivéssemos de encarar a viragem política por essa altura. O que é preciso distinguir é entre a politização proposta pelos próprios factos e as acções que, afinal de contas, nada têm que ver com o conteúdo de politização leninista, tais como Monsanto, comícios relâmpago, dir-se-ia realizados para a experiência de pistolas, detonação de bombas por ocasião do 1.° de Maio, etc. Pelo contrário, estes actos eram a expressão da própria incompetência de muitos dos membros do Partido para abordar as massas no terreno da politização.

O que há que salientar é que a burguesia mundial, desde sectores da extrema reacção política, económica e social até aos sectores da social democracia, manifestaram um redobrado trabalho no sentido de salvar o sistema capitalista inexoravelmente ameaçado. Desde a proclamação da moratória alemã, até ao empreendimento da política de contingentação do mercado mundial e do estabelecimento das autarquias nacionais, regista-se um conjunto de medidas que na realidade promoveu uma certa base económica de manutenção temporária do capitalismo. A social-democracia traía a classe operária e deu sobejos ensinamentos à reacção sobre o modo de dividir e de ilusionar as massas. É por isso que a violência e a demagogia social vão ser as armas por excelência do fascismo. O triunfo de Hitler marca o começo da estabilização temporária do capitalismo de após-crise 1929-1933.

O erro que, afinal de contas não é só nosso, está em se ter subestimado esta perspectiva até, pelo menos, aos começos de 1935.

Portugal é um escalão dependente no sistema capitalista mundial. A situação em vésperas de 18 de Janeiro era esta: o movimento de massas havia crescido sob a própria vigência do Estado Novo e o organizador e promotor deste movimento era o Partido Comunista, o que representava uma coisa muito séria.

Esta situação não podia durar para a burguesia. Depois, Hitler tinha triunfado na Alemanha. Hoje é fácil concluir que o proletariado português não podia vencer:

  1. porque as suas forças se encontravam dispersas;
  2. porque não estava revolucionado a ponto de actuar com envergadura necessária, nem sob formas menos expressivas da Marinha Grande, etc.;
  3. porque a burguesia liberal o abandonara aos seus próprios destinos.

Tal é o verdadeiro exame à situação.

Mas ficaremos nós com a ideia de que a acção do Partido se resumia aos Monsanto, aos comícios relâmpago, às acções de desvio de 18 de Janeiro?

A própria história do Partido desde 1929 (começo da crise, reparai bem) a 1935 é essencialmente a expressão do nosso labor político e sindical através da própria crise geral do capitalismo.

Nós orgulhamo-nos da história de todo esse labor positivo. E mais: estamos convencidos que ela é ainda a bandeira mais influentes para o Partido quando ele tiver ante si o problema da reorganização que há-de levar os trabalhadores à vitória.

As Nossas Relações com os Republicanos

São vários os que pensam que a linha de combate que adoptámos em «O Proletário» e no «Avante» à ideologia reviralhista é a expressão pura e simples dum sectarismo consubstanciado no desconhecimento dos objectivos e das forças republicanas.

Não pretendemos encobrir de modo nenhum nem esse nem outros sectarismos, lá onde eles se manifestaram. Em capítulo apropriado abordaremos essas questões.

Porém no assunto que ora nos ocupa, queremos revelar alguns factos que são desconhecidos da maioria dos nossos camaradas.

Nós fizemos um exame bastante sério ao 7 de Fevereiro. Esta revolução salientou-nos algumas coisas novas. Produto das novas condições históricas em que vivíamos, toda a acção desenvolvida nos dias de revolução revelou que a burguesia liberal perdera o lugar de comando na táctica, na estratégia e na iniciativa. Em contrapartida as massas apresentavam-se muito mais aguerridas. O 3-7 de Fevereiro teve condições para triunfar. Porém perdeu-se e nós próprios tivemos ocasião de ouvir o relato dos vários erros praticados pelos «comandantes militares». Algo parecido voltou a ocorrer na revolta da Madeira e Açores.

Chegamos à conclusão de que as massas activas do povo português precisavam de novos e melhores chefes.

Doutro lado o poder ditatorial que se instalara no poder representava algo de novo na história do país. A ditadura não cairia por obra e graça do divino Espírito Santo. Para vencê-la seria preciso organizar e obter forças relativamente às quais, mesmo todos os agrupamentos antifascistas reunidos, apenas dispunham duma percentagem minúscula, e para realizar esse objectivo era preciso assentar num programa mínimo.

A reacção, por seu lado, dispunha-se, também, dali por diante, a jogar as últimas. Todos os actos sediciosos seriam considerados comunistas.

Há muito quem pense que a nossa exigência dum programa era um entrave à concentração antifascista. A realidade é que sem esse programa nem os próprios chefes republicanos foram capazes de chamar a si todos os que poderiam considerar-se seus.

Ora os chefes republicanos responderam-nos sempre: agora, o o que é preciso é derrubar «o que está» depois veremos. Decorridos todos estes anos, todos poderão sacar, sem dificuldade, as conclusões dessa táctica de «complots» e de aliciamentos, de conspirações quase medievais, que significaram quase sempre fazer organização para a polícia, que conduziram por uma quantidade de vias ao destroço dos próprios quadros e da parte do próprio exército da luta contra a ditadura.

Nós nunca nos esquivámos a parlamentar com os chefes republicanos, nem colocando a questão dum programa lhes dissemos, por exemplo, que a nossa luta, num caso dum concerto com eles, será pelo Governo Operário e Camponês.

Em 1933 fomos abordados por indivíduos ligados ao major Sarmento Beires que nos colocaram a questão de saber sobre que base poderia o P. C. entender-se com o Comité. Elaborámos as condições dessa concentração e apenas temos a recordar que esse programa era bem mínimo.

Até então não havia programa nenhum. Depois, desde que o nosso apareceu, não houve por assim dizer, grupo nenhum que não elaborasse o seu programa. E caso curioso: todos esses programas eram muito mais revolucionários. A diferença fundamental estava no seguinte: é que o nosso programa era uma proclamação, portanto, destinava-se à publicidade no objectivo da conquista de novas forças, ao passo que os programas deles, salvo uma ou outra excepção, não se destinava a lobrigar a luz do dia.

Em vários casos devemos reconhecer que isso não foi um mal porque de contrário não só não teriam criado uma popularização, como ainda forneceriam mais elementos à ditadura no combate contra os que a guerreavam.

Porém a realidade é esta: continuava-se em «silêncio» e sem progredir.

E afinal de contas porquê tantas dificuldades? Realmente não era só por uma questão de ideologia e de métodos de acção política e estratégica que os grupos republicanos se mostravam contrários à elaboração de qualquer programa. Era antes de tudo pelo facto de que a unidade deste ponto capital — restabelecimento de democracia — eles não estavam de acordo. Formava-se um Comité e começava o trabalho de aliciamento. Quando porém se colocava a questão da divisão dos comandos e das pastas ministeriais então, invariavelmente... lá se ia tudo por água a baixo.

A história da organização reviralhista com vistas ao derrubamento da ditadura foi em larga escala a história da colocação da pequena burguesia flagelada nos braços do fascismo.

Evidentemente que todos estes factos não podiam deixar de ter a sua expressão na nossa imprensa e nos manifestos do Partido, desde a reorganização até às vésperas do VII Congresso porém nós recordámos que, quando das eleições de 1935 para a «Assembleia Nacional», colocávamos a questão de que o fascismo não era uma arma apenas dirigida contra os trabalhadores e salientávamos a palavra de ordem: «Todas as forças antifascistas devem unir-se para combater a ditadura».

Já nesse tempo a questão se colocava nestes termos: ganhar as forças indispensáveis à luta em vista contra o fascismo significa utilizar os meios existentes no campo das organizações que tocam as massas e conquistar novas posições desta natureza. O combate concreto, nas organizações indicadas, às medidas económicas e políticas da ditadura, esse é o meio sem o qual o exército antifascista não seria capaz de formar-se nas proporções requeridas.

A guerra de Espanha revelou a razão que tínhamos em colocar o problema nestes termos. A reacção, essa sim, essa pode triunfar temporariamente por meio de um acto sedicioso de complot, desde que consiga sujeitar os acontecimentos à la longue, em virtude dos auxílios internacionais que é capaz de motivar. A revolução mesmo nos quadros de restabelecimento da democracia tem que organizar-se em outras vias.

Abordemos outro ponto não menos importante e para conclusão: a plataforma «Governo Operário e Camponês» nunca foi colocada como uma plataforma de acção prática imediata. Era uma plataforma de agitação e de esclarecimento, que tendia a que os comunistas mostrassem a sua própria cara às massas.

O problema, nestas condições, não podia ser tomado como uma impossibilidade a que a F.P. se iniciasse, já porque para ela nós fornecíamos um outro programa — o programa condensador das reivindicações imediatas e de certos princípios compatíveis com uma democracia de carácter popular.

Mas, a realização de quaisquer passos concretos no sentido do empreendimento duma F.P. a valer, significava, também, a realidade duma certa viragem política dos chefes da pequena-burguesia.

Ora uma viragem, propriamente, nós não a constatámos nem nessa altura nem mais tarde, a bem dizer.

E entretanto foi um facto dessa natureza e devidamente atestado pelas atitudes e pelos factos que deu margem em França aos progressos da F.P. durante um certo período limitado da história política francesa e mundial. Quando nas manifestações do «Rassemblement populaire» as massas proletárias entoavam a Marselhesa para a seguir fazer entoar a Internacional às massas da pequena burguesia, quando nas mesmas manifestações a bandeira tricolor se entrelaçava com a bandeira vermelha, não significava isto que a concentração popular não punha o problema de os comunistas ocultarem a sua própria cara?

O «Rassemblement» popular, mesmo em França, teve apenas uma curta duração.

A viragem dos chefes da pequena burguesia foi muito transitória. Nos seus grandes efectivos todos eles se entregaram de novo nos braços da reacção.

Entre nós, mesmo sob a influência da F. P. francesa e da guerra de Espanha, os chefes do reviralho de certo modo simpatizantes da «Frente» não puseram de parte as suas tendências putchistas. Pelo contrário, as suas esperanças nos acontecimentos que se desenrolaram na Europa levavam-nos a ver a justificação do seu ponto de vista, a certeza de que as circunstâncias se achavam favorecidas para o seu triunfo político sobre a base da táctica dos «complots». A F.P. mesmo na escala mundial serviu para chegarmos mais directamente a certas camadas da pequena burguesia. Foi, deste modo, uma plataforma mínima.

Por isso a nossa F.P., ao criar-se num terreno alheio às massas pequeno-burguesas, mesmo após o VII Congresso, ao cristalizar-se no terreno de organização de topo e sob o figurino dos países do movimento legal, deu-nos vantagens quase nulas.

O Problema das Relações com os Anarco-Sindicalistas

A discussão anterior sobre os 12 anos motivou da parte de alguns camaradas afirmações desta natureza: o combate empreendido contra os anarquistas na crítica feita aos resultados do 18 de Janeiro tornou impossível a viragem para o campo das relações de unidade sindical e de F.U. com eles nos tempos subsequentes.

Efectivamente o 18 de Janeiro abriu grandes feridas entre nós e os anarquistas, mas não só entre nós e eles. Abriu-as no próprio Partido.

Em vários casos, realmente, nós fomos bastante sectários e adiante dedicaremos algumas observações a esse sectarismo.

Por agora, recordemos um pouco a experiência que adquirimos com eles.

A C.G.T. atrelara-se aos republicanos e abandonara a actividade sindical a partir de 1927. Houve uma altura, desde então até à reorganização do P.C., que a palavra de ordem da C.G.T. era uma espécie de boicote. Diziam: «a melhor forma de protestar é não manifestar»; recusam a comparticipação no 1.° de Maio de 1928, etc., etc. Vários dos sindicatos seus aderentes (Fogueiros de Mar e Terra, etc.) eram completamente ultrapassados pelas massas. A direcção dos Sindicatos dos Manufactores de Calçado (anarco-sindicalistas) dormia o sono dos justos. Havia vários problemas de interesse operário a tratar nestes sindicatos e nós abordámos aí tais questões. Durante um certo tempo empreenderam em certos pontos (Lisboa e Porto, sobretudo) a táctica de denunciar os comunistas nas próprias Assembleias Gerais.

«O Proletário» precedeu a «Vanguarda Operária». Quando este apareceu desejámos-lhe as «boas vindas». A resposta foi o mais aceso combate aos comunistas e a «O Proletário».

Constituiu-se a CIS como órgão, inicialmente, sem tendências. A posição deles foi criar a CIF e sobre essa base conduziram contra nós uma guerra de morte.

Durante todo o período que se estende desde a reorganização de 1929 até aos preparativos do 18 de Janeiro, a C. G. T. jamais se dirigiu à C. I. S., jamais a quis reconhecer, jamais quis tratar com ela.

Durante todo este período, no ataque às nossas fileiras, os fascistas nem os ultrapassaram, nem tiveram argumentos que aqueles não tivessem adoptado.

Os chefes anarco-sindicalistas enquadravam-se deste modo no ambiente internacional social-democrata e capitulacionista e a luta contra eles era um problema obrigatório.

Simplesmente, do nosso lado, a luta que se travava era a luta pela busca de métodos mais eficazes de acção para o proletariado e é isto que explica as simpatias que conquistámos no seio deste último e a progressão dos nossos efectivos sindicais face ao atrofiamento dos efectivos deles.

A luta que travámos concluiu-se pelo desmoronamento do monopólio da organização sindical na posse do anarco-sindicalismo.

A luta que travámos pela primeira vez na história do país está na realização que ninguém já será capaz de ofuscar: o nosso partido foi o herdeiro e o continuador, desde 1929 a 1935, das melhores tradições revolucionárias do movimento sindical português.

Todavia foram várias as ocasiões em que lhes dirigimos apelos à acção comum. Só nas vésperas do 18 de Janeiro estes apelos surtiram maior efeito, mas isto demonstra exactamente que, nessa altura, nós já éramos uma força por cima da qual a C. G. T. já não podia passar.

Adiante faremos a devida análise ao 18 de Janeiro. Isso, porém, não impede que desenvolvamos um pouco mais o tema aqui posto.

Se o combate à ideologia anarco-sindicalista foi grande efectivamente, se, por vezes mesmo, tocámos as fronteiras do exagero, não há dúvida também que nós continuamos a ser os primeiros na formulação dos novos apelos à unidade de acção. Por exemplo o apelo à constituição duma C. G. T. única dos trabalhadores portugueses, apresentada pela C. I. S. em 1936, foi uma das conclusões a que havíamos chegado no VII Congresso. Nós estávamos dispostos a desviar do caminho tudo quanto pudesse prejudicar a unidade de acção. Cessaríamos toda a espécie de luta de tendências; para a constituição duma C. G. T. poderíamos ir até à entrada na velha C. G. T. sobre a base da luta pelas reivindicações concretas dos trabalhadores e da democracia sindical. Da questão da obrigatoriedade da viragem para os S. N. não dependia a plataforma de constituição da C. G. T. única, dada a possível subsistência das tendências em recusa de anarco-sindicalistas ao trabalho de tais sectores. Procuraríamos utilizar a própria experiência para a viragem colectiva ou semicolectiva para tal campo.

A expressão que a luta de tendências havia tomado anteriormente não podia constituir uma barreira intransponível.

Que balanço poderíamos nós apresentar no terreno mundial da Frente única e da Unidade de acção, uma vez que a luta de tendências ainda tomava um carácter mais exasperado em Espanha e na própria França, por exemplo?

Nós somos realmente duros no combate. Mas também somos quase crianças sob o ponto de vista de sentimentos em face das possibilidades que se revelam na própria luta contra o inimigo comum. Deste modo estamos sempre dispostos a facilitar o terreno à Frente única e à Unidade de acção. E neste sentido é bem possível que amanhã a questão se ponha em termos novos. O anarquismo, lá onde quer que ainda exista, viveu a guerra espanhola.

Outrora nós supúnhamos um pouco que o anarquismo desalojar-se-ia da consciência de certas camadas populares, dum modo absolutamente fácil. Os anarquistas viam também em bloco apenas esta situação: «Ou nós ou eles».

A revolução espanhola deve, pelo contrário, ter posto a questão nestes termos: a ideologia anarquista subsiste, em certas massas, mesmo com o triunfo da revolução. Reciprocamente: os anarquistas que são sinceros aprenderam com a luta e aprenderam sobretudo connosco a organizar melhor a luta final.

É muito possível que a questão amanhã se ponha nestes termos para esses elementos: «Nós e eles».

Sobre a Palavra de Ordem "Governo Operário e Camponês"

O documento a que nos temos reportado refere esta palavra de ordem como inteiramente desligada das condições nacionais. Cita o facto, ainda, de ela aparecer, por vezes, misturada com a outra: «Ditadura do Proletariado».

A discussão efectuada esclareceu a confusão realmente estabelecida nos anos de 1931 e 1932 entre «Governo Operário e Camponês» e «Ditadura do Proletariado», como desconhecimento por parte de alguns camaradas da doutrina do programa do VI Congresso da I. C. (1928).

E a crítica, por fim, à palavra de ordem «GOC», limitou-se quase a assinalar que o erro consistiu em se ter feito a publicação da plataforma «GOC» aí por volta de fins de 1934, quando a realidade nacional já não comportava estas palavras de ordem.

Mesmo assim o problema precisa de ser arrumado convenientemente.

Ora, bem vistas as coisas, no momento em que fizemos a sua publicação, as condições nacionais ainda não tinham envelhecido a palavra de ordem «GOC».

Durante algum tempo, insistiram connosco de fora, para que elaborássemos uma plataforma de programa de «G. O. C.». A última vez teve lugar em Dezembro de 1933 (cerca de um ano, portanto, do acesso de Hitler ao poder na Alemanha). O XIII pleno da I. C. realizado nos começos de 1934 colocava de novo a questão do poder dos Sovietes na Alemanha e na Polónia e de «G. O. C.» como plataforma de agitação nos países de desenvolvimento médio, como o nosso (e até nos países semi-coloniais).

Doutro lado, a primeira expressão concreta da Frente Popular data de 6 de Março de 1935, quando os fascistas vêm à rua em Paris e outros sítios, quando o «Rassemblement populaire» se efectua espontâneamente e quando Daladier proclama — «para a esquerda não há perigo».

Nas próprias condições francesas a maturidade, do programa da Frente Popular, levado às suas máximas consequências, só se põe após o VII Congresso, quando dele resulta a resposta nestes termos à questão colocada pelos partidos da pequena burguesia sobre se os comunistas estavam dispostos a entrar no próprio governo: — «em determinadas condições da luta contra o fascismo os partidos comunistas acharão que a sua entrada no governo é não somente viável mas desejável».

E as coisas em França tomavam um outro sabor porque bem outras eram as condições. Referimo-nos à viragem da pequena burguesia.

Havia tempo já que a França se encontrava isolada na Europa. O pacto de aliança com a União Soviética era um problema de segurança para a própria burguesia francesa. Esta situação não podia deixar de ter a sua influência sobre a vida política do país.

Todos estes problemas se colocavam entre nós doutra maneira. O fascismo já se encontrava no poder. Para constituir então uma Frente Popular, era preciso observar uma certa actividade nas próprias massas da pequena burguesia. Claro está que não foi a nossa plataforma de programa publicada em 1934 que veio dificultar esta actividade.

A palavra de ordem «Governo Operário e Camponês» foi retirada da nossa agitação política para ceder o lugar às proclamações da Frente Popular logo que se efectuou o VII Congresso. E nós ainda tivemos ocasião de trocar impressões com vários responsáveis dos sectores republicanos, um mês após a realização do VII Congresso e constatámos que aquele acontecimento mundial os tinha tocado de perto.

Porque não conseguimos então progredir no terreno da Frente Popular? É evidente que a questão tem de pôr-se de outra maneira.

A F. P. não só quando da sua constituição oficial como posteriormente, viveu essencialmente ligada às influências e às condições de vida internacional, não criou um entrelaçamento com a situação portuguesa.

O importante, fora visto no VII Congresso, era o movimento ea concentração popular sob a bandeira do antifascismo.. Vivíamos num país de ditadura fascista e este movimento e esta concentração tinha de tentar-se na base das possibilidades legais existentes no país. Neste sentido os problemas essenciais que se colocavam eram a utilização da imprensa republicana e as organizações de carácter pequeno-burguês e do campesinato, a abordagem aí, em enlace com os elementos republicanos e populares, dos problemas económicos, políticos, culturais e literários característicos desses sectores. Havia que ganhar não só os antifascistas ao «Rassemblement» mas também as massas não fascistas e até algumas daquelas iludidas com a ideologia fascista.

Entre nós começou-se exactamente como se vivessemos num país de movimento legal. As tendências putchistas e terroristas não foram desalojadas dos comités da F.P. A F.P., apesar do seu nome, era uma «frente» de chefes, sem base popular. O seu entusiasmo antifascista era meramente proclamativo e seguia segundo a própria temperatura dos acontecimentos externos. Quando se deu o esmagamento da revolução espanhola, a nossa F. P. eclipsara-se pura e simplesmente sem deixar o mínimo acréscimo orgânico às correntes do pensamento antifascista nacional.

Nós e os Camponeses

A pequena burguesia também produziu entre nós alguns teóricos da questão agrária. E certos governos dos primeiros anos da República também promulgaram algumas leis de interesse dos camponeses. Porém, entre nós, a revolução burguesa pouco realizou sobre o problema das terras. Por isso, a história dos 16 anos de democracia é, essencialmente, a história das manifestações políticas das cidades de Lisboa e Porto.

A revolução russa abordou sem peias o problema agrário. Este facto teve repercussões enormes sobre o campo dos países europeus e tais repercussões chegaram até ao nosso país.

Durante a própria democracia, no nosso país, medraram as tendências entre as populações citadinas segundo as quais camponeses e labregos eram uma e a mesma coisa.

Em vários pontos ia-se a ponto de concluir: «a revolução agrária no norte do país já está feita, porque aí a divisão da terra já foi levada ao extremo». O problema agrário para muitos era essencialmente o problema alentejano.

Ora não constituiu uma advertência menos importante o facto de Gomes da Costa ter formado em Braga o Cortejo militar que marchou sobre Lisboa em 28 de Maio de 1926.,

A crise geral de 1929-33 criou uma situação agudíssima na agricultura mundial e portuguesa. O problema agrário pôs-se em cheio para todas as correntes do pensamento político. O Estado Novo resolveu-o sobre a base duma política complicada que ainda hoje precisa ser convenientemente e meticulosamente estudada. No sector trigueiro, por exemplo, nós próprios tivemos ocasião de ouvir pequenos seareiros apoiar a política do Estado Novo (1935).

O centro das contradições e dos conflitos, na agricultura, deslocou-se durante algum tempo para a zona vinhateira. Chegámos a uma altura em que de todos os pontos se faziam reclamações ao governo. O próprio Minho movimentava-se.

Durante os anos de 1934 e 1935, apenas o nosso Partido, no campo antifascista, abordava com sequência a questão camponesa. No terreno geral salienta-se a formulação do nosso próprio programa: «a terra para os camponeses, para que a dividam e a cultivem como entendem».

O grupo «Renovação Democrática» e vários outros da pequena burguesia colocavam a palavra de ordem irreal da «socialização da agricultura».

No terreno concreto nós formulámos palavras de ordem acertadas tais como: supressão dos 17 % para a Federação, isenção de pagamentos das dívidas dos camponeses pobres, liberdade de comércio de vinhos, etc., etc.

As formas de movimentação dos camponeses nas lutas contra a crise fomos nós buscá-las às condições e à prática da própria vida agrária nacional. Nós propúnhamos essencialmente a formação de comissões nos vários concelhos que se dirigissem aos poderes constituídos, a expôr as suas reclamações. Esta forma foi adoptada pelos camponeses em quase toda a extensão das regiões nacionais sobretudo na Extremadura.

O nosso Partido tornou-se incontestavelmente conhecido nestas regiões.

Por meio de manifestos nós abordámos principalmente: o problema dos trigos, o problema vinícola, o problema dos rendeiros e foreiros do Estado, etc.

Entre os Intelectuais e Estudantes

A Academia de Portugal atestou em vários transes da história do país as suas tendências progressivas. Para nos referirmos apenas à época contemporânea basta assinalar toda essa actividade das massas estudantis de propaganda e agitação preparadoras do advento da República e bem assim a sua comparticipação de sangue na Revolução de 5 de Outubro de 1910.

Dum modo geral, porém, até à instauração da ditadura, a Academia encontra-se largamente enfeudada à ideologia liberal burguesa. E os que destoavam desta ideologia e da ideologia reaccionária, — esses poucos perfilhavam o pensamento anarquista, pensamento que, aliás, para a maioria dos referidos, era abandonado após o doutoramento.

O período de reorganização do Partido coincide com o começo duma viragem política dos estudantes. O desejo de derrubamento da ditadura, claramente expresso na maioria do povo português, e a questão do «reviralho» na ordem do dia, arrastaram os estudantes para um novo reagrupamento. Certos grupos de estudantes tomam um carácter novo e empreendem a publicação de alguns jornais dr estudantes com destino às massas do país: «Igualdade» e «Liberdade»

(Apontamentos com outra letra)

Em 29-30

Luta ideológica e trabalho no terreno de organização pela formação dum Partido ilegal e por meios legais da direcção central do trabalho nos sindicatos.

Luta ideológica no seio do movimento sindical por reivindicações justas contra o desemprego.

Não são principalmente lutas económicas o que caracteriza este período, mas sobretudo a luta intensa ideológica e organizativa como preparação das lutas que se avizinham.

Os fins de 30 são já caracterizados pelas primeiras lutas:

Em 30 o Partido em Lisboa tinha passado de 30 (primeiro algarismo imperceptível) a 130 filiados e as poucas organizações existentes na província, Porto, Beja, etc., tinham sido totalmente destacadas do grupo Machado e enquadradas no Partido. «O Proletário» publicava com regularidade uma tiragem de 3 a 4 000 exemplares.

Em 31-32

Prossegue a luta ideológica e no terreno de organização, mas o Partido está reconstruído e as lutas económicas, como havia sido previsto, tomam uma maior amplitude; por isso o centro da nossa actividade exerce-se especialmente no terreno da condução destas lutas e da organização dos trabalhadores.

Quer num terreno quer noutro, o nosso papel torna-se mais preponderante relativamente ao do anarquismo.

No que respeita a lutas conduzidas por nós devemos citar, excluindo toda uma série de pequenas lutas, as seguintes:

Lutas de desempregados:

Lutas de estudantes:

Luta por melhoria de salários ou contra reduções de salários:

No terreno de organização podemos citar:

Este período rico de experiência sob todos os aspectos é talvez o mais rico do Partido no terreno da condução de lutas parciais.


Notas de rodapé:

(1) B.G. refere-se a uma discussão realizada entre membros do Partido no Campo do Tarrafal. (retornar ao texto)

(2) Igualmente redigido e discutido no Tarrafal. (retornar ao texto)

(3) Internacional Sindical Vermelha. (retornar ao texto)

(4) Revolta de 3/7 de Fevereiro de 1927 em que participaram alguns quartcis e grupos populares. Foi dominada sucessivamente em Lisboa e no Porto depois de alguns dias de combate. (retornar ao texto)

(5) Durante muito anos designou-se por «reviralho» o esperado golpe republicano que poria fim à ditadura e restabeleceria o regime anterior ao 28 de Maio de 1926. (retornar ao texto)

(6) Constituído então apenas por 3 membros, um dos quais teve uma intervenção de alta importância para a realização e o êxito da Conferência de 1929. (retornar ao texto)

(7) Trata-se de sindicatos livres que existiram legalmente até 1933, ano em que foi decretada a fascização dos sindicatos. Os órgãos de imprensa dos sindicatos eram legais. (retornar ao texto)

(8) VII Congresso da Internacional Comunista realizado em Moscovo em Julho e Agosto 1935. (retornar ao texto)

(9) Internacional Comunista Juvenil. (retornar ao texto)

(10) Na Fortaleza de Angra do Heroísmo onde esteve preso de Janeiro a Outubro de 1936 antes de ser enviado para o Tarrafal. (retornar ao texto)

(11) Socorro Vermelho Internacional. (retornar ao texto)

(12) Juventudes Comunistas. (retornar ao texto)

(13) Frente Popular. (retornar ao texto)

Inclusão 23/06/2014