Discurso Durante a Manifestação Convocada pela F.U.R., Frente de Unidade Revolucionária

Vasco Gonçalves

27 de Agosto de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Portugueses!

Companheiros de luta!

Nós vivemos, neste momento, um dos mais graves momentos da nossa Revolução. A nossa Revolução corre graves perigos. É preciso que todos nós tenhamos consciência do momento que estamos a viver e que sejamos capazes de estar à sua altura.

O nosso processo de construção de uma democracia a caminho do socialismo está seriamente comprometido pelas forças reaccionárias internas e externas.

As forças democráticas e patrióticas têm, neste momento, o dever de se unir para além de todas as divisões. A unidade é a nossa força.

Todos os processos revolucionários passam por momentos destes. As forças reaccionárias conjugam-se para tirar poder à nossa Revolução. A questão é a de saber quem é que há-de conduzir este País à Revolução e à vitória. Só pode ser a classe trabalhadora. Em paz e em liberdade, no caminho da construção de uma democracia e do socialismo. Mas, conduzir este caminho sem o trair.

Estamos, neste momento, assistindo a uma luta pelo Poder, que é reflexo de uma coisa mais profunda, que é a luta de classes. São os estratos sociais mais desfavorecidos que estão mais interessados no avanço deste processo. Mas terão de ser as forças progressistas, as Forças Armadas e o Povo trabalhador, a conduzir o processo revolucionário.

Isto não significa que nós vamos pôr de parte uma pequena burguesia, os pequenos industriais, os comerciantes, os donos das mercearias, os sapateiros, os ferreiros, os donos das pequenas lojas, os agricultores, os pequenos agricultores, tantos deles que, mesmo sendo proprietários das suas terras, ganham menos do que o salário mínimo nacional. Nós não vamos pôr essa gente de parte. Nós desejamos uma unidade íntima com essas classes, que também são trabalhadores, mas simplesmente o poder que há-de conduzir ao caminho do socialismo tem de ser um poder de vanguarda. Não podemos entregar a condução de uma revolução democrática a caminho do socialismo, aos elementos da pequena burguesia.

Isto não significa que estejamos a marginalizar a pequena burguesia. Ela deverá ser nossa aliada na marcha para o futuro, mas ela só será nossa aliada desde que a condução esteja de facto em mão® firmes e fortes, verdadeiramente revolucionárias. Não são mãos extremistas, não são mãos que queiram fazer a política da terra queimada. Nós mostrámos que não o queremos fazer.

Toda a evolução, toda a transformação é baseada nas conquistas anteriores do homem. Nós temos o dever de aproveitar tudo aquilo que é o esforço do nosso povo, tudo aquilo que ele construiu em oito séculos de História e, baseados nisso, construir um mundo melhor para os portugueses, É isso que nós pretendemos.

Nós temos de estar atentos à defesa das conquistas que alcançámos. Estamos ou não estamos dispostos a defender, a defender com unhas e dentes, uma Reforma Agrária, as nacionalizações, os direitos sindicais, as liberdades individuais? Tudo isso está, neste momento ameaçado pela onda de violência que grassa no País. Temos de ter a consciência disso. Isto não é uma visão pessimista. É neste momento, em que estamos em paz e em que temos consciência dos perigos que estamos vivendo, que mais do que nunca nos queremos unir.

Por isso eu saúdo, veementemente, e com grande alegria, a constituição desta Frente de Unidade Popular.

Esta Frente deve ser aberta a todas as forças democráticas e patrióticas, e assim já o demonstrou, porque estais aqui ligados uns aos outros, de diferentes partidos, mas unidos. Unidos porquê? Porque a nossa Revolução está em perigo, porque é preciso defender as suas conquistas.

Pois é preciso criar um Portugal novo. Esta Frente deve estar aberta a todos, a todos os verdadeiros socialistas, a todos os homens que estão interessados em construir uma verdadeira democracia em Portugal, e essa democracia tem de ser forçosamente baseada nas forças populares. São as forças populares a base da nossa democracia. Nesta unidade, nesta frente ampla cabem todos os verdadeiros portugueses, aqueles que estão interessados de facto em caminhar para a democracia e para o socialismo. Não deve haver sectarismos. Devem chamar acima de tudo o que vos une, o que nos une e não o que nos divide.

Neste momento não pode haver sectarismos; tem de haver unidade. Todos os verdadeiros socialistas devem entrar para esta frente, ela está aberta a todos os portugueses. É nesse sentido que nós saudamos, com alegria, a constituição desta Frente. Esta Frente é a que deve levar Portugal para os caminhos do futuro, e numa frente unida, de unidade.

Nós temos neste momento em que se fala tanto em programas, em linhas, nós temos documentos que nos bastam, neste momento, para traçarmos o caminho do nosso futuro; um deles é o documento elaborado pelos oficiais do COPCON. O outro documento é o que se intitula «Defender a Revolução», elaborado pelo V Governo Provisório.

Esses dois documentos poderão amplamente servir de base ao caminho que deveremos traçar para futuro, eles apontam uma via socialista, mas são documentos realistas, eles são documentos realistas. Lá se vê o problema das vanguardas revolucionárias, o problema dos seus aliados, o problema dos blocos sociais de apoio. Lá se vê bem que nós desejamos ir ao encontro de todos os portugueses, não só das classes trabalhadoras como dos nossos agricultores, como dos nossos comerciantes, como dos nossos industriais, como dos quadros. Esses documentos, basta lê-los, lê-los bem, que se verá que são documentos profundamente realistas, são documentos honestos, são documentos que honram as pessoas que os elaboraram, não são documentos demagógicos, não são documentos que deitem poeira para os olhos dos portugueses. Esses documentos têm, também, em atenção essa importantíssima decisão da Assembleia do Movimento das Forças Armadas, que foi a aprovação na generalidade do documento-guia das relações entre o Povo e o Movimento das Forças Armadas. E esse documento-guia aponta os caminhos do acesso progressivo das massas trabalhadoras ao Poder; esse caminho, e o nosso guia para o futuro, é esse documento-guia aprovado na Assembleia do MFA e ele tem de ser tomado profundamente a sério, com toda a gravidade do passo que representa. Não foi uma leviandade do MFA apoiá-lo. Nada disso! Ele é tão responsável, esse documento é tão grave, que a partir dele se desencadearam forças e acções que põem, hoje, em perigo a nossa Revolução.

Pois bem, há matéria suficiente para sobre ela nos debruçarmos e elaborarmos as nossas ideias. Mas hoje mais do que nunca, a construção do futuro faz-se com o trabalho. É o trabalho humano que constrói o futuro e vós sois os lídimos representantes, vós sois os trabalhadores. É o trabalho humano que constrói o futuro, são vocês que devem construir o nosso futuro com base na unidade que esta manifestação representa, com base na documentação que foi elaborada no sentido de construirmos uma pátria verdadeiramente democrática que conduza ao socialismo, ao caminho do socialismo, com base na vossa unidade, com base na vigilância popular que é neste momento mais necessária do que antes, com base na consciência dos deveres que tendes para com a vossa pátria, dos nossos inimigos, de quem são aqueles que nos dividem e aqueles que nos unem; tendes de ter a consciência plena com base nesses elementos todos, de que está nas vossas mãos a defesa da Revolução Portuguesa, sois vós que a deveis defender.

Têm mais uma palavra. Nós preservamos acima de tudo a unidade, a unidade em todos os campos, em todos os domínios da nossa sociedade, mas a unidade não se pode fazer contra os interesses do Povo português. A unidade tem de se fazer à volta das conquistas alcançadas, aquilo que o 25 de Abril já nos deu na defesa e consolidação dessas conquistas e na defesa dos caminhos do futuro que garante, de facto, uma via para o socialismo. Nós estamos vendo com as demonstrações práticas do que se passa hoje na sociedade portuguesa que não era uma mentira quando se dizia que dado o nosso passado, dado que vivemos 50 anos de fascismo, nós só temos duas alternativas, ou uma via para o socialismo ou então uma via para o fascismo.

Nós verificamos hoje, na nossa sociedade, que as actividades contra-revolucionárias conduzem a essa via contra o socialismo; actividades foram desenvolvidas em oposição ao Governo, essas actividades conduziram rapidamente à reacção e ao pré-fascismo e a actividades pré-fascistas como houve na Alemanha no tempo do semitismo, como houve noutros países da Europa; isso mostra bem os perigos que corremos. Nós somos partidários da crítica, da auto-crítica, da liberdade, mas não somos partidários da obscenidade e da libertinagem na Informação. A liberdade de Imprensa serve para instruir o Povo e não para o enganar.

Deveis ter isso bem presente. A liberdade deve ser para construir o novo homem e não para destruir o homem. Por isso eu digo que é muito importante que tenhais presente que viveis um momento muito grave da nossa Revolução. Está em jogo o futuro da nossa Pátria e se nós não queremos voltar aos domínios sombrios do passado, temos que lutar vigorosamente, quotidianamente, com o nosso trabalho, com a nossa palavra, com a nossa actividade, com a nossa vigilância pela defesa e pela consolidação das conquistas da nossa Revolução. Só assim conseguiremos vencer a gravíssima crise que atravessamos.

Viva a unidade de todas as forças progressistas, democráticas, socialistas numa frente de unidade patriótica!
Viva Portugal!
Viva o Movimento das Forças Armadas!
Viva a unidade entre o Povo e o Movimento das Forças Armadas !

 

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Abriu o arquivo 05/05/2014