Discurso Proferido no Jantar de Estado, Comemorativo da Proclamação da Independência da República Popular de Moçambique

Vasco Gonçalves

25 de Junho de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Lourenço Marques,

Como representante do Movimento das Forças Armadas e do Governo Provisório da República Portuguesa, como chefe da missão que aqui veio assistir às festas da independência de Moçambique desejo transmitir a todos e em especial ao camarada Samora Machel, permita-me que o trate desta maneira, e aos destacados dirigentes da FRELIMO, toda a alegria que nos vai no coração de portugueses por assistirmos hoje à independência do território de Moçambique. Esta alegria veio connosco desde que embarcámos no avião, em Lisboa, a caminho de Moçambique, e não vos deveis admirar por assim estarmos tão alegres, É que, quando Moçambique ascende à independência, tal qual como a Guiné-Bissau, tal qual como de sexta-feira a oito dias Cabo Verde, tal como Angola e os outros territórios, nós, os portugueses, libertámo-nos mais da canga do colonialismo.

As mesmas forças que oprimiram os povos dos antigos territórios sob a administração portuguesa oprimiram também o Povo Português e, com toda a modéstia que devemos ter e com toda a humildade, nós devemos dizer sem ambiguidades que a luta dos povos coloniais contra o fascismo português também nos ajudou a libertar desse mesmo fascismo. Por paradoxal que possa parecer — mas não o é para quem tenha a lucidez suficiente — a guerra injusta que o Governo fascista impôs aos militares portugueses e, em particular, aos oficiais, e, por outro lado, a justa luta dos povos colonizados contra esse mesmo fascismo contribuiu para o esclarecimento desses mesmos jovens oficiais, levando-os a libertar Portugal. Eu não estou a pronunciar simples palavras de retórica, basta olhar para a cara dos portugueses que aqui se encontram e que vêm representar a nossa Pátria no momento da independência da República Popular de Moçambique, para ver como profunda é, de facto, a nossa alegria por Moçambique se ter tornado um país independente.

Na verdade a nossa luta é comum. Os movimentos de libertação dos antigos territórios portugueses e o Movimento das Forças Armadas e o Governo Provisório português prosseguem uma luta comum. É uma luta comum contra as forças repressivas, contra as forças do obscurantismo, contra as forças que não permitem ao Homem e, em especial, às classes trabalhadoras, libertar todo o poder criativo que existe no ser humano.

Desde a Revolução do 25 de Abril que nós temos procurado dar, e temos dado, passos irreversíveis para que enterremos? colonialismo, para que cicatrizemos as feridas. Porque nós queremos ver e queremos ter nos povos com quem estivemos em guerra, povos irmãos, povos com quem tenhamos as mais fraternais relações, povos que possamos olhar cara a cara, sem ódios, sem espírito de vingança nem ressentimento.

Portugal é um pequeno país da Europa. Não pretendemos dar lições ao Mundo. Mas nós somos, talvez, o país da Europa que tem o contorno de fronteiras mais antigo de todos os países europeus.

Não nos devem levar a mal, não nos devem considerar estúpidos por nós termos um profundo orgulho e um profundo sentimento de que estamos a criar relações de um novo tipo entre os povos colonizadores e os povos colonizados. Desde o 25 de Abril nós temos sempre defendido que o neo-colonialismo deve ser banido de todos os territórios da Terra.

Nós procuramos construir, procuramos edificar com todos os povos que estiveram sob a administração portuguesa, novas relações fraternais de íntima cooperação, de ajuda mútua, de interesse recíproco, em que não haja de maneira nenhuma qualquer vestígio de neo-colonialismo. Eu penso que os passos dados desde o 25 de Abril nos dão direito a que tenhamos esse crédito.

Eu não desejo alongar-me mais. Desejo apenas em nome da minha Pátria, saudar o povo moçambicano, saudar a República Popular de Moçambique. E desejo, uma vez mais, afirmar que depois do 25 de Abril o Povo Português está em condições de ter relações abertas com todos os países do Mundo, independentemente dos seus sistemas políticos, económicos e sociais ou dos seus credos religiosos. Mas peço-vos que compreendais, que acheis natural, que nós olhemos com particular carinho as relações que pretendemos estabelecer e que estamos estabelecendo com os povos sob a antiga administração portuguesa. Como disse o camarada Samora Machel, nós temos um destino comum, os povos de Portugal e de Moçambique. E nós temos bem a consciência de que os êxitos do povo moçambicano na sua luta pelo progresso e pela realização de todas as suas potencialidades, são também êxitos do povo português.

O mundo é só um. Tudo o que se passa num país tem reflexos nos outros países e a luta pela liberdade e pelo progresso num país tem reflexos nos outros países. Quando se está lutando pelo progresso num determinado país, está-se lutando pelo progresso da Humanidade.

Eu desejaria agradecer as palavras de confiança para Portugal que teve o Senhor Presidente da Organização da Unidade Africana e as palavras de confiança que também teve para o Povo Português o camarada Samora Machel. Eu nunca poderei esquecer na minha vida o dia de hoje e as palavras extremamente afectuosas e cordiais com que o camarada Chissano se referiu a mim antes de eu ter tido essa alegria indescritível de agradecer os aplausos dos moçambicanos da varanda, da Câmara de Lourenço Marques.

Permitam-me os camaradas da FRELIMO que eu brinde por uma profunda aspiração do povo português: pela unidade inquebrantável entre o povo moçambicano e o povo português. Que um futuro radioso se abra na frente do povo moçambicano, sob a direcção da FRELIMO, nos caminhos do progresso, no caminho da realização de todas as potencialidades que os africanos têm. E isto porque nós não somos racistas. Nós somos anti-racistas. O racismo é um alibi, é uma máscara de uma outra coisa muito mais profunda que é a luta de classes, que é a exploração do homem pelo homem. E contra essa exploração do homem pelo homem, o povo moçambicano e o povo português estão irmanados nos mesmos propósitos. Por isso brindo mais uma vez pela inquebrantável amizade entre os nossos dois povos. Viva a República Popular de Moçambique!

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Abriu o arquivo 05/05/2014