Respostas ao Jornal «El Sol de México»

Vasco Gonçalves

14 de Maio de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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1 — Os inimigos da Revolução Portuguesa são principalmente as forças ligadas ao capital monopolista nacional e internacional, que têm levado fortes golpes, mas não estão inteiramente destruídas. É por isso que a nossa primeira finalidade reside na destruição do poder dos monopólios e dos latifúndios. Depois, há certos sectores da média burguesia que em certa medida não compreendem este processo e, sentindo-se ameaçados, tendem a abraçar ideias esquerdistas.

Enquanto os grandes capitalistas usam de todos os meios ao seu alcance, incluindo o contra-golpe, para não perderem a posição que ocupavam na liderança da sociedade portuguesa, os sectores da média burguesia de que falo acima, assumindo falsas roupagens de progresso, o que procuram é fundamentalmente manterem a sua importância relativa como classe, arvorando-se em pretensas vanguardas do actual processo revolucionário.

Mais forças haverá que se nos opõem — refiro-me a todas aquelas forças externas que consideram um mau exemplo aquilo que se passa em Portugal.

Como forças aliadas do nosso processo e no caso concreto da batalha da produção, contamos em primeiro lugar com os trabalhadores portugueses, com a pequena e sectores da média burguesia que acompanham sinceramente este processo e se sentem identificados com ele, com os Partidos Progressistas que têm como objectivo programático a construção do Socialismo em Portugal.

Não somos sectários, nem a actual fase da revolução portuguesa é uma fase de destruição da burguesia. Pensamos que este processo deve caminhar com a unidade das forças trabalhadoras, quer da cidade quer do campo, e da pequena burguesia e de certos sectores da média burguesia. Claro que, como já afirmei, há sectores da média burguesia que não são capazes de acompanhar este processo, como não são capazes certos quadros, embora pense que na generalidade as profissões liberais, quer públicas quer privadas, só têm a ganhar com o desenvolvimento deste processo.

2 — É indiscutível o papel primordial que têm desempenhado as massas populares no desenvolvimento, defesa e consolidação do processo revolucionário português iniciado a 25 de Abril de 1974.

Basta lembrar o 28 de Setembro e o 11 de Março para se verificar que se não fossem a iniciativa e a dinâmica das forças populares em estreita aliança com o MFA, neste momento o processo revolucionário português estaria perdido. Não há uma expressão orgânica da aliança que falo; há antes uma prática política que nos mostra que quando solicitada esta aliança funciona e funciona eficazmente. É evidente que o Povo Português se encontra agrupado a nível dos partidos políticos, a nível das associações sindicais e outras e que, sobretudo em momentos de crise, de uma maneira geral, estas associações de que falo, têm-se mostrado à altura dos sentimentos populares, mas também penso que não têm outra alternativa pois de outro modo arriscar-se-iam a ser ultrapassadas pelas massas populares em movimento.

Para nós MFA, o que é real, porque já várias vezes foi verificada na prática, é a aliança Povo-MFA, única componente essencial para o êxito do desenvolvimento da via para o Socialismo que começamos a percorrer. Isto independentemente de qualquer expressão orgânica.

3 — Começo por dizer que não compreendo que realidade se pretende caracterizar com a expressão «Capitalismo de Estado»; conheço a expressão «Capitalismo Monopolista de Estado» como expressão caracterizadora de uma fase de desenvolvimento do capitalismo; e esta fase, com as nacionalizações já feitas e com as que se irão seguir, está em vias de ser ultrapassada em Portugal. É pois, em minha opinião, cientificamente incorrecta a expressão «Capitalismo de Estado» e não corresponde a um risco para a Revolução Portuguesa.

Além disso, convém não esquecer que o órgão de direcção política da revolução portuguesa, o Conselho da Revolução, já afirmou que a Revolução Portuguesa há-de ser sobretudo obra dos trabalhadores. Assim quando falo em controlo da produção pelos trabalhadores não tenho em mente um qualquer perigo de «Capitalismo de Estado» mas tenho antes presente na consciência que a verdade de uma Revolução passa sobretudo pelo papel de direcção que os trabalhadores deverão ter na Revolução.

Não temos receitas a apresentar aos trabalhadores. Estudamos outras experiências históricas revolucionárias sobretudo com a perspectiva de evitarmos os erros por elas cometidos e estamos prontos a sancionar e incentivar as experiências que os trabalhadores portugueses estão em vias de encontrar para a nossa realidade.

4 — A nossa situação económica impõe o desencadeamento imediato da batalha da produção e esta batalha da produção pressupõe uma autêntica mobilização nacional do Povo Português.

Ora os Partidos, como organismos enquadradores de massas populares, têm um papel importante a desempenhar. Depois a sua colaboração e a sua unidade são igualmente importantes para a prossecução, sem grandes sobressaltos, do caminho que percorremos. São estas as direcções em que têm sido desenvolvidos os esforços do MFA junto dos partidos políticos. Os resultados têm sido positivos; aliás, outra coisa não seria de esperar da parte de partidos que com o MFA se comprometeram na assinatura de um Pacto que caracteriza sem ambiguidades os próximos anos da Revolução Portuguesa.

5 — As recentes eleições mostraram a política de honra e verdade em que o MFA está empenhado; mostraram ainda, devido à grande afluência às urnas por parte do Povo Português, que está com o MFA; serviram ainda para mostrar que as análises que o MFA faz da realidade Portuguesa são justas e se adaptam às condições do nosso Povo e finalmente salientaram a opção do Povo Português pelas liberdades democráticas, pela Aliança com o MFA, pela democracia, pelo socialismo.

As eleições foram mais um passo na longa caminhada que levará o Povo Português ao socialismo.

6 — O MFA continua a ter como carácter dominante a unidade entre oficiais, sargentos e praças. No seio do Movimento das Forças Armadas existem todas as condições para o desenvolvimento de um movimento revolucionário com características próprias, unitárias, e disso é prova o facto de termos hoje nas nossas Assembleias os soldados e os sargentos representados. Isto corresponde a um grande avanço no processo revolucionário, mas também ao estreitamento da disciplina nas Forças Armadas.

Temos verificado, ao longo deste processo, que as Forças Armadas estão mais coesas e mais unidas, mais firmes na luta pela vitória do processo que têm sobre os seus ombros, à medida que se vão depurando. Há pois condições para que não surjam novos 11 de Março e para que as Forças Armadas continuem a ser o garante e o motor do processo revolucionário em direcção ao socialismo.

7 — Se atentarmos na nossa realidade económica saída de uma guerra colonial de 13 anos, se encararmos a crise que o capitalismo vive a nível mundial, se não esquecermos os preços sociais, políticos e económicos de qualquer revolução, veremos que é prova de realismo por parte do MFA falar em sacrifícios ao Povo Português. É sabido que a substituição do velho pelo novo é sempre uma substituição mais ou menos dolorosa; o MFA, que não faz demagogia, nem mente ao Povo Português, não esconde que são precisos sacrifícios, mas também garante que fará tudo o que estiver ao seu alcance para que a transição da sociedade portuguesa para o socialismo seja feita em paz e suavemente.

8 — Face aos problemas actuais que a sociedade portuguesa enfrenta sou quase levado a caracterizar esta questão como académica e num domínio que não andará longe da utopia. Acrescentarei no entanto dois traços que considero essenciais no tipo de socialismo que se venha a instaurar em Portugal: apropriação colectiva, pelo Povo Português, dos meios de produção; existência de uma democracia real, aberta a todas as liberdades, excepto à liberdade de explorar.

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