Entrevista ao Jornal Belga “Le Soir”

Vasco Gonçalves

1 de Maio de 1975


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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PERGUNTAS:

Pergunta 1 Como interpreta o MFA o resultado das eleições: os resultados dos partidos, a vitória do P.S., a elevada taxa de participação, o pequeno número de votos em branco, e a relativa derrota do P.C. e do M.D.P.?

Pergunta 2As eleições vão influenciar a composição ou a política do governo> ou as relações de força no seio do MFA?

Pergunta 3As eleições são consideradas pelo MFA como uma simples radiografia do corpo eleitoral, como diz o Major Correia, ou como a expressão da vontade popular, que favorece o P.S.?

Resposta 1, 2 e 3 — Penso que as eleições decorreram da melhor maneira. O modo como o Povo Português participou no acto eleitoral constitui um desmentido total aos rumores que, traduzindo desejos das forças reaccionárias, circularam dias antes da sua efectivação, quer interna quer externamente. Não é segredo para ninguém que certos sectores esperavam que ocorressem incidentes e distúrbios, que a ida às umas do Povo Português viesse a ficar assinalada pela criação de um clima de intranquilidade. Mais uma vez, tivemos ocasião de mostrar que a realidade do nosso País é diferente daquela que certos interesses não confessáveis, pretendem dar ao Mundo. Afinal o nosso Povo, como você reconhece, deu mais um exemplo de extraordinário civismo, a votação decorreu numa atmosfera positiva e de confiança — muitas mães levaram os seus filhos ao colo. Aquilo a que se assistiu foi a uma concorrência extraordinária às urnas, com todo o eleitorado a votar, logo de manhã, uma demonstração clara de interesse e entusiasmo.

Mais que analisar se as eleições foram vitória de este ou daquele partido, pensa o MFA que é necessário ressaltar o seguinte:

  1. Que as eleições são mais um exemplo da nossa honradez política e da nossa capacidade para cumprirmos as promessas que fizemos;
  2. Que as eleições apresentam a adesão massiva do Povo Português aos ideais da democracia e do socialismo e demonstram a justeza da análise feita pelo MFA da realidade portuguesa;
  3. Que as eleições são mais um passo no reforço da aliança POVO-MFA e uma demonstração de confiança no Governo Provisório.

Como já vínhamos a afirmar bastante tempo antes das eleições, os seus resultados não viriam influir decisivamente quer na marcha do processo revolucionário, quer na composição do Governo Provisório.

Foi elaborada uma plataforma com os partidos. Essa plataforma, que corresponde aos interesses do Povo Português, é para ser cumprida. Os partidos que a assinaram fizeram-no com inteira liberdade, A plataforma é um documento que garante as conquistas alcançadas pelo Povo Português até agora, e representa a continuação do processo de transformação democrática, com vista à instauração do socialismo, opção da Revolução Portuguesa. Tem sido esclarecido, não só por mim, como por vários membros do MFA, que uma coisa é a Assembleia Constituinte, outra coisa o Governo Provisório e a consolidação e desenvolvimento da via revolucionária. Esta Assembleia, que o Povo elegeu, nasce da necessidade de ser elaborada uma Constituição, pois é evidente que não poderíamos continuar a reger-nos pelo conjunto de leis que integram a Constituição de 1933, ainda vigente. A nova Constituição, de acordo com a plataforma entre o MFA e os Partidos, deve consagrar as conquistas alcançadas pelo Povo Português ao longo deste ano de Revolução e regular a nova configuração do aparelho de Estado resultante da nova situação da sociedade portuguesa. Simplesmente isto é uma coisa; outra coisa é o trabalho do Governo Provisório, que é um governo de campanha com a missão de restabelecer, em primeiro lugar, a economia portuguesa e de lançar as bases da economia do futuro.

Pergunta 4Aprova a ideia da criação dum MFA civil, e qual o exacto significado dele?

Resposta — O entendimento que tenho da questão é o seguinte: do que de facto necessitamos é de uma verdadeira frente unida da esquerda.

Necessitamos que os partidos verdadeiramente democráticos, progressistas, patrióticos, interessados de facto no desenvolvimento da nossa Pátria, unam os seus esforços, não fomentem atitudes divisionistas mútuas, não procurarem, até conduzir a situações que tenham como resultante a divisão das massas populares. O que queremos dizer com isto é que esta revolução, para andar para a frente, necessita de poderosos aliados no movimento popular de massas democráticas.

Nesse movimento, pois, cabem todos os partidos que estejam de facto interessados em implantar o Socialismo em Portugal. Mas isso terá de ser traduzido em actos patrióticos, e não só em discursos, e é preciso que na prática esses partidos o demonstrem. Não pretendemos mais do que isto: ter de facto uma forte coligação partidária, que apoie o MFA no sentido de fazer progredir a Revolução. Por isso, nós, muitas vezes, falamos no «MFA civil», que seria como que a unidade dos partidos ao lado do POVO-MFA. O significado é este, e não se deve dar outro, pois não pretendemos criar novos partidos. O que pretendemos é que os partidos que se dizem progressistas, partidos democráticos, partidos que pretendem o socialismo, tenham de facto uma actuação prática nesse sentido e sem ambiguidades.

Pergunta 5 — Quais os maiores problemas que Portugal tem no imediato, e qual a forma de os resolver?

Resposta — Os nossos maiores problemas radicam, como aliás na maioria dos outros países, no sector económico. Estão neste momento em estudo a nível do Conselho da Revolução e do Governo Provisório programas de medidas a curto prazo a tomar nos sectores do Trabalho, Transportes, Finanças, Agricultura e Pesca e Habitação e Urbanismo; está também em estudo, a nível do Ministério do Planeamento, o Plano que configurará a economia portuguesa na fase de transição para o socialismo. De imediato pensamos desencadear uma batalha da produção e criação de riqueza, abrirmos perspectivas ao êxito da via socialista que começamos a percorrer.

Pergunta 6 — As eleições demonstraram a maturidade política do povo. Parece-lhe portanto que o povo português e os partidos terão ainda durante muito tempo necessidade da tutela dos militares?

Resposta — A experiência de um ano de Revolução ensinou aos militares, embora a contragosto, que ao contrário do que tinham imaginado, o poder não podia ser entregue automaticamente aos civis; as dificuldades por estes demonstradas em ultrapassarem divergências partidárias veio criar a necessidade da institucionalização do MFA como garante da Revolução Portuguesa. Foi a nossa realidade social, política e económica que criou esta situação.

O MFA prevê a sua presença por 3 a 5 anos; este período de tempo está consagrado no Pacto que o MFA celebrou com os Partidos. A sua fixação final cabe à recém-eleita Assembleia Constituinte.

Pergunta 7 Estará V. Ex.ª, dum ponto de vista revolucionário, mais «avançado» do que pensaria estar há um ano atrás e não receia que as coisas tenham andado demasiado depressa?

Resposta — Como não sou futurólogo e não considero a futurologia como forma científica de analisar a realidade, a 24 de Abril não me pus essa pergunta, de modo que não estou em condições de lhe responder.

Acerca da velocidade do processo revolucionário ela tem sido a velocidade adequada.

Pergunta 8 Que democracia deseja para Portugal?

Resposta — O MFA deseja para Portugal uma democracia política, económica e social. Numa palavra: uma democracia socialista.

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Abriu o arquivo 05/05/2014