Extractos do Discurso na Estação Agronómica de Oeiras

Vasco Gonçalves

30 de Novembro de 1974


Fonte: Vasco Gonçalves - Discursos, Conferências de Imprensa, Entrevistas. Organização e Edição Augusto Paulo da Gama.
Transcrição: João Filipe Freitas
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Fernando A. S. Araújo.

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Temos uma série de ideias que é preciso pôr em prática com os meios de que dispomos. Esses meios são: meios humanos, meios materiais, (situação política, condições externas e todas as relações que, na verdade envolvem qualquer actuação do homem e devem estar presentes, em cada momento, na análise de cada situação).

Levantaram-se aqui uma série de problemas que os senhores têm andado a discutir, dando assim um grande passo no sentido da sua resolução. O que não significa que se possam resolver já amanhã. Mas, temos, não há dúvida nenhuma, que exercer uma série de acções de natureza conjuntural, de modo que o nosso povo que vive pior, e que é, sem dúvida nenhuma, o ligado à agricultura, os assalariados agrícolas, os pequenos e médios agricultores — estes, como aqui foi dito, são quase como assalariados agrícolas com condições de vida inferiores às de algumas camadas de assalariados industriais, passe a viver melhor. Porque na agricultura há proprietários que vivem nitidamente pior que os assalariados. De modo que o que me parece mais positivo é o facto de nós estarmos aqui num autêntico plenário (que me faz lembrar aqueles plenários que nós temos nas Forças Armadas)...

... Penso que cada cabeça que aqui está ajuda a resolver esses problemas. Os senhores sabem muito bem que os dirigentes multiplicam a sua cabeça pelas cabeças dos seus colaboradores — e se os dirigentes não forem capazes de entenderem isto, então não estão a exercer a tal gestão democrática, não estão a ser verdadeiros dirigentes.

Portanto, vejo-os sair em desta sala com as ideias que aqui forem trocadas, com as posições que aqui foram tomadas e com o espírito de militância. Isso é uma coisa fundamental.

Quero dizer: Nós, para transformar o País, precisamos ver todos militantes nos locais de trabalho em que nos encontremos. Mas todos! Evidentemente, que é difícil que sejamos todos, porque a maior parte de nós fomos educados durante um período fascista que, sistematicamente, embruteceu as nossas cabeças, as nossas inteligências, que nos alienou, que nos levou para o futebol. Enfim! Para os cinemas de baixa qualidade, para os livros fáceis de histórias aos quadradinhos — sem menosprezo, pois os senhores sabem, muito bem, que há histórias aos quadradinhos formidáveis e constituem hoje um outro ramo de actividade cultural —mas eu não me refiro a essas histórias aos quadradinhos, que são muito bem feitas. Refiro-me às outras.

Quero dizer que os meios alienantes da sociedade de consumo são imensos e levam à falta de tomada de consciência. Julgo que, com o 25 de Abril, abrimos os caminhos para esta tomada de consciência. Nós sabemos que os funcionários públicos não estão tão bem pagos como gostaríamos que estivessem. Nós sabemos que eles necessitam de completar os seus orçamentos com outras actividades. Mas nós necessitamos do trabalho de todo este funcionalismo; do trabalho das estruturas estatais aos níveis superiores. E só podemos andar para a frente com o esforço conjugado de todos, mas de todos! Quero dizer: se cada homem que daqui sair, ou cada mulher, forem polos de irradiação das ideias positivas que aqui se forjarem, -que aqui se formularem, irão transmitir essas ideias a outros homens e contribuir para uma verdadeira revolução cultural entre os portugueses, que é preciso realizar. Porque nós precisamos de realizar uma revolução cultural para combater as sequelas do fascismo. E isso não se combate facilmente. O fascismo deixou traços profundos em todos. Houve muitas pessoas que acomodaram a sua vida, organizaram-se para viver num determinado ambiente repressivo, habituaram-se a isto, criaram certos princípios, certas ideias, certos vícios, certas mentalidades. Há casos mentais que é difícil modificar. Mas só os senhores, com uma actividade constante dessa militância, com uma actividade crítica franca, frontal, desinibida, honesta e tranquila a exercer, podem fazer progredir todas as nossas personalidades, a começar pela minha até à dos outros, de todos nós, numa acção permanente, quotidiana, que estamos a modificar. Não podemos desanimar com as dificuldades que estamos a enfrentar, com os inimigos que enfrentamos, com os problemas gravíssimos que temos na agricultura, na indústria, no comércio, etc.

Foram aqui apontados caminhos para resolver esses problemas e na medida em que conseguirmos levar isso mais rapidamente à prática assim conseguiremos arrancar para um profundo desenvolvimento e deixar de ser o País mais atrasado da Europa. Mas, simultaneamente com isto, temos outras actividades, para as quais é preciso ir chamando a consciência do nosso povo.

Outras actividades relativas à descolonização. A descolonização não é uma tarefa fácil. É uma tarefa que nos faz empenhar largos capitais. Não bastou só chegar a tréguas para resolver problemas depois de vistos os acordos. Temos ainda de continuar a contribuir para a criação dessas pátrias de expressão lusíada; temos de continuar a contribuir para a fixação de portugueses que legitimamente lá devem ficar e temos também dívidas históricas a satisfazer. Tudo isto é extremamente complicado. É o País mais atrasado da Europa que está desenvolvendo um processo de descolonização que pode ser um exemplo para todo o Mundo. De resto, eu repito-me nestas coisas.

Mas são estes os «leit-motivs» da nossa actividade. É isto que nós temos de ter presente. Nós não podemos realizar de um momento para o outro padrões de vida idênticos aos que se passam lá fora. Nós não podemos de facto desenvolver o trabalho dos trabalhadores, sem o trabalho dos empresários. Não podemos desenvolver o País pedindo só o esforço das massas trabalhadoras. Temos, também, de tocar nas estruturas defeituosas que encontramos, em particular na agricultura. Estamos dispostos a fazê-lo. Temos de saber conjugar as transformações estruturais com as necessidades conjunturais, para que mantenhamos o barco ao de cima. Pois eu julgo que já não é pouco o termos, ao fim de alguns meses — de sete meses — com tantas dificuldades, com tantos inimigos, com tantos golpistas e tantas intentonas (que nós temos de estar atentos), conseguido equilibrar este barco de maneira que continue a funcionar, de maneira que os seus índices não sejam os piores da Europa, numa conjuntura que todos os senhores sabem que é de crise e que é de crise muito mais profunda do que a crise dos petróleos e das matérias-primas, e tem sobretudo ligada à agricultura, uma influência essencial para nós.

Os senhores sabem muito bem que o País foi conduzido a um campo em que se abastecia de artigos absolutamente necessários, de necessidade elementar, a partir dos comércios estrangeiros ou das colónias, quando cá há condições propícias para isso. Havia uma inversão total na maneira de encarar os problemas. Nós temos de desenvolver, de intensificar a nossa agricultura. Eu fiquei muito satisfeito por ouvir dizer que, não obstante essas dificuldades de aumentos de preços de adubos e de preços de produtos, que ainda não satisfarão os produtores, o nível do projecto agrícola, para o próximo ano, o nível das intenções do desenvolvimento agrícola, o nível do trabalho agrícola não diminuiu, o que se deveu em grande parte aos senhores. Os senhores têm um grande papel a desempenhar no País. Não é ao nível de cúpulas que se cria. As cúpulas poderão abrir o caminho, mas o Movimento das Forças Armadas poderá ser o motor que abre o futuro. Serão os senhores que terão de percorrer esse caminho do futuro, e ou estão dispostos a fazê-lo ou não. E então, quem não está disposto a percorrer o caminho do futuro tem de dar lugar aos mais novos, que esses querem percorrê-lo. Eu estou convencido de que mesmo esses têm dificuldade em percorrer os novos caminhos. E esses que ainda estão mais metidos no quadro de uma educação fascista que nos reprimiu durante 48 anos...

...Devemos procurar trazer todos os nossos colegas, todos os camaradas de trabalho a estas ideias, porque ao fazê-lo estamos a contribuir, de facto, para romper o caminho do futuro.

A minha mensagem seria que cada um de vós fosse um militante, não obstante as condições difíceis de cada um. Difíceis, no aspecto dos salários, no aspecto familiar, no aspecto das condições adversas em que se vive. Mas se cada um for um militante compenetrado, que nas suas oito horas de trabalho exerça uma influência benéfica em sua volta, esse homem estará a contribuir eficazmente para o progresso da nossa Pátria.

O que é preciso é a acção consciente, e não uma acção por medo, porque está instalado um novo regime e porque isso ou vai ou racha. Por isso, os mais esclarecidos, os mais lúcidos, têm um papel fundamentai a desempenhar. Os senhores estão intimamente ligados ao futuro da nossa Pátria, na medida em que devem ser focos de esclarecimento de todos esses problemas, porque também é assim que se combate o analfabetismo. Um homem pode não saber ler, mas se lhe ensinarem essas coisas, ele alfabetiza-se. Era isso que queria dizer aos senhores e desejar-lhes as maiores felicidades e os maiores êxitos no vosso trabalho.

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Abriu o arquivo 05/05/2014